O uso adequado das boas práticas e do frio na comercialização do pescado

Seguindo o cronograma do nosso projeto, o segundo texto da série “Dia de Pescado: Análise Sobre a Segurança de Alimentos na Cadeia Produtiva” chega repleto de boas informações para o consumidor sobre como obter o pescado com qualidade, principalmente com a Páscoa chegando, nosso período de maior consumo do produto.

Escrito pela discente de graduação Laís Stephanie Barbosa, aluna do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Vassouras, que recentemente participou de projeto de Iniciação Científica da UNIG, o texto aborda a correta comercialização do pescado frente a aplicação das boas práticas higiênico-sanitárias e ao uso do frio. Venham com a gente!

Todas as cadeias de produção de alimentos precisam ter a adequada aplicação e execução de práticas que garantam um produto inócuo, livre de qualquer substância ou alteração prejudicial à saúde do consumidor. A cadeia do pescado, em especial, merece uma atenção ainda maior a respeito das boas práticas, uma vez que é um produto altamente perecível, sofrendo um rápido processo de deterioração, facilitado se mantido em condições de armazenagem e manipulação inadequadas.

Sua importância reflete-se também no aparecimento de doenças que podem ser veiculadas pelo consumo dos alimentos, pois as falhas no processamento e/ou conservação podem permitir a sobrevivência e proliferação de microrganismos patogênicos, além de toxinas e outras substâncias danosas. O consumo de alimentos contaminados pode, além de ocasionar doenças, levar pessoas ao óbito (GIOVA, 1997).

A Resolução da ANVISA de nº 216/2004 (BRASIL, 2004) estabelece as Boas Práticas para Serviços de Alimentação, as quais consistem em ações que devem ser seguidas pelos manipuladores no intuito de retardar a deterioração e evitar a ocorrência das doenças supracitadas. O conceito deve ser aplicado em todas as etapas da cadeia produtiva até a venda para o consumidor.

Para isso, é importante ter o conhecimento dos pontos chaves para garantia de um produto com melhor qualidade, e a aplicação de boas práticas higienicossanitárias é fundamental, não prezando somente pela saúde do consumidor, mas também a do manipulador, uma vez que a deficiência nas práticas higiênicas podem ser fonte de contaminação para quem está em contato direto com o alimento, e a preservação do meio ambiente.

Pode-se citar como exemplo o uso adequado do frio nos pontos de comercialização, principalmente de gelo de boa qualidade e em quantidade suficiente para a cobertura total do pescado fresco, como observado na Figura 01. O cenário exige também a boa e constante higienização da infraestrutura, equipamentos e utensílios de apoio, organização dos produtos na exposição e armazenamento, e manipuladores conscientes quanto à higiene pessoal. Assim, espera-se uma melhor qualidade higienicossanitária e conformidade dos alimentos com a legislação sanitária.

Figura 01: Uso adequado de gelo no peixe fresco.

Foto: André Luiz Medeiros de Souza

Para nortear os trabalhos a serem executados no estabelecimento, existem alguns documentos utilizados, entre eles o Manual de Boas Práticas e os Procedimentos Padrões de Higiene Operacional (PPHO). No manual, devem estar descritas informações gerais sobre a água, os procedimentos de higiene pessoal e controle de saúde dos funcionários, a destinação correta do lixo e demais resíduos oriundos, assim como a garantia da comercialização de produtos seguros e saudáveis (ANVISA, 2004).

Já para guiar os funcionários na comercialização do pescado, a Resolução nº 216, de 15 de Setembro de 2004 (BRASIL, 2004) aborda também o desenvolvimento e implantação de Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs), com a descrição dos procedimentos de higiene e sanitização de forma objetiva, estabelecendo instruções sequenciais para a realização de operações rotineiras e específicas na manipulação de alimentos. A legislação de Vigilância Sanitária que regulamenta o estabelecimento deve sempre estar de acordo com o local de implantação e atuação da fiscalização.

Procedimentos preconizados para um produto de boa qualidade

O primeiro ponto a ser observado na comercialização do pescado, principalmente, é a quantidade de gelo presente. É necessário que o produto esteja completamente envolvido por camadas de gelo potável na proporção animal x gelo de, no mínimo 2:1, sendo o ideal 1:1. Recomenda-se o uso de camadas intercaladas de peixe e gelo em boa distribuição, ou, se houver necessidade, que pelo menos o corpo do animal esteja todo coberto, com apenas a cabeça aparente, para distinção do animal na comercialização. É preciso fazer a manutenção do produto em temperaturas adequadas, de acordo com sua forma de comercialização (fresco, refrigerado ou congelado), reduzindo assim a proliferação de microrganismos (OLIVEIRA, 2018).

A bancada de exposição e comercialização do pescado, de superfícies lisas, impermeáveis, laváveis e isentas de rugosidades, frestas e outras imperfeições que possam comprometer a higienização dos mesmos e serem fontes de contaminação, deve estar limpa e em excelentes condições higienicossanitárias. A organização da mesma é primordial, com a correta distinção de espécies na apresentação ao consumidor, assim como sem a mistura do peixe previamente beneficiado, em filés ou postas, por exemplo, com o inteiro, evitando a contaminação cruzada, como observado na Figura 02.

Figura 02: Pescado inteiro coberto por gelo e separado do manipulado, porém com ausência de gelo nas postas.

Foto: Laís Stephanie Barbosa Baptista

É importante a ausência do uso de verduras, jornais ou outros materiais que não sejam o peixe ou o gelo, pois são possíveis contaminantes para o produto, diferente do que é mostrado na Figura 03. Pragas e vetores urbanos, além de outros animais, comumente atraídos pelo produto e observados em proximidade aos pontos de venda de pescado, também devem estar ausentes.

Figura 03: Uso inadequado do frio e de verduras na comercialização do pescado.

Foto: Laís Stephanie Barbosa Baptista

Os utensílios e equipamentos devem estar sempre higienizados adequadamente, além das bancadas de exposição e o ambiente como um todo. Os equipamentos, móveis e utensílios que entram em contato com o pescado devem ser de materiais que não transmitam substâncias tóxicas, odores, nem sabores ao produto, e devem ser resistentes à corrosão e a repetidas operações de limpeza e desinfecção, sendo mantidos em adequado estado de conservação (BRASIL, 2004).

Além disso, é essencial também a presença de uniforme nos manipuladores, como touca, luvas e máscara, e cuidados gerais com a higiene pessoal, como: a lavagem das mãos antes e após a manipulação do pescado em lavatórios exclusivos para a higiene das mãos; unhas limpas, aparadas e sem esmalte ou base; e não utilização de qualquer objeto de adorno pessoal e maquiagem na manipulação. Também, não devem falar desnecessariamente sobre o pescado, cantar, tossir, comer, usar o celular, fumar, manusear dinheiro ou praticar quaisquer outros atos que possam contaminar o alimento, durante o desempenho das atividades.

Outro ponto relevante, para conservação do ambiente, é o descarte adequado dos resíduos gerados, com armazenamento destes no frio, geralmente em freezers voltados para esta função, o que assegura a falta de odores desagradáveis e presença de vetores de doenças, e posterior descarte do produto.

De acordo com Silva (2020), o pescado em condições inadequadas ao consumo em estabelecimentos de comercialização em Caucaia, no Ceará, estava diretamente relacionado às condições higienicossanitárias fora dos padrões de boas práticas. Nos locais visitados, os manipuladores apresentavam vestimentas inadequadas e manipulavam o dinheiro ao mesmo tempo em que manuseavam os produtos, além destes serem mantidos em temperatura ambiente.

O mesmo quadro foi observado por Silva (2019), no comércio varejista em Valença/RJ, em que foram encontrados uma média de 18,6% de amostras insatisfatórias de cavalinha para o consumo e 19% de amostras insatisfatórias para o lote de sardinha, devido a ineficiência do processo de estocagem, demonstrando que a conservação do pescado deve ser feita em condições adequadas de higiene e temperatura, a fim de manter a qualidade sensorial por um período maior de tempo.

Em contrapartida, relata-se a manutenção satisfatória da qualidade do pescado com o uso do frio e boas práticas, como ocorreu na pesquisa de Altemio (2020) em peixes comercializados durante as festas do peixe de Dourados/MS. O uso adequado do gelo permitiu que o pescado mantivesse o pH e a temperaturas ideais para conservação e evitou a proliferação de microrganismos, auxiliando a manter as características do produto fresco e garantindo a segurança do consumidor.

Comparações como estas são exemplos que corroboram com a importância da adoção de boas práticas para a boa qualidade do produto e saúde dos consumidores e manipuladores. Ainda mais dentro do contexto de uma pandemia mundial, em que algumas destas medidas higiênicas básicas, como o uso de máscaras e higienização das mãos, são preconizadas como medidas preventivas no combate à disseminação do coronavírus.

Portanto, as boas práticas são medidas básicas para uma adequada comercialização do pescado, oferecendo grandes diferenciais para a qualidade do produto final que será apresentado aos consumidores e reduzindo as chances de transmissão de doenças, não só para aqueles que consomem, mas também para os que frequentam o local e prestam serviços nos estabelecimentos.

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço a colaboração dos membros da equipe de iniciação científica da Universidade Iguaçu, composta por Stephany Amorim Barbosa, Bruna de Souza Figueira, Gilson Palhão Júnior e Thiago Tezolin da Silva, além dos professores Claudius Couto Cabral e Julia Siqueira Simões na construção do texto, e ao professor e médico veterinário André Luiz Medeiros de Souza na contribuição e revisão do mesmo.

 

Referências Bibliográficas

ALTEMIO, Angela Dulce Cavenaghi et al. Qualidade dos pescados comercializados durante as festas do peixe de Dourados–MS. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 9, p. 69854-69864, 2020.

ANVISA, Guia Ilustrado. Cartilha sobre Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Disponível em: http://www. anvisa. gov. br/divulga/public/alimentos/cartilha_gicra_final. pdf, 2004.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto-Lei n. 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 2017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004: Legislação de boas práticas para serviços de alimentação. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Brasília, 2004.

GIOVA, A. T., 1997. APPCC na qualidade e segurança microbiológica de alimentos. São Paulo. Livraria Varela.

NEIVA, C.R.P.; FURLAN, E.F.; NETO,M.J.L.; TOMITA, R.Y.; PEREZ, A.C.A. Manual de Controle da Qualidade do Pescado. 2ª edição. Instituto de Pesca. Santos. 20p. 2007.

OLIVEIRA, A.L. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação. Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia – Inspeção e Tecnologia de Pescado, n. 89, p. 64-95, 2018.

SILVA, M.C.; BARROS, D.M.; SOARES, E.C.; PAIVA, B.K.N.; COSTA, G.M.  Avaliação higiênico-sanitária da venda de pescado no município de Caucaia. Ciência Animal, v.30, n.2, p.1-08, 2020.

SILVA, D.F.; CARNEIRO, G.M.; SOARES, E.S.M; DUARTE, M.T.; GOMES, M.N.B.; GABARRÃO, A.; KAIRALLA, F.F.; SILVA, A.O. Avaliação da qualidade higiênico-sanitária do pescado fresco comercializado no município de Valença – RJ, Brasil. I Mostra Regional de Ciências Agrárias. Mato Grosso do Sul, 2019.

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