Há tempos, para a produção de linguiça e outros embutidos, são utilizados os envoltórios naturais conhecidos como “tripas”. Eles podem ser retirados do intestino, bexiga e até mesmo do esôfago de animais como bovinos, suínos e ovinos. Numa escala menor, é possível encontrar produtos embutidos em tripas de equídeos e caprinos.
Com o avanço das tecnologias na área alimentícia, é possível encontrar um outro tipo de envoltório conhecido como “tripa artificial”, amplamente utilizada na produção de embutidos curados (empacotados) e carnes frescas. Esse produto é constituído basicamente de celulose, colágeno comestível ou plástico (não utilizado em larga escala).
A escolha dessa parte do corpo do animal (tripa) se justifica por conta da sua composição orgânica. As tripas do intestino bovino, por exemplo, possuem 5 camadas de tecido que são, da parte interna para a externa: mucosa, submucosa, camada muscular circular, camada muscular longitudinal e serosa, sendo que, de todas as camadas citadas, a submucosa é a que desperta maior interesse. Formada por tecido conjuntivo (de natureza elástica) é a que mais se adequa à produção das linguiças e afins.
Também é importante ressaltar que as tripas são classificadas de acordo com as dimensões, procedência do trato intestinal e da sua aplicação, e a denominação comercial dos envoltórios naturais pode ser encontrada (vulgarmente) como: tripa fina ou estreita (intestino delgado), tripa grossa (cólon de bovino e suíno), funda ou péros (cécum de bovino ou suíno) e culatra (reto).
Apesar de parecer um processo simples, a utilização dos envoltórios naturais requer cuidados especiais para assegurar que o produto final (que é o embutido) esteja livre de qualquer tipo de contaminação, seja por falta de higiene na manipulação, inflamação ou contaminação parasitária na tripa. Dentre os cuidados necessários, destacam-se a higienização e limpeza que, recomenda-se que sejam feitas de maneira criteriosa e com a utilização de água em abundância para o enxágue. Não obstante, há que se atentar para a qualidade do envoltório, verificando se não há nenhum tipo de doenças como, por exemplo: intestinos portadores de inflamações, ulcerações e nódulos parasitários, estando presentes nos ruminantes e suínos. Além disso, pode haver a presença de helmintos do gênero Oesophagostomum que é um parasita que se aloja nos intestinos e causa ulcerações na tripa, seguidas de um processo inflamatório composto de nódulos, que podem ou não abrigar larvas (MATTOS, 2018). O nódulo é circundado por células inflamatórias e encapsulado por tecido conjuntivo fibroso, e isso inutiliza o órgão como envoltório alimentício.
Ainda com relação às alterações que podem ocorrer com as tripas naturais, há que se considerar: putrefação, rancificação, vermelhidão (vermelhão), infestação por insetos e manchas de tirosina. Conforme descrito por Martins (2017), algumas alterações de caráter bioquímico e microbiológico podem prejudicar o desempenho de uma tripa natural em sua função de acondicionar um determinado produto cárneo. A putrefação ocorre pela ação de microrganismos esporogênicos oriundos do próprio trato intestinal do animal abatido e manifestam-se quando as tripas são deixadas em ambientes com temperatura elevada ou em água morna por períodos prolongados.
Já a rancificação nas tripas acaba conservando grande parte da gordura mesentérica. As vermelhidões (vermelhões) são provocadas por bactérias cromogênicas vermelhas e pode tratar-se do Halobacterium cutirubrum, que é um archaeo aeróbio obrigatório marinho extremamente halofílico, ou seja, um microrganismo que se desenvolve em ambientes com concentrações salinas. As infestações por insetos ocorrem por coleópteros, ácaros e traças, e as manchas de tirosina em envoltórios naturais formam cristais de tirosina que podem causar orifícios na tripa, comprometendo sua utilização.
Muito embora a utilização de envoltórios naturais possa figurar como a melhor opção para a produção de linguiças e embutidos diversos, é importante mencionar que existem algumas desvantagens na sua utilização. Os riscos de contaminação (já descritos anteriormente), a falta de homogeneidade (de forma) tanto em comprimento como em diâmetro (que acaba dificultando a padronização do produto), a pouca resistência. Além disso, caso a higienização do produto não seja feita de forma adequada, odores desagradáveis serão exalados e, com o passar do tempo, podem se tornar maceráveis, propiciando o rompimento do produto confeccionado.
Já nos envoltórios artificiais, igualmente encontraremos alguns aspectos negativos em sua utilização, como a dificuldade ou impedimento de uma defumação adequada do produto (o que prejudica sobremaneira a qualidade e conservação), isso sem contar que alguns deles não são comestíveis (como é o caso da celulose e dos plásticos) e outros, como no caso dos poli vinílicos e o cloreto de polivinil (PVC) podem transmitir partículas aos produtos envasados.
Numa consideração rápida e simples, o uso das tripas naturais apresenta vantagens por serem comestíveis, elásticas e moldáveis, proporcionam trocas gasosas com o meio ambiente e a transpiração que não está aparente sobre a superfície, contribuem para o processo de defumação por apresentar alta permeabilidade e, além disso, proporcionam sabor e a conservação do produto defumado. A linguiça suína confeccionada de envoltório natural, corrobora para a atribuição das características sensoriais do produto tais como suculência e maciez e dão um aspecto mais atrativo ao produto elaborado.
Finalmente, chega-se à conclusão de que para a produção e comercialização de produtos de qualidade, o critério no manuseio, higiene, conservação e apresentação do embutido, além da escolha do melhor envoltório, promovem ao consumidor a segurança na aquisição e consumo de um produto que em sua elaboração foram empregados todos os critérios estabelecidos.
Referências:
- MARTINS, R. Dossiê Técnico: Produção de Linguiça Frescal. Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Julho, 2017.
- MATTOS JUNIOR, D. Aspectos sobre a patogenia de Oesophagostomum SP (Nematoda: Oesophagostominae) em ruminantes. Revista Núcleo do Conhecimento 08/2018- Disponível em: <https://www.nucleodoconhecimento.com.br/veterinaria/ruminantes#>. Acesso em: 15/07/2022.
- OLIVEIRA, M. C. Apostila de embalagem de alimentos. Ciência e Tecnologia de Laticínios (Graduação). Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, Frutal, Minas Gerais, 2013.