Aproveitamento da carne de matrizes pesadas de descarte para consumo

A avicultura brasileira é destaque no cenário internacional pela alta capacidade produtiva e pela qualidade apresentada em seus produtos. Além disso, o país possui custos competitivos e ocupa lugar de destaque quanto aos aspectos sanitários. No ano de 2022, o Brasil produziu 14,5 milhões de toneladas de carne de frango, atendendo a uma demanda per capita de 45,2 kg de carne. Em relação às exportações, em 2022 foram destinadas ao mercado externo 4,8 milhões de toneladas de carne de frango (ABPA, 2023).

Os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os maiores produtores de frango do país. Juntos, os três são responsáveis por 64,4% da produção nacional (ABPA, 2023). Considerando a demanda por alimentos destas aves, o Sindicato das Rações estima que em 2022 foram produzidas 35,8 milhões de toneladas de rações (SINDIRAÇÕES, 2022).

Dentre as principais características que contribuem para o consumo da carne de frango estão: o preço frente às outras carnes, a busca por produtos mais saudáveis que a carne vermelha, ausência de restrições religiosas ou culturais na maioria dos mercados consumidores, percepção de segurança quanto à origem da carne, praticidade no preparo e ciclo rápido de produção do frango de corte, o que torna a carne acessível quando comparada a outros animais de produção. 

Para que a necessidade de produção de carne de frango seja atendida, é importante olharmos para as cadeias anteriores, especificamente a de matrizes pesadas. Em 2022 foram alojadas 56.321.927 milhões de cabeças de matrizes (ABPA, 2023). Estas matrizes pesadas vivem em média 66 semanas, iniciando seu ciclo produtivo na fase de recria, aonde a ave chega com um dia de vida e são criadas separadas dos reprodutores. Às 22 semanas de vida, as aves são transferidas para as granjas de produção de ovos, onde ficarão por 44 semanas. Nesta fase as fêmeas e os machos são acasalados com o objetivo de reproduzirem, e espera-se que uma matriz pesada produza em média 150 ovos incubáveis neste período.

Ao término do ciclo produtivo das matrizes, as agroindústrias se deparam com a problemática destinação dessas aves. Entretanto, saber o momento ideal de descarte do plantel é fundamental para a saúde financeira do negócio. Um abate precoce acarreta o não atingimento do retorno do capital investido, e um abate tardio aumenta os custos de produção, já que o desempenho da ave decai com o avançar da idade até um limiar em que ela deixa de ser economicamente viável. 

Um dos principais entraves na hora de comercializar um lote de matriz pesada de descarte está relacionado ao peso corpóreo da ave. Enquanto um frango para abate pesa na faixa de 2,8 kg, uma matriz pesa 4,5kg e o reprodutor em média 5,5 kg. Os equipamentos dos frigoríficos estão dimensionados para o abate de aves leves. Quando submetidos a uma sobrecarga, isso leva a uma quebra dos equipamentos e a uma diminuição da velocidade de abate das aves.

Outro ponto que dificulta o escoamento destas aves aos abatedouros são as restrições sanitárias. Com os recentes casos de Influenza Aviária de alta patogenicidade detectados nos Estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, torna-se ainda mais importante que as premissas sanitárias para transporte de aves vivas sejam atendidas, a fim de resguardar a avicultura nacional. De acordo com a Instrução Normativa 17, de 7 de abril de 2006 e atualizada pela Portaria SDA n° 565, de 20 de abril de 2022, o trânsito interestadual de aves descarte de reprodução e postura comercial só podem ser abatidas em estabelecimentos sob serviço de inspeção oficial, e a emissão de GTA fica condicionada à comprovação pelo abatedouro quanto à disponibilidade para o recebimento e abate das aves (BARBON & TRIQUES, 2022).

Além disso, existe também a diferença nos atributos sensoriais como textura, maciez, suculência e aroma da carne de animais mais velhos com relação à carne de frango de corte. Seu uso doméstico limita-se ao preparo de canjas e ensopados e na indústria para a produção de ração animal, preparo de caldos concentrados e de embutidos emulsionados como salsichas, mortadelas e hambúrgueres. É necessário buscar alternativas de processamento para que possa agregar valor ao produto e para que a carne seja aproveitada de forma a aumentar os lucros da indústria avícola (ALMEIDA et. al., 2012).

Mesmo com os entraves para abate das matrizes em fim de ciclo produtivo, esta é uma da fase da produção e não tem como ser ignorada. As agroindústrias têm buscado maneiras de atenuar e lucrar com a venda da carne dessas aves. 

Apesar de não ser uma prática muito comum na indústria avícola, o processo de maturação pode tornar a carne de aves em idade de descarte mais macia, saborosa e aromática. Esse processo consiste em embalar a carne fresca a vácuo e armazená-la em câmara frigorífica à temperatura constante de -1ºC a 0ºC por um período aproximado de 20 a 30 dias. As transformações químicas e bioquímicas são aceleradas através de altas temperaturas, assim como o desenvolvimento microbiano, sendo importante medir e controlar a temperatura para evitar o crescimento de microrganismos patogênicos causadores de doenças (MELLO, 2016).

Santos et al. (2004) pesquisaram a influência da maturação post-mortem sobre o amaciamento de filés de peito de frango e concluíram que amostras maturadas são mais macias do que amostras não maturadas e que o tempo para maturação de filés de frango poderia ser ajustado para 8 horas, uma vez que não foi verificada alteração significativa da qualidade após este tempo, podendo evitar também contaminação microbiológica relacionada ao tempo de armazenamento.

Komiyama et al. (2009) estudaram os efeitos da técnica de maturação na qualidade da carne e as alterações provocadas na estrutura da fibra muscular do peito de matrizes pesadas em idade de descarte e concluíram que houve melhora em alguns parâmetros de qualidade, que não houve efeito sobre o diâmetro e número de fibras musculares e que houve desestruturação das fibras com o aumento do tempo de maturação.

Quando observados os resultados das análises para os parâmetros perda por exsudato, perda de peso por cozimento e capacidade de absorção de água, a carne de peito as matrizes pesadas apresentaram qualidade tecnológica equiparável e até superior à carne de frango. Embora existam poucos estudos trabalhando com a carne de matrizes pesadas de descarte, observa-se que esta carne pode ser utilizada como matéria-prima na produção de produtos industrializados de qualidade (LOPES, 2022).

Outro aspecto que merece atenção dos produtores diz respeito ao manejo pré-abate e ao carregamento das aves. Quaisquer manejos bruscos nesta fase final terão impacto no aproveitamento destas aves no frigorífico. Lopes (2014) analisou os abates de uma agroindústria e concluiu que a empresa não tinha conhecimento do baixo aproveitamento da carne destas aves, demonstrando que as aves em fim de ciclo são negligenciadas sob o ponto de vista da qualidade e rentabilidade. Observou ainda que das perdas não patológicas, aproximadamente 79% se deram por contusões e fratura, evidenciando a importância de um manejo pré-abate e um carregamento seguindo as normas de bem-estar animal. 

Em resumo, o abate de matrizes em final de ciclo é uma realidade a ser administrada pelas empresas produtoras de ovos férteis e o trânsito destas aves deve observar as normativas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a fim de evitarem sansões, como multas e bloqueios de trânsito de aves e ovos. Por outro lado, a comercialização destas aves pode ser lucrativa às agroindústrias, seja através da venda de aves vivas ou até mesmo abate em estabelecimentos próprios e processamento da carne em embutidos e empanados.

 

Referências Bibliográficas

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