No dia 30 de julho ocorreu o bate-papo virtual sobre “Segurança de Alimentos como fator de crise” organizado pelo Portal e-food e o Alerta de Crise. O evento contou com a participação de Ana Flavia de Bello, Elizabeth Almeida, Luciana Salles, Luisa Cimatti, e Natalia Lima. Confira o que foi discutido pelas especialistas e entenda mais sobre as crises no setor de alimentos.
Elizabeth Almeida foi responsável por atendimento ao cliente por muitos anos. Ana Flavia de Bello começa a conversa perguntando para Elizabeth: quando uma reclamação de um consumidor acende uma luz amarela ou vermelha que simboliza que aquele acidente pontual e específico pode vir a se tornar uma crise?
Para Elizabeth, depende da empresa. Uma empresa que não faz a gestão de forma estruturada pode cair na armadilha de achar que tudo é crise. Na indústria de alimentos, podemos ter crises com foco em desvios de qualidade do produto, mas podemos ter uma crise voltada para a reputação também. E hoje, por causa do digital, muitas vezes a crise é iniciada por uma única pessoa – que tenha influência o bastante para formar opiniões – por um desvio de qualidade e que pode provocar uma crise de reputação.
O tempo de resposta no digital tem que ser muito mais rápido também. Às vezes, o que era um caso simples, se torna um problema para a reputação da empresa, porque demoraram a responder a reclamação. “O que a gente chama de incidente, virou uma crise. Agora você vai ter que chamar uma equipe de comunicação, uma equipe que vai olhar para isso não só em relação a marca e a reputação, mas também numa abordagem mais completa”, adiciona Elizabeth.
Quando pensamos em uma empresa que já tem uma estrutura de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), esta tem muito mais chance de não chegar numa crise, pois ela está acompanhando o consumidor entregar para ela insights e informações ricas e de graça. Quando ela olha isso de forma estruturada, ela está ouvindo o consumidor, está entendendo os feedbacks e dificilmente ela vai ser pega de surpresa numa situação de crise.
– O que eu acredito é que a transparência com o consumidor é uma grande ferramenta de mitigação de crise. Se posicione. Peça desculpa. – Elizabeth enfatiza. – A luz amarela deve acender quando há uma repetição de reclamação, porque ela vai lembrar você que tem mais de uma pessoa lhe questionando sobre a mesma coisa. Muitas vezes é só uma postagem que você fez e que não ficou claro o que você queria comunicar sobre aquele produto, sobre uma mudança. Quando você tem uma comunicação transparente, esses consumidores serão seus aliados.
Ana Flavia complementa que o próprio Twitter e outras redes sociais já são um termômetro desses incidentes. Ela aproveita para perguntar para Elizabeth: existem as crises de eventos, quando acontece algo que prejudica o consumidor de alguma forma, e crises informacionais, que ocorreram por causa de informações não claras ou mal compreendidas. Mas uma crise de informação é mais simples de ser contornada que uma crise de evento?
Elizabeth diz que pode parecer que basta contar o que aconteceu, mas, ao pensar assim, você está ignorando o alcance que essa crise pode ter. Até rastrear todas as reclamações, por exemplo, no Twitter, é uma situação complicada. Leva um tempo para alcançar todo mundo que foi impactado pela informação incorreta. E aí quando você tem outra crise, vão ter pessoas que vão achar que aquilo não foi só um erro.
Ana Flavia adiciona que quando você divulga a informação correta, é difícil alcançar a mesma quantidade de pessoas, porque de fato o público prefere espalhar informações negativas que positivas.
Elizabeth destaca também a importância de identificar as especificidades de cada rede social e como cada público respectivo requer uma linguagem e abordagem própria. Não só em termos de conteúdo da linguagem, mas também nas estratégias de como responder especialmente aos indivíduos que consumiram a informação previamente compartilhada. “Se você posta às 17h algo que teve repercussão ao meio dia, você não está falando com as mesmas pessoas”, ela lembra.
Natalia Lima então acrescenta a questão da importância dos canais de comunicação das empresas. Ela traz como exemplo a situação de um consumidor que encontrou um problema e, por falta de uma resposta satisfatória do serviço de atendimento ao cliente, o caso ganhou amplitude nas redes.
– Às vezes o problema nem é culpa do fabricante, pode ter sido um erro do comerciante, mas, como é a marca que está exposta, é ela quem precisar estar a postos para ouvir a situação. – Natalia explica.
Elizabeth complementa, ponderando que uma empresa não precisa necessariamente ter todos os canais de comunicação abertos – e-mail, Facebook, chat, 0800, etc. –, mas sim que “ela deve abrir canais em que ela seja extremamente eficiente em atender ao cliente”. Flavia adiciona à fala de Elizabeth, ressaltando o desafio de uma marca criar sua presença nas redes sociais e não se comunicar com o consumidor por lá.
– Querendo ou não, ele vai se comunicar com a marca por onde ele quiser. Pode ser que a marca provavelmente se exponha não necessariamente como ouvidoria ali, mas, mesmo assim, acaba se tornando o escape principal de reclamações do consumidor. O consumidor não quer saber qual é o canal oficial da marca, ele vai falar com a empresa por onde ele quiser. E ele espera que ela vá responder. Inclusive, muitos acabam evitando e-mail ou discar o 0800, pois sabem que pelas redes a resposta é mais rápida. E lá é justamente aonde essas situações ficam mais expostas. – Ana Flavia exemplifica.
Elizabeth concorda, comparando a reclamação do consumidor a um desabafo. Quando ele quer falar, sua função é ouvir. Mas Elizabeth diz que mesmo o millenial, quando tem um problema grave com o produto, corre atrás do atendimento até pelo telefone. E, se não resolver por lá, aí sim ele vai expor sua frustração nas redes, justamente como o exemplo trazido por Natalia.
Segundo a percepção de Elizabeth, a empatia é uma ferramente fundamental no trabalho de atendimento ao consumidor. Ao lidar com a frustração das pessoas, é importante considerar o impacto sentimental para o consumidor e como isso pode ofuscar a reclamação. Por isso que é indispensável ter um plano de ação que lide com isso da melhor forma.
Luciana Salles acrescenta uma crítica ao tipo de atendimento que reproduz uma simpatia e entusiasmo artificial para tentar alcançar alguma afeição do consumidor. Na verdade, é necessário uma equiparação de tons. O atendimento não pode ser pretensiosamente extra-amigável quando o consumidor chega para desabafar sobre um problema grave ou insatisfação. É importante a sensibilidade para alcançar o consumidor adequadamente.
Elizabeth concorda com Luciana sobre o tom do atendimento ao cliente. O atendimento precisa se adequar diante da situação do cliente. Ela ainda acrescenta falando sobre como a área de atendimento e a de produção devem ser “amigas íntimas”, a ponto da área de relacionamento obrigatoriamente conhecer o produto e suas características.
– E o processo também. – Acrescenta Luciana – Mesmo que não esteja a par das etapas a nivel técnico, a área de relacionamento precisa saber identificar, no mínimo, a nível prático. Somente com alguma afinidade a esse processo é que o funcionário do SAC poderá ouvir melhor a descrição do problema do consumidor.
Elizabeth aponta inclusive que, o relatório do atendimento pode desencadear ações prejudiciais ao sistema de produção. Às vezes, uma má direção do atendimento pode vir até a interromper desnescessariamente o processo de produção.
Ana Flavia traz alguns dados relevantes: segundo o Institute of Crisis Management (ICM), o setor de bebidas e alimentos ficou em 7º lugar na lista de mais vulneráveis a crises em 2019. E 20% de todos os fatores de crise era o chamado “mismanagement” – ou falhas de gestão.
Partindo para perspectiva de quem tem mais contato com a etapa de fabricação do produto, Luciana convida Luisa Cimatti para falar sobre o que mais importa na hora em que se recebe um alerta do SAC.
Luisa começa concordando com a fala da Elizabeth sobre a devida intimidade entre as fases de produção e a de comunicação com o consumidor. Mas, quando se recebe um sinal do SAC, a primeira coisa a se fazer é rastrear o lote daquele produto apontado. Entretanto, rastrear o produto não significa muito se não houver também o devido registro de todos os parâmetros daquela produção. Geralmente são nesses programas de pré-requisitos (PPRs) que ocorrem a falha.
Para diferenciar os conceitos, de acordo com a Luisa, o recolhimento é quando a empresa recolhe um lote de produto dos mercados de forma voluntária, como consequência de problemas de Qualidade, porém que não trazem riscos à saúde dos consumidores. Já o recall é um processo que requer contato com a Anvisa, pois a empresa precisa recolher o produto, inclusive do consumidor que o comprou – neste caso, ocorre todo um trabalho de assessoria e relacionamento para contactar e responder esses clientes. Embora a percepção do senso comum seja de reprovar o recall, essa é uma prática honesta das empresas de admitir um erro ou implementar uma mudança no seu produto.
Luciana reitera que, realmente, em casos de risco a saúde do consumidor, não há dúvidas quanto o recall. Mas em casos de qualidade duvidosa simplesmente, o recolhimento é uma boa iniciativa para evitar reclamações. Uma empresa negligente é sempre o mais preocupante.
Ela traz também o exemplo de duas marcas de cerveja: uma que teve problemas gravíssimos, inclusive com vítimas fatais; e outra, no mesmo período, que tinha um problema não tão grave. A segunda marca, entretanto, pelo nível de transparência e cuidado com o consumidor, exigiu um recall a fim de evitar qualquer problema, mesmo sabendo que a incidência deste era de aproximadamente 1%. Com isso, ao invés de perder a confiança dos consumidores, ela ganha ainda mais pela honestidade e iniciativa.
Luisa concorda e ressalta como a rastreabilidade do lote foi fundamental:
– Apesar da falha nos pré-requisitos, o rastreamento do lote foi ágil o suficiente para fazer contato com o consumidor e ser transparente. Em contrapartida, a outra empresa de cerveja que teve vítimas fatais faltou com a responsabilidade sobre os próprios pré-requisitos de produção. E como a rastreabilidade demorou a ser feita e a informação demorou a chegar, o resultado foi a tragédia que se deu. A rastreabilidade agiliza, mas você precisa garantir os pré-requisitos do seu sistema de produção. O pré-requisito é a justamente a base pra garantia de um produto seguro pro consumidor. – Luisa adiciona.
Luciana enfatiza também que muitas empresas não incorporam o rastreamento como uma ferramenta de auxílio próprio, mas simplesmente o veem como um requisito para auditoria.
Natalia faz questão de destacar a importância de uma mentalidade de risco para Food Safety vindo da direção de uma empresa para todos os funcionários. Se os gestores enxergarem que essa mentalidade – de manter uma rastreabilidade eficaz, por exemplo – vai além de simplesmente uma fiscalização ou certificação, isso pode evitar muitos problemas e auxiliar bastante o gerenciamente de uma possível crise.
Elizabeth aponta ainda que, por exemplo, numa situação de recall, esse “bom hábito” pode economizar muitos esforços, agindo diretamente nos consumidores afetados. Ao invés de precisar fazer uma mobilização nacional, a empresa apenas se mobiliza para agir nas cidades, estados ou regiões afetadas, por exemplo. E isso é apenas possível com um sistema de rastreamento que satisfaça a exigência perante o órgão de fiscalização. “A rastreabilidade é uma estratégia de negócios”, Elizabeth diz.
Flavia faz uma pergunta da audiência direcionada à Luiza: poderia falar sobre a portaria 618 do Ministério da Justiça e a RDC nº 24 da Anvisa, suas interfaces e impactos?
Sobre a RDC nº 24 da Anvisa, Luisa fala sobre como a rastreabilidade é um conceito sempre subentendido quando se descreve uma regra que fale de recall, mesmo que a legislação não mencione a prática nominalmente. Sem rastreabilidade não é possível realizar um recall eficaz.
– Diante de uma crise, para que um comitê possa agir da maneira mais adequada, é fundamental que a empresa tenha desde o príncipio o rastreamento eficaz do seu lote do produto – Luisa complementa.
Sobre a Portaria nº 618 do Ministério da Justiça, Natalia começa explicando que se trata sobre recall e, embora não trate diretamente do setor de bebidas e alimentos, ela também implica sobre ele. E, justamente por isso, existem pontos genéricos que tornam difícil a aplicação especificamente nesse setor. Natalia menciona então a nova Portaria nº 20 do Ministério da Justiça que trata justamente sobre os relatórios de recall.
Para se despedir do bate-papo, Elizabeth destaca a importância do alinhamento entre a comunicação adotada no atendimento ao consumidor e a comunicação com a imprensa. O formato pode ser diferente para cada receptor, mas o conteúdo das duas mensagens precisa estar alinhado. Além disso, o gerenciamento de crise precisa ser algo integrado às diretrizes da empresa, e não algo que é elaborado somente quando ocorre o alerta. Ana Flavia acrescenta que um comitê precisa ser permanente e que os encontros precisam ser de tempos em tempos, não somente quando ocorre o problema. Elizabeth concorda e ressalta como todas essas áreas precisam estar sincronizadas, pois tudo isso diz respeito à comunicação com o consumidor. “A empresa tem que olhar isso de ponta a ponta. Não fatiado”, ela finaliza.
Luisa concorda com a Elizabeth e brinca que tinha que ter alguém na área de qualidade para ler cada registro do SAC. “A voz do consumidor é o SAC”. Isso é extremamente importante e precisa saber ouvir. Não adianta produzir sem ouvir o feedback de quem consome.