No Brasil, a produção láctea tem relevância social e econômica, visto que é para inúmeros produtores a principal fonte de renda, sendo o leite um dos principais insumos na produção de alimentos (ARAÚJO et al., 2013).
Segundo o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA, leite é o produto oriundo da ordenha completa e ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas, o leite de outros animais deve denominar-se segundo a espécie de que proceda (BRASIL, 2017), portanto, quando se refere a leite sem especificação trata-se de leite bovino.
Os componentes sólidos do leite correspondem a cerca de 12% a 13% da sua composição e por volta de 87% é água. Dos compostos sólidos presentes no leite, destaca-se a lactose como o principal carboidrato, além da presença de gordura, sais minerais, vitaminas e proteínas. (NELSON, 2019). De forma geral é constituído por 0,1 a 0,6% de vitaminas, 0,7% de minerais, 3,3 a 3,5% de proteínas, 3,5 a 3,8% de gorduras, 4,9% de lactose e 87% de água (FONTES, 2019). Na dieta humana o leite é considerado a principal fonte de cálcio atingindo até 70% da mesma (FAO, 2013).
Os leite e derivados possuem importância no suprimento de alimentos, tem como componente principal a proteína de alto valor biológico, que é uma das responsáveis pelas atividades funcionais e estruturais dos organismos vivos (SHARMA et al., 2013), é considerado uma das principais fontes de nutrientes na alimentação de grande parte da população, a qualidade é influenciada por fatores associados ao manejo, sanidade, alimentação, potencial genético e fatores associados à ordenha e armazenamento (ARAUJO et al., 2013).
Encontrar alimentos hipoalergênicos e nutricionalmente saudáveis é muito importante para o bem-estar das pessoas que têm alergia ao leite bovino e outros alimentos. Certa porcentagem de lactentes (8% a 20%) e pacientes adultos sofrem de alergia ao leite de vaca, intolerância à lactose, outros problemas digestivos e alergias de pele, devido à existência de proteínas alergênicas no leite (PARK & HAENLEIN, 2021).
Nesse contexto temos o leite A2, muitas vezes chamado de A2A2, que é proveniente de vacas com o genótipo A2A2. Foram realizados estudos sobre o mesmo inicialmente na Nova Zelândia, buscando o entendimento da origem dos polimorfismos A1A2 e A2A2 (BARBOSA et al., 2019).
Dos constituintes do leite bovino, 80% das proteínas são as caseínas, sendo que dessa porcentagem cerca de 30% são kappa e beta-caseína (KEATING et al., 2008). Sendo a beta-caseína considerada um agente polimorfo, com variantes distintas, acompanhando as variações genéticas das diferentes raças (HANUSOVÁ et al., 2010).
Em termos de nutrição levando em consideração proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais o leite A1 e A2 são semelhantes. O que difere é a beta-caseína no tipo de aminoácidos na 67a posição, sendo a histidina no leite A1 e prolina para A2 (KASKOUS et al., 2020).
Uma das principais alegações em favor do leite A2 é que este pode ser mais facilmente digerido por pessoas que têm intolerância à lactose ou sensibilidade ao leite. Acredita-se que a proteína A2 seja mais suave para o sistema digestivo em comparação com a proteína A1, e algumas pessoas relatam menos desconforto após consumir leite A2 (BODNÁR et al., 2018).
A correlação entre o consumo de beta-caseína A1 e o aumento na incidência de diabetes mellitus tipo-1 (DM-1), arteriosclerose e autismo apoia a ideia dessa proteína ser fator de risco para indivíduos susceptíveis a essas doenças, o que não ocorre com a variante A2. Sendo assim, os produtos lácteos desenvolvidos a partir de vacas de genótipo A2A2 podem ser mais benéficos para essas pessoas do que dietas totais sem caseína, sugerindo a possibilidade de fornecer um novo fator nutricional para a qualidade do leite (CORBUCCI, 2017).
JIANQIN et al. (2016) relataram que o consumo de leite contendo beta-caseína A1 foi associado ao aumento da inflamação gastrointestinal e piora dos sintomas do desconforto digestivo pós-laticínio. Com a eliminação da beta-caseína A1 atenuou-se esses efeitos, e como alguns sintomas de intolerância à lactose podem resultar da inflamação desencadeada por ela, estes podem ser evitados pelo consumo de leite contendo apenas o tipo A2 de beta-caseína.
Alérgicos a proteína do leite de vaca expressam diversas reações quando expostos a este alimento, essas manifestações vão de sintomas respiratórios à gastrointestinais. Sendo muito comum o desenvolvimento desta alergia em crianças, a tolerância pode vir a ser desenvolvida até os cinco anos de idade (PACCHIAROTTI et al., 2020).
Os sintomas de alergia à proteína do leite de vaca (APLV) também pode ocorrer de forma tardia, através de manifestações como esofagite, gastrite eosinofilica, enterocolite, constipação, náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarreia e perda de peso, podendo ainda cursar com sinais cutâneos e respiratórios (ROCHA FILHO et al., 2014).
O leite A2 tem se tornado uma ótima alternativa dietética para indivíduos que excluíram o leite de vaca da dieta por apresentarem alergia à beta-caseína ou, ainda, por sentirem desconfortos intestinais. Dessa forma, o mercado desse produto tende a aumentar significativamente. Para tal, a frequência alélica para o gene A2 do rebanho leiteiro brasileiro deve ser ampliada com o auxílio do melhoramento genético a fim de produzir um leite 100% A2 em quantidade suficiente para atender esse cenário promissor. Haja vista ser esse alimento uma importante fonte de energia, proteínas, gorduras e minerais para a nutrição humana (GOMES et al., 2021).
Há a possibilidade da produção exclusiva do leite A2 em fazendas no Brasil. Contudo, para que isso seja possível, é necessário que se tenha um alto investimento em melhoramento genético e seleção de rebanhos bovinos, além de um sistema eficaz de rastreabilidade, provando que o leite envasado é de fato exclusivamente A2 (PACCHIAROTTI et al., 2020).
Com o objetivo de aprimorar e agregar valor ao leite e seus derivados, a genotipagem dos reprodutores e a preferência pelo alelo A2 trazem benefícios tanto para os produtores quanto para o aumento da produção de proteínas e leite. Além disso, a redução gradual da frequência da variante A1 da proteína torna o consumo mais vantajoso para pessoas com alergia a essa variante, em comparação com dietas totalmente isentas de caseína. Essa abordagem sugere a possibilidade de fornecer um novo fator nutricional para a qualidade do leite. (SILVA, 2020).
Há um grande interesse comercial em rotular produtos bovinos como A2. As diversas tecnologias testadas para genotipagem do leite como subtipos A1 e A2 da beta-caseína podem levar a maiores avanços no sentido de compreender a influência das variantes genéticas da beta-caseína como fator de risco para determinadas doenças (DANTAS et al., 2023).
Evidências da extensão da associação A2 e suas implicações para a saúde estão crescendo à medida que novas investigações científicas avançam. Embora o consumo de leite A2 esteja ganhando atenção, é imperativo entender com precisão seu efeito a nível celular. Um melhor conhecimento sobre os efeitos da beta-caseína A2 ajudará a esclarecer seu uso potencial para melhorar os sintomas gastrointestinais, bem como a predisposição a distúrbios neurológicos e outros (KAY et al., 2021).
De acordo com BODNÁR et al. (2018) analisando o mercado regional e internacional a respeito das potencialidades e possibilidades do leite A2, pode-se dizer que a questão mais importante são estratégias de marketing aliadas as necessidades dos consumidores. Em segundo lugar, são necessárias mais informações para consumidores sobre leite A2 e produtos lácteos. Portanto, o consumo de leite A2 deve ser aumentado através da divulgação de conhecimentos adequados sobre os efeitos especiais destes produtos na saúde humana.
Referências
- ARAÚJO, A. P.; ARAUJO, A. P.; OLIVEIRA, V.J.; SIQUEIRA, J. V. M.; MOUSQUER, C. J.; FREIRIA, L. B.; SILVA. M. R.; FERREIRA, V. B.; SILVA FILHO, A. S.; SANTOS, C. M. S., Qualidade do leite na bovinocultura leiteira. PUBVET, Londrina, v. 7, n. 22, ed. 245, art. 1620, novembro, 2013.
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- BRASIL. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), 108f. Decreto n. 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamenta a Lei n. 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a lei no 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Diário Oficial da União, Brasília, 30 mar. 2017, Seção 1, p. 3-27.
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- DANTAS, A.; KUMAR, H.; PRUDENCIO, E. S.; AVILA, L. B.; PALMA, P. O.; DOSOKY, N. S.; NEPOVIMOVA, E.; KUČA, K.; MARTINS, N. C.; VERMA, R.; MANICKAM, S.; VALKO, M.; KUMAR, D. An approach on detection, quantification, technological properties, and trends market of A2 cow milk. Food Research International, v. 167, 2023.
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