Um azeite diferenciado tem ocupado as prateleiras do mercado e começa a cair na graça do consumidor: o azeite de oliva não filtrado, que tecnicamente é o azeite recém-extraído que não foi submetido a filtração antes de ser envasado e comercializado. O produto apresenta características peculiares que podem ser percebidas visualmente pela opalescência (Figura 1), ou seja, uma turvação pela presença de sólidos residuais da oliva, microgotas de água de vegetação, além de outras partículas sólidas em suspensão. O azeite de oliva filtrado é livre de partículas suspensas sendo mais brilhante e transparente.
Em relação ao azeite de oliva não filtrado, além da sua aparência, a estabilidade do produto é menor, em torno de seis meses, uma vez que as partículas podem acelerar o processo natural de oxidação (rancificação). Entretanto, azeite de oliva não filtrado pode conter uma maior atividade antioxidante por apresentar maior concentração de polifenóis que não são retidos na filtração (XENAKIS; PAPADIMITRIOU; SOTIROUDIS, 2010; SERVILI, M.et al., 2014).
Figura 1 – Imagens do azeite filtrado e não filtrado.
Fonte: https://www.emporiodoazeite.com.br/blog/azeite-de-oliva-filtrado-ou-naofiltrado
O azeite de oliva virgem é obtido a partir do fruto da oliveira, Olea europaea L., exclusivamente por processos mecânicos, que atualmente são baseados na centrifugação de uma massa obtida dos frutos, sem qualquer tratamento químico ou de refino. A sua categorização como azeite de oliva extra virgem acontece após ter seus parâmetros físico-químicos dentro dos padrões oficiais e ser avaliado por um grupo de provadores que fazem parte de um painel de teste sensorial. Nesta avaliação, o azeite de oliva precisa apresentar atributos positivos e nenhum defeito sensorial.
Os parâmetros físico-químicos que são preconizados como indicadores de qualidade e identidade, assim como de pureza dos azeites de oliva constam na Instrução Normativa nº 1 de 2012 e na Instrução Normativa nº 24 de 2018 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Estes parâmetros devem permanecer dentro dos limites estabelecidos para cada categoria de azeite de oliva durante o armazenamento. Mas a ocorrência de alterações causadas por reações químicas entre os produtos e subprodutos dos componentes do azeite de oliva, reações de auto-oxidação ou foto-oxidação, e ação de enzimas podem gerar defeitos sensoriais que, no caso do azeite de oliva extra virgem, impedem a categorização como tal (CAYUELA-SÁNCHEZ; CABALLERO-GUERRERO, 2018).
Tanto o azeite de oliva virgem filtrado quanto o não filtrado, procedentes de uma mesma extração, devem apresentar os mesmos parâmetros físico-químicos de qualidade imediatamente após a obtenção, porém, podem surgir diferenças durante o armazenamento.
A escolha da variedade é determinante sobre a qualidade futura do azeite. O controle do tempo e da temperatura de processamento e armazenamento também são importantes para retardar a perda dos compostos voláteis, assim como a estabilidade química do produto final.
Para a obtenção de um azeite de oliva extra virgem, seja ele filtrado ou não, assim que ocorre a colheita das azeitonas, a extração precisa ser realizada o mais breve possível, para que sejam mantidos todos os componentes que expressam a qualidade e o frescor das olivas. A extração é realizada pela moagem das olivas, onde tem início a separação do azeite da massa da oliva. Em seguida a massa é colocada em uma termobatedeira, onde ocorre a malaxação (“amassamento da pasta da oliva”) sob agitação lenta, em temperatura constante e controlada abaixo de 28 oC. Em seguida é realizada a centrifugação do azeite, que consiste na separação do óleo da água e de outras impurezas. No processamento convencional do azeite de oliva virgem apresentado na Figura 2, a etapa de filtração é opcional. O processo de filtração pode ocorrer logo após a extração, ou antes de ser embalado ou, simplesmente, o produto não ser filtrado. Em seguida o azeite é armazenado em tanques de aço inoxidável, material inerte que promove barreira física contra exposição a luz, o que garante adequada conservação até a distribuição ou embalagem do produto.
Figura 2 – Processamento convencional de obtenção do azeite de oliva virgem.
Logo após a extração, os fragmentos da oliva, compostos hidrossolúveis, compostos fenólicos polares e apolares, flavonoides, secoiridóides, microgotas de água de vegetação e microbiota natural estão presentes no azeite. A presença de quantidade mesmo que mínima de água contribui para a formação de uma emulsão com os diacilgliceróis, monoacilgliceróis e fosfolipídios presentes no azeite, sendo denominada de micro-emulsão ou suspensão (CIAFARDINI; ZULLO, 2017). Esta micro-emulsão juntamente com as partículas sólidas residuais da oliva criam um ambiente que permite a sobrevivência e o desenvolvimento da microbiota, composta por diferentes bactérias, bolores e leveduras oriundos da própria oliva (CIAFARDINI et al 2006; CIAFARDINI; ZULLO, 2017).
Por suas características, particularmente a baixa atividade de água ou disponibilidade de água, o azeite de oliva não era considerado um habitat que possibilitasse o desenvolvimento de microrganismos. Algumas pesquisas têm sido realizadas, principalmente com o azeite recém-produzido não filtrado, onde tem sido identificada uma microbiota peculiar, típica de cada azeite (ZULLO; CIAFARDINI, 2019).
Ciafardini; Iride e Zullo, (2006) verificaram a presença de leveduras em azeites comerciais se dividindo por brotamento e também apresentando crescimento, conforme através de Microscopia eletrônica de varredura foi visualizado por ZULLO; CIOCCIA; CIAFARDINI, 2010 (figura 3). Conhecer essa microbiota é importante, posto que seu metabolismo pode interferir na qualidade do azeite durante a vida de prateleira. A composição química do azeite de oliva virgem é capaz de selecionar a espécies de leveduras permanecem viáveis durante o armazenamento (CIAFARDINI et al., 2004a).
Durante a armazenamento todo material em suspensão tende a se depositar no fundo do reservatório ou da embalagem, diminuindo assim a opalescência, entretanto a microbiota continua viável.
A atividade dessa microbiota lentamente vai alterando os nutrientes e as características sensoriais do produto (ZULLO; CIOCCIA; CIAFARDINI, 2013). Algumas espécies de leveduras produtoras de enzimas podem trazer benefícios, como, por exemplo, as produtoras de β-glicosidase que são capazes de hidrolisar quase a totalidade do secoiridóide oleuropeina responsável pelo intenso amargor característico do azeite (CAYUELA et al. 2015; LERCKER; CARAMIA, 2010), obtendo como produto a sua aglicona, que possui menor intensidade do amargor original. Esta alteração, em algumas situações, pode conferir benefício sensorial, de acordo com as características desejadas para o produto. Já as leveduras produtoras de lipases causariam a hidrólise dos triacilgliceróis, aumentando o teor em ácidos graxos livres e, consequentemente, sua acidez livre, o que favorece as reações oxidativas (CIAFARDINI; ZULLO, 2017), ou seja, causam instabilidade química. Por isso, o azeite de oliva virgem não filtrado é considerado um produto perecível (CAYUELA-SÁNCHEZ et al, 2015).
É importante considerar que a filtração influencia na composição química e estabilidade do azeite de oliva, considerando que ocorre a remoção de compostos fenólicos polares que se encontram em suspenção (CIAFARDINI; ZULLO, 2017). Os fenólicos de natureza hidrofílica influenciam na vida de prateleira do azeite assim como nas propriedades sensoriais (SERVILI et al 2014; CAYUELA et al. 2015). A diminuição da concentração de fenólicos favorece a fase de iniciação da auto-oxidação (GENOVESE, 2015), visto que atuam como antioxidantes. Os principais antioxidantes presentes no azeite de oliva extra virgem são representados por fenóis hidrofílicos e lipofílicos, tocoferois e carotenoides, em menor quantidade (CAYUELA-SÀNCHEZ; CABALLERO-GUERRERO, 2018). A água de vegetação, também é retida, o que leva a uma diminuição da taxa de hidrólise dos triacilgliceróis, porém, pode favorecer o início do processo de oxidação (ZULLO; CIAFARDINI, 2017).
Existem pesquisas que buscam estender, por um período maior, a presença dessas partículas em suspenção de forma uniforme no produto, preservando sua opalescência, a estabilidade oxidativa e coloidal (CAYUELA-SÁNCHEZ; CABALLERO-GUERRERO, 2018). Isto manteria a lembrança ao momento da sua extração e frescor, uma vez que a opalescência permanece por cerca de seis meses. Outras buscam fundamentos sobre filtrar ou não filtrar o azeite, diante das alterações químicas que ocorrem durante o período de armazenamento (CAYUELA-SÁNCHEZ et al, 2015).
Vale considerar ainda os estudos que estão sendo direcionados para a utilização dos benefícios metabólicos da microbiota residual do azeite de oliva fresco, como o potencial probiótico (CIAFARDINI; ZULLO, 2018) das leveduras das olivas, que têm sido avaliado, uma vez que algumas espécies resistem à passagem gastrointestinal e exibem benefícios ao hospedeiro. Os benefícios em potencial a saúde incluem redução dos níveis de colesterol e inibição de patógenos (ARROYO-LÓPEZ et al., 2008; ARROYO-LÓPEZ et al., 2012; SILVA et al., 2011; ZULLO; CIAFARDINI, 2019).
A busca por uma alimentação mais saudável e por alimentos menos processados trouxeram um novo olhar para o azeite não filtrado pelo consumidor, porém os novos conhecimentos sobre sua composição e influência na qualidade ainda são inspiração para novos estudos.
Importantes produtores de azeite, hoje, possuem em seu portfólio de produtos o azeite de oliva extra virgem não filtrado, inclusive no Brasil.
Todavia, o reconhecimento dos benefícios pelo consumo do azeite de oliva, seu aproveitamento na linha gourmet, fazem deste produto um excelente componente da dieta alimentar e por isso apelidado de ouro líquido verde e amarelo. Vale muito a pena degustar desse produto tão especial que, além de um aroma envolvente, tem propriedades nutricionais que atuam em nosso organismo de forma a minimizar os efeitos causados as células do organismo pelo excesso de radicais livres formados durante o estresse oxidativo, favorecido atualmente pela correria do dia a dia.
REFERÊNCIAS
- ARROYO-LÓPEZ, F. N. et al. Role of yeasts in table olive production. International Journal of Food Microbiology, Elsevier, v. 128, n. 2, p. 189–196, 2008.
- ARROYO-LÓPEZ, F. N. et al. Yeasts in table olive processing: desirable or spoilage microorganisms? International Journal of Food Microbiology, Elsevier, v. 160, n. 1, p. 42–49, 2012.
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento. Instrução Normativa nº 24, de 18 de junho de 2018. Altera a Instrução Normativa MAPA nº 01, de 1º de fevereiro de 2012.
- BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Instrução Normativa nº 01, de 30 de janeiro de 2012. Regulamento técnico para óleos vegetais, gorduras vegetais e creme vegetal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 fev. 2012, Seção 1, p. 5-8.
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- CAYUELA-SÁNCHEZ, J. A.; CABALLERO-GUERRERO, B.. Fresh extra virgin olive oil, with or without veil. Trends in Food Science & Technology, v. 83, p. 78-85, 2018.
- CIAFARDINI, G., CIOCCIA, G., PECA, G., ZULLO, B.A., Transfer of selected yeasts to oil through olive inoculation. Italian Journal of Food Science, v.1, p. 1-7, 2004a.
- CIAFARDINI, G., ZULLO, B., D’AMICO, A., CIOCCIA, G., AND MAIURO, L. Survival of yeasts inoculated in extra virgin olive oil. Annals of Microbiology, v. 56 (3), p.231-235., 2006.
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