Sustentabilidade e Qualidade Sanitária na Pesca Artesanal

Introdução

O pescado é uma fonte nutricional de importância fundamental para a população e que grande parte deste pescado que chega à mesa das famílias brasileiras provém do trabalho de pescadores de pequena escala. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) considera a pesca artesanal de fundamental importância para a efetividade da Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA, 2014).

No Brasil, a pesca é regulada pela Lei n° 11.959/2009 (BRASIL, 2009), que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e Pesca, e que classifica a atividade em comercial e não comercial (Art. 8º, I e II). A pesca não comercial abrange as modalidades científica (quando praticada com fins de pesquisa científica), amadora (com finalidade de lazer ou desporto) e de subsistência (quando visa apenas o consumo doméstico).

Já a pesca comercial é considerada artesanal “quando praticada por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado ou utilizando embarcações de pequeno porte”, e industrial “quando praticada por pessoa física ou jurídica e envolver pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas-parte, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte” (ibid.).

A modalidade da pesca artesanal apresenta muitas especificidades e leva em consideração fatores sociais, políticos, institucionais, econômicos e ambientais intrínsecos a cada região (SILVA, 2014). Nos locais onde ocorre, é considerada um indicador de qualidade ambiental, sendo ainda uma importante estratégia para a conservação dos recursos pesqueiros (CATELLA et al., 2012, apud SILVA, 2014).

Caracteriza-se por meios de produção com tecnologia relativamente modesta, um sistema de capturas multiespécies e relações de trabalho fundadas na parceria. A pesca artesanal é responsável pela criação e manutenção de empregos nas comunidades litorâneas. 

A pesca artesanal no Brasil e Rio de Janeiro

A pesca artesanal tem uma importância econômica fundamental na manutenção de arranjos produtivos locais de modo extrativo, tanto em ecossistemas litorâneos como fluviais, no território brasileiro. Grande cota dos peixes consumidos pelos brasileiros provém do trabalho dos pescadores profissionais artesanais. Pode-se considerar que 60% da pesca nacional é resultado da pesca artesanal, que produz mais de 500mil toneladas por ano (KFOURI,et al 2017).

Segundo dados do extinto Ministério de Pesca e Aquicultura – MPA (BRASIL, 2011), a pesca extrativa marinha (que inclui a artesanal e a industrial) movimentou no estado do Rio de Janeiro um volume de 78.933,0 toneladas em 2010, incluindo peixes, moluscos e crustáceos, tornando esse estado na época o maior produtor de pescado da região Sudeste e o terceiro do Brasil, ficando atrás apenas dos estados de Santa Catarina e Pará. 

Dados mais recentes do Estado do Rio de Janeiro relatam a importância da pesca artesanal na sociedade fluminense. Considerando 15 municípios do Estado, entre Cabo Frio e Paraty, foram estimados 22.310,9 t de pescado descarregados no período de julho a dezembro de 2019, sendo a pesca artesanal responsável por 31,9% deste total (7.111,3 t). Nota-se que as espécies mais capturadas de recursos pesqueiros fazem parte comumente da dieta popular de muitos consumidores de pescado, como sardinha-boca-torta, sardinha-verdadeira, sardinha-laje, tainha, dourado-do-mar, corvina e os camarões rosa, sete-barbas e branco. No levantamento, ocorreu destaque para maior quantidade de pescado desembarcado nos portos dos municípios de Cabo Frio, São Gonçalo, Niterói e Angra dos Reis (PMAP, 2020). 

Desafios da pesca artesanal no Brasil

No Brasil, os desafios são grandes pela falta de estrutura para uma regulamentação do setor atrelada à inexistência de monitoramento da atividade, dificultando ainda mais a transparência e sustentabilidade desta cadeia produtiva, e a qualidade do pescado nacional. Sem uma fiscalização intensiva, o setor fica ainda mais vulnerável à adulterações como, por exemplo a substituição de espécies, onde se vende espécies de peixes de menor valor comercial como outras nobres, assim como a falta informações sobre os indicadores de estoques pesqueiros no Brasil (WWF, 2019

SAIBA MAIS SOBRE ADULTERAÇÕES EM PESCADO EM: https://portalefood.com.br/art/fraudes-na-cadeia-produtiva-do-pescado-uma-realidade-mundial/ – INFORMATIVO.

Outra questão importante é o consumo consciente do pescado. Tanto o pescador, como o consumidor, deve respeitar a proibição e o defeso dos recursos pesqueiros, que consiste na proibição temporária da pesca para a preservação da espécie, “tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes” (BRASIL, 2009).

Para saber sobre consumo responsável do pescado, acesse o link: https://www.wwf.org.br/?70483/WWF-Brasil-lanca-Guia-de-Consumo-Responsavel-de-Pescado 

Para saber mais sobre defeso, acesse o link da página do IBAMA: http://www.ibama.gov.br/biodiversidade-aquatica/periodos-de-defeso

Também, a pesca artesanal ainda não possui um sistema aplicado de rastreabilidade e nem de certificações de sustentabilidade, que são fundamentais para ajudar a tornar a cadeia produtiva de pescado artesanal mais eficiente. Além de combater e auxiliar a reduzir irregularidades, as certificações são importantes para assegurar a sustentabilidade dos produtos aos consumidores e valorizar a pesca artesanal.

As indústrias pesqueiras que seguem boas práticas podem comprovar seus métodos sustentáveis com certificações e selos de pesca e produção sustentáveis. O Marine Stewardship Council (MSC) e o Aquaculture Stewardship Council (ASC) são duas organizações que emitem estas certificações, permitindo que os consumidores tenham a escolha de comprar pescado capturado e produzido de forma sustentável. O WWF apoia o MSC e o ASC, além de recomendar aos consumidores a pedir e escolher estes produtos certificados.

SAIBA MAIS DO MSC NO LINK: https://verakis.com/certificacao-de-produtos-da-pesca-marine-stewardship-council-msc/ 

Além disso, outros gargalos nessa cadeia produtiva da pesca artesanal são o grande impacto da pesca industrial, promovendo sobrepesca e sobre-exploração dos recursos pesqueiros, a falta de acesso às fontes de financiamento e a falta de infraestrutura para armazenamento, beneficiamento e comercialização adequados do pescado, o que influencia na qualidade do produto final. Na figura 1, foi elaborado pelos autores um mapa mental da pesca artesanal.

Fonte: André Medeiros e Jane Silva Maia Castro

E a qualidade sanitária do pescado?

A qualidade e a segurança dos alimentos podem ser determinadas por diversos aspectos dos quais se destacam: higiene, valor nutricional e dietético, frescor, facilidade de utilização pelo consumidor, suas propriedades intrínsecas (sensoriais) e disponibilidade (NUNES et al., 2007).

As boas práticas de fabricação de alimentos devem estar inseridas em toda a cadeia produtiva do pescado, inclusive no pescado oriundo da pesca artesanal. Para a segurança dos alimentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) vinculada ao Ministério da Saúde (MS) regulamenta exigências mínimas que devem ser atendidas em ambientes de comercialização de alimentos, incluindo feiras e mercados, através das normas sanitárias vigentes.

E por ser um alimento altamente perecível, exige boas práticas sanitárias em toda a sua cadeia produtiva, desde a captura, o beneficiamento, armazenamento, conservação, transporte e a comercialização, como o uso do gelo e do rápido resfriamento, a boa higiene e conservação dos equipamentos e utensílios, higiene e consciência dos manipuladores, uso de água potável, descarte adequado dos resíduos formados, entre outros (GERMANO, GERMANO, 2008, CRIBB, A.Y. et al 2018). 

E uma vez tratando da cadeia produtiva da pesca artesanal, é importante apontar que eventualmente deparamos com uma grande dificuldade de manutenção da qualidade sanitária, devido principalmente pela falta de recurso financeiro para obtenção de gelo em quantidade suficiente para a conservação do pescado, infraestruturas adequadas de pesca e comercialização do produto. Na figura 2, mostramos um modelo de um fluxograma da cadeia produtiva do pescado artesanal.

Considerações finais

A pesca artesanal brasileira tem uma importância econômica, social e ambiental. A implantação de políticas públicas que viabilizem os programas de Boas Práticas de Pesca (BPP), de beneficiamento e manipulação do pescado e capacitação dos pescadores em todos os segmentos da cadeia produtiva são ações fundamentais para garantir a qualidade do pescado consumido e a melhoria das condições sociais e econômicas dos pescadores artesanais.

Bibliografia Consultada 

BRASIL,2017.   Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA),

BRASIL., 2009, Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, e dá outras providências. (lei da Pesca )

CONSEA. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Subsídios para o debate sobre o papel da pesca artesanal e da aquicultura familiar na segurança alimentar e nutricional. 2014.

CRIBB, A.Y. et al. (editores técnicos). Manual técnico de manipulação e conservação de pescado. Brasília, DF : Embrapa, 2018.

GERMANO, P. M. L.; GERMANO, M. I. S. Higiene e vigilância sanitária de alimentos. 3.ed. Barueri: Manole, v.1, 986p. 2008

KFOURI, T.; COSTA, S.R.; FERNANDES, G.R. Sustentabilidade Econômico-Ambiental na pesca artesanal: um estudo de caso na Praia da Armação – Florianópolis – SC – Brasil. R. gest. sust. ambient., Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 328 – 350, jul./set. 2017

MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura. 2011. Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura Brasil 128p.

NUNES, M.L.et al. Aplicação do Índice de Qualidade (QIM) na avaliação da frescura do pescado.Lisboa :2007.51p.

PMAP. Programa de Monitoramento da Atividade Pesqueira. Relatório Técnico Semestral – RTS05. Rio de Janeiro: Petrobras, 2020. 

SILVA, A.P. Pesca artesanal brasileira. Aspectos conceituais, históricos, institucionais e prospectivos/Adriano Prysthon da Silva – Palmas : Embrapa Pesca e Aquicultura, 2014.

WWF-BRASIL. Guia de consumo Responsável de Pescado Brasil. WWF-Brasil – Fundo Mundial Para a Natureza, São Paulo, abril de 2019.

Sair da versão mobile