INTRODUÇÃO
A cerveja, além de oferecer uma experiência sensorial com aromas e sabores apreciáveis na cultura brasileira, é uma bebida tradicionalmente muito presente nas reuniões, confraternizações e momentos de socialização do público consumidor. De acordo com o Anuário da cerveja publicado em 2024, o número de estabelecimentos registrados em 2023 apresentou um crescimento de 6,8%. Este crescimento verificado significa um aumento de 118 cervejarias registradas. Existem 1847 cervejarias registradas no Brasil (MAPA, 2024). O número de empregos gerados, a movimentação financeira e o volume de bebida produzido e estocado também trazem valores expressivos. Pode-se notar com essas informações que a cerveja é uma bebida relevante e apreciada pelo público brasileiro.
A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 65, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2019 do MAPA estabelece os padrões de identidade e qualidade para os produtos de cervejaria e define cerveja como a bebida resultante da fermentação, a partir da levedura cervejeira, do mosto de cevada malteada ou de extrato de malte, submetido previamente a um processo de cocção, adicionado de lúpulo ou extrato de lúpulo, hipótese em que uma parte da cevada malteada ou do extrato de malte poderá ser substituída parcialmente por adjunto cervejeiro.
O lúpulo é usado na produção de cerveja para melhorar a estabilidade microbiológica, a espuma, o sabor e o amargor. Além disso, outros compostos do lúpulo contribuem para o perfil sensorial da cerveja, como fenólicos, β-ácidos (lupulonas) e óleos essenciais, dentre outros (Alfeo, et al 2023).
Humulus Lupulus Linnaeus é o nome científico da espécie pertencente à ordem das Rosales e à família Cannabaceae. O gênero Humulus é composto por três espécies, H. lupulus, H. japonicus e H. yunnanensis. Com finalidade comercial apenas duas espécies são cultivadas em larga escala, Humuluslupulus e o Humulusjaponicus (DURELLO, et al., 2019). O H. lupulus é utilizado na fabricação de cervejas e é importante destacar que são de interesse para a indústria cervejeira apenas as flores não fertilizadas das plantas fêmeas do lúpulo, pois somente nelas são encontradas, em quantidades apreciáveis, as chamadas glândulas de lupulina, que são responsáveis pela secreção de um pó amarelo (chamado de lupulina) que contêm as substâncias químicas de interesse, isto é, as resinas, os polifenóis e os óleos essenciais (DURELLO, et al., 2019).
Fonte: https://franziskaner-weissbier.de/
Nos últimos anos, os estilos de cerveja com lúpulo predominante no sabor ganharam cada vez mais atenção entre os consumidores (Lafontaine, et al 2018). O público brasileiro demonstra um crescente apreço por cervejas lupuladas. Essa tendência é evidenciada pelo aumento da popularidade de cervejas do estilo India Pale Ale (IPA). O entusiasmo do brasileiro por essas cervejas revela um mercado em expansão, impulsionando a indústria a experimentar novas fórmulas e técnicas de lúpulo para satisfazer a demanda por produtos diferenciados e de alta complexidade.
A crescente procura por cervejas lupuladas está diretamente relacionada com o aumento da produção nas fábricas, refletindo uma adaptação dinâmica das empresas para atender às demandas do mercado. Com isso, as cervejarias têm ampliado suas linhas de produção e investido em técnicas avançadas de lúpulo para satisfazer essa preferência.
Fonte: Anuário da Cerveja.
A TÉCNICA DO DRY-HOPPING
O dry-hopping é uma técnica que consiste na extração a frio de compostos do lúpulo que vão contribuir para as características sensoriais da cerveja. Surgido entre os séculos XVIII e XIX na Inglaterra, o dry-hopping original tratava-se basicamente de adicionar lúpulo nas barricas de madeira onde a cerveja era armazenada – isso pouco antes ou já na fase de transporte da bebida até o local de consumo. Na produção de cervejas de baixo amargor, o lúpulo somente é adicionado em tanques de fervura. Já para a produção de cervejas mais lupuladas, com a aplicação da técnica de extração a frio, o lúpulo é adicionado em tanques de maturação, e após tempo de contato previsto ele é retirado e descartado. A quantidade de lúpulo utilizada no dry-hopping mudou consideravelmente ao longo da história e, atualmente, tem sido relatado que nos EUA varia de 5 a 8g/L e, em alguns casos, a taxa sobe para 22g/L, evidenciando que a cada 1000 litros de cerveja é usado até 22 kg (Alfeo, 2023).
A possibilidade de aproveitamento do lúpulo residual do dry-hopping na indústria cervejeira é um tema atual em publicações acadêmicas e estudos como do autor Alfeo V. et al. de 2023 que comparou um lúpulo fresco e um lúpulo residual, onde a matéria-prima residual apresentou nas análises físico-químicas compostos presentes em quantidades significativas óleos, resinas e polifenóis sugerindo a possibilidade de armazenamento deste lúpulo para uso posterior na fabricação de cervejas menos lupuladas.
A reutilização de matérias-primas na indústria de bebidas representa uma estratégia crucial para promover a sustentabilidade e reduzir o impacto ambiental. Ao adotar práticas de economia circular, as empresas podem reaproveitar subprodutos e resíduos de processos produtivos, transformando-os em novos insumos para a fabricação de bebidas ou outros produtos. Por exemplo, resíduos de grãos podem ser convertidos em ração animal, enquanto garrafas e embalagens podem ser recicladas e utilizadas novamente. Essa abordagem não só diminui a necessidade de matérias-primas virgens e reduz a geração de resíduos, mas também contribui para a eficiência econômica, uma vez que diminui os custos associados à gestão de resíduos e à aquisição de novos materiais. Assim, a reutilização de matérias-primas não apenas apoia a preservação dos recursos naturais, mas também promove uma operação mais eficiente e sustentável no setor.
No ano de referência de 2023, o volume de produção declarado atinge nacionalmente o montante de 15.361.344.112,77 litros. A região Sudeste é aquela com maior volume de produção declarado, atingindo a marca de 8.207.172.226,46 litros de cerveja, o que representa 53,4% da produção nacional. A região Norte é a única que não ultrapassa a marca de 1 bilhão de litros de cerveja produzidos, possuindo o menor volume de produção declarado, com 236.354.740, o que corresponde a apenas 1,5% da produção brasileira (MAPA, 2024).
Com volumes expressivos de produção, a reutilização de matérias-primas e insumos na indústria de bebidas representa uma estratégia crucial para promover a sustentabilidade e reduzir o impacto ambiental. Ao adotar práticas de economia circular, as empresas podem aproveitar subprodutos e resíduos de processos produtivos, transformando-os em novos insumos para a fabricação de bebidas ou outros produtos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso do lúpulo residual do dry-hopping na produção de uma cerveja de qualidade e sensorialmente aceitável é uma opção para reinserção dos resíduos no processo produtivo nas cervejarias, evitando sua disposição no meio ambiente, e uma ação sustentável no cenário onde eventos climáticos extremos ameaçam a agricultura e colocam em risco o cultivo de matérias-primas alimentícias.
A estratégia de aproveitamento do lúpulo residual do dry-hopping está alinhada com a economia circular que pode admitir a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) descritos na ‘’Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável’’, estabelecida em 2015 pelas Nações Unidas. Em particular, o ODS 9 – construir infra estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação, e o ODS 12 – consumo e produção responsáveis: garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis, em particular o 12.3 – até 2030, reduzir para metade, à escala global, o desperdício de alimentos per capita, tanto a nível de retalhistas como de consumidores, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita.
REFERÊNCIAS
- ALFEO, Vincenzo et al. A sustainable valorisation of spent hops from dry-hopping. LWT, v. 186, p. 115248, 2023.
- DURELLO, Renato S.; SILVA, Lucas M.; BOGUSZ, Stanislau. Química do lúpulo. Química Nova, v. 42, p. 900-919, 2019.
- LAFONTAINE, Scott R.; SHELLHAMMER, Thomas H. Impact of static dry‐hopping rate on the sensory and analytical profiles of beer. Journal of the Institute of Brewing, v. 124, n. 4, p. 434-442, 2018.
- MINISTÉRIO DA AGRICULTURA PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Anuário da cerveja. 2024. Disponível em: https://https://repositorio-dspace.agricultura.gov.br/handle/1/2347/.Acessoem: 5 ago. 2024.
- United Nations, Department of Economic, Social Affair. (2022). The sustainable development Goals report 2022. United Nations.