INTRODUÇÃO
A contaminação alimentar causada por patógenos é uma das preocupações mais importantes na saúde pública em todo o mundo, sendo responsável por uma parcela significativa da perda de alimentos todos os anos (LI et al., 2022). Em meio aos crescentes desafios da resistência aos antibióticos, as infecções bacterianas surgiram como uma ameaça global e o uso de alternativas aos antibióticos tradicionais têm sido pesquisadas (JO, et al., 2023).
A busca por agentes naturais de biocontrole que permitam a produção de alimentos seguros para consumo humano e não afetem o sabor, a textura e a qualidade nutricional dos alimentos, é um desafio constante para diversas indústrias alimentícias (ENDERSEN; COFFEY, 2020).
Bacteriófagos (fagos) são vírus que infectam bactérias e fungos. Apresentam vantagens de estrutura simples, forte especificidade e efeitos colaterais não tóxicos para o corpo humano (WANG; ZHAO, 2022). São inofensivos para humanos e animais e são reconhecidos como agentes antimicrobianos promissores para controle de patógenos bacterianos específicos de alimentos (ENDERSEN; COFFEY, 2020; ROGOVSKI, et al., 2021).
Os bacteriófagos podem não apenas diferenciar células vivas de células mortas, mas também detectar bactérias em um estado viável, mas não cultivável. Essas características fazem com que os bacteriófagos sejam cada vez mais utilizados na indústria alimentícia (WANG; ZHAO, 2022).
Seus atributos distintivos, incluindo especificidade do hospedeiro, fazem dos bacteriófagos uma ferramenta versátil e potente para combater diversas ameaças bacterianas (JO, et al., 2023).
O sucesso comercial de produtos fágicos para biocontrole de patógenos na indústria alimentícia, teve seu primeiro produto baseado em fagos (ListShield™) obtendo aprovação regulatória para uso no controle de Listeria monocytogenes em produtos de carne e aves em 2006 (ENDERSEN; COFFEY, 2020).
Por outro lado, fabricantes de queijo e fermentados, em especial, enfrentam o desafio dos bacteriófagos, que são altamente nocivos para as bactérias lácteas. A infecção por bacteriófagos é um problema sério na fermentação do leite, pois compromete o rendimento durante o processo de fermentação e reduz a qualidade do produto, pois afetam o sabor e a textura, fazendo com que estes produtos sofram o comprometimento no rendimento (SUNTHORNTHUMMAS, et al, 2021).
Como os bacteriófagos agem nas bactérias
Desde a sua descoberta, os bacteriófagos têm sido considerados uma importante arma no combate a infecções humanas e animais de origem bacteriana, devido à sua capacidade específica de atacar as bactérias (D’ACCOLTI, et al., 2021).
Os bacteriófagos podem ser divididos em dois tipos: fagos líticos e fagos temperados. Os fagos temperados agem integrando seu material genético no material genético das células hospedeiras. Os fagos líticos (Figura 1) podem se multiplicar dentro das células bacterianas e lisar bactérias (GE et al., 2020; GE et al., 2021; RAMOS-VIVAS, et al.,2021).
O biocontrole de patógenos em produtos alimentícios pode ser realizado por bacteriófagos líticos, uma vez que são extremamente específicos e atuam apenas contra células bacterianas, não representando risco para humanos e não alterando as qualidades dos alimentos (D’ACCOLTI, et al., 2021; ENDERSEN; COFFEY, 2020) e reduzindo perdas na indústria alimentícia (GE et al., 2020; GE et al., 2021; RAMOS-VIVAS, et al.,2021).
Figura 1- Ação do bacteriófago na célula hospedeira pelo ciclo lítico.
Fonte: https://liberproeliis.fandom.com/pt-br/wiki/V%C3%ADrus_Bacteri%C3%B3fago?file=Ko-1522445750.png
Aspectos positivos do uso de bacteriófagos
Como alternativa natural aos antimicrobianos tradicionais, os fagos estão sendo reconhecidos como agentes de controle altamente eficazes para Salmonella ssp e outras bactérias transmitidas por alimentos. Estudos apresentados por Ge et al., (2022) mostraram a redução do microrganismo em superfícies metálicas e em ambientes de processamento de aves. O uso de bacteriófagos conseguiu remover quase completamente os biofilmes formados por Salmonella Enteritidis e Salmonella Pullorum em uma (1) hora. Estas descobertas sugerem que o bacteriófago LP31 previne e controla biofilmes de Salmonella nas indústrias avícolas e de processamento de alimentos. Rogovski, et al., (2021) também afirmam que os bacteriófagos podem ser aplicados diretamente em alimentos e ambientes de indústrias alimentícias como agentes de biocontrole de formação de biofilme.
Estudos mostram que a aplicação do fago P100 específico de Listeria em ambientes de produção de alimentos reduziram a incidência desse patógeno (REINHARD et al., 2020).
Zhang et al. (2020), relataram o desenvolvimento de uma suposta lisina de bacteriófago CBO1751 que exibiu atividade lítica específica contra células de Clostridium botulinum Grupo I em uma faixa de pH de 6,5 a 10,5 e altas concentrações de NaCl. Além disso, o bacteriófago foi eficaz na eliminação de Clostridium botulinum durante o estágio de germinação dos esporos, bem antes do crescimento vegetativo e da produção de neurotoxinas.
Os bacteriófagos podem tornar-se bons aliados para prevenir e tratar doenças em bovinos, ou ser utilizados como sanitizantes em instalações leiteiras e ainda como conservantes em produtos lácteos. A utilização de fagos possui como vantagens redução das perdas econômicas, aumento da segurança alimentar e redução do impacto ambiental da produção de alimentos, pois a liberação descontrolada de agentes antimicrobianos no ambiente representa uma ameaça significativa aos ecossistemas naturais (GUTIÉRREZ, et al., 2019). Além disso, o uso de fagos não impacta negativamente a microflora natural dos alimentos e outras qualidades nutricionais ou organolépticas dos alimentos (VIKRAM, et al., 2021).
O uso de bacteriógafos também não desenvolve resistência na bactéria hospedeira, uma vez que as endolisinas clivam ligações dentro do peptidoglicano bacteriano, tornando-se relevante seu uso em relação aos agentes antimicrobianos (XU, 2021).
Aspectos negativos do uso de bacteriófagos
Embora os fagos sejam benéficos no controle da qualidade dos alimentos, eles também apresentam efeitos negativos. Na indústria de laticínios, a dupla natureza dos bacteriófagos é considerada um enorme desafio. Por exemplo, a capacidade natural dos fagos específicos das bactérias do ácido láctico para destruir as culturas iniciadoras na produção de laticínios acarreta enormes perdas financeiras para a indústria de laticínios (POLASKA; SOKOLOWSKA, 2019).
Os bacteriófagos representam a principal ameaça microbiológica para a fabricação de alimentos fermentados. A indústria de laticínios é a mais afetada por esse problema, pois os fagos estão naturalmente presentes no leite cru, superfícies, cubas, tanques, pisos e são distribuídos por deslocamentos de ar. Neste contexto, onde os fagos não podem ser erradicados dos laticínios, os métodos de monitorização dos fagos são obrigatórios (MARCÓ, MERCANTI, 2021).
Os bacteriófagos representam uma das ameaças mais persistentes às fermentações alimentares, particularmente às fermentações lácteas comerciais que são utilizadas em grande escala como culturas iniciadoras em produtos fermentados (CHARNECO, et al., 2023).
No entanto, são necessárias mais investigações para superar as limitações do uso dos bacteriófagos na produção de alimentos, tais como questões de formulação e estabilidade e produção em larga escala, sendo necessários estudos clínicos para avaliar a farmacocinética in vivo e as características farmacodinâmicas dos fagos para estabelecer completamente o seu potencial terapêutico (GARVEY, 2022).
Perspectivas Futuras e Conclusões
Como alternativa aos antibióticos, os bacteriófagos foram propostos como novos agentes antimicrobianos eficazes e seguros quando aplicados para a prevenção e/ou erradicação de contaminantes bacterianos em alimentos e em instalações de processamento de alimentos (LEE, et al., 2023).
O interesse em várias aplicações práticas de bacteriófagos têm aumentado com a finalidade de melhorar a segurança dos alimentos (VIKRAM, et al., 2021).
Dessa forma, embora a aplicação generalizada de bacteriófagos na indústria alimentar ainda enfrente muitos desafios, as estratégias e tecnologias de prevenção e controle biológico baseadas em fagos serão constantemente atualizadas e melhoradas com o rápido desenvolvimento da biotecnologia moderna.
Como suplemento benéfico e até mesmo substituto de vários fungicidas e conservantes químicos, os fagos têm grande potencial de aplicação na indústria alimentícia.
Referências Bibliográficas
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