A população, em geral, tem o direito de receber alimentos produzidos em condições adequadas de boas práticas de fabricação (BPF) e de acordo com procedimentos operacionais padronizados (POP), os quais são determinados por leis sanitárias, objetivando normas ao longo da cadeia alimentar através das análises de perigos e pontos críticos de controle (APPCC) em “cada etapa” do processo de manipulação, onde a “higienização das superfícies” faz-se necessária para evitar a disseminação de surtos das doenças transmitidas por alimentos (DTA) (RDC 275/2002; RDC 216/2004; WESTON & FRIEMAN, 2020).
Os principais locais de ocorrência de surtos das DTA, em ordem de importância, são: residências, restaurantes, instituições de ensino, refeitórios, festas, unidades de saúde e, ambulantes (Ferraz et al., 2015; Nunes et al., 2017). Portanto, as medidas de controle (BPF/POP/APPCC) visam à oferta de alimentos seguros para o controle epidemiológico das DTA.
Em um estudo desenvolvido por Cassimiro (2021), em 11 bairros do município de Ouro Preto foram realizadas 30 coletas de amostras das mãos dos manipuladores, ambiente, geladeiras, utensílios e, demais equipamentos para a realização das análises microbiológicas. Dentre os 30 participantes, houve contagens insatisfatórias de mesófilo aeróbio, bolores e leveduras em 83,3% dos domicílios para as condições higiênicossanitárias do ar e, 51,6% das amostras das geladeiras apresentaram contaminação para mesófilo aeróbio, bolores e leveduras. Os demais resultados também apresentaram contagens insatisfatórias para mesófilo aeróbio em 100% dos liquidificadores, para bolores em 78,3% dos equipamentos e, para leveduras em 96,6% das tábuas e facas.
Além disso, todos os entrevistados aceitaram realizar os testes das análises microbiológicas das mãos, pelas técnicas do swab e luminômetro. Os resultados foram de contagens insatisfatórias, em ambos, revelando 96,66% para mesófilos aeróbio, 73,3% para bolores e leveduras pela técnica do swab e, de 86,66% em relação ao padrão de referência pela técnica do luminômetro. Desse modo, Cassimiro (2021) alerta sobre a importância das ações educativas das políticas públicas dos órgãos governamentais, além da conscientização dos manipuladores de alimentos, a fim de produzirem refeições seguras com uma qualidade higiênicossanitários nos seus domicílios.
Amorim (2019) avaliou em seus estudos o nível de conhecimento de 1000 voluntários, em função do grau de escolaridade (fundamental, médio e superior) sobre higiene e segurança de alimentos, residentes nas regiões Sudeste (64,8%) e Nordeste (35,2%) do Brasil, onde 69,5% informaram que desconhecem a ação governamental nessa área, muito embora 99,2% dos entrevistados considerassem esses aspectos de grande importância, porém os resultados revelaram práticas frequentes, que favorecem a contaminação dos alimentos ou a própria saúde do consumidor, sendo observado que o baixo nível de conhecimento, em ambas as regiões, apresentou relação direta com a escolaridade. Portanto, as ações educativas são essenciais para que a população modifique seus hábitos, bem como a percepção dos riscos sobre higiene e segurança dos alimentos (AMORIM, 2019).
Oliveira e colaboradores (2019) observaram em seus estudos que Salmonella Enteritidis foi capaz de aderir em diferentes superfícies e temperaturas, sendo o polietileno o de maior adesão, inclusive nas temperaturas recomendadas à conservação dos alimentos. Ao compararem os sanitizantes, o ácido peracético revelou-se o melhor tratamento na remoção dos biofilmes. Além disso, os resultados de maneira geral demonstraram que tanto o aço inoxidável quanto o poliuretano propiciaram aderência nas diferentes condições ambientais, devido ao potencial desse micro-organismo estar presente nos casos de contaminação cruzada, o qual pode comprometer a qualidade do alimento processado e, consequentemente, ter impacto na saúde publica. O estudo corrobora para o desenvolvimento de estratégias de biofilmes na indústria, já que a presença de Salmonella Enteritidis em superfícies pode comprometer o produto final.
Por outro lado, Flores (2019) avaliou a eficiência de sanitizantes comerciais utilizados na indústria alimentícia e sua capacidade para eliminar bactérias patogênicas em superfícies em aço inox, constatando que o ácido peracético foi eficaz na eliminação completa de todas as cepas, enquanto Pseudomonas aeruginosa se mostrou resistente ao hipoclorito de sódio e amônia quaternária. Essa resistência apresentada em ambos os estudos, em geral, resulta na formação de biofilmes bacterianos, que se aderem às superfícies, sendo que em determinada fase se mostram impenetráveis, onde mesmo com o ato da esfregação, não há como eliminá-los.
Souza et al., (2017) alertaram em seus estudos que a falta de regulamentação de análise microbiológica de superfícies na legislação brasileira, dificulta ações de monitoramento sobre as rotinas de higienização e, ressaltaram que é fundamental adoção de ações permanentes de educação continuada com manipuladores, conduzidas por profissionais habilitados, contribuindo para as Boas Práticas de Fabricação (BPF) na produção de alimentos seguros.
Cabe ressaltar que os micro-organismos deteriorantes e os patogênicos podem aderir às superfícies e, ainda, permanecerem viáveis, mesmo após o processo de higienização, acarretando a perda da qualidade das refeições produzidas, além de aumentar o risco de contaminação e, de ocorrência de surtos das DTA, sendo evidenciado por Oliveira e colaboradores (2019), onde avaliaram as condições higiênicossanitárias e o perfil da comunidade microbiana dos utensílios e mesas de um serviço de alimentação, localizado no município do Rio de Janeiro. Das 126 amostras analisadas e higienizadas (utensílios, pratos, bandejas e talheres: n=90; mesas: n=36), 100% dos utensílios e 80% das mesas apresentaram contagens microbianas superiores ao recomendado na literatura. E. coli foi isolada nos utensílios, S. aureus, nas mesas, Klebsiella sp. e, Acinetobacter sp. em todas as amostras, Citrobacter sp. sobre as mesas e, Aeromonas hydrophila, nos talheres. Portanto, houve falhas nos processos de higienização que evidenciaram a presença de micro-organismos (patogênicos, indicadores e deteriorantes), sinalizando a necessidade de implantação das BPF, capacitação dos ASG (auxiliares de serviços gerais) para que possam executar de forma adequada os procedimentos de limpeza e sanitização, assim como auxiliar na detecção das não conformidades, minimizando, o risco de contaminação nos serviços de alimentação.
A presença de S. aureus sobre as mesas, mesmo antes da abertura do serviço de alimentação, pode estar relacionada com a capacidade desse micro-organismo sobreviver em ambientes secos, como as superfícies inanimadas e a pele, podendo permanecer viável por mais de 90 dias em superfícies de polietileno, após o contato inicial (Chaibenjawong & Foster, 2011; Hennekinne et al., 2012).
A detecção de coliformes termotolerantes nas superfícies analisadas pode ser uma conseqüência da inadequação do processo de higienização, onde, normalmente, são empregados métodos físicos, como o calor, e químicos, que resultam na redução dos micro-organismos de interesse em Saúde Pública a níveis seguros (Brasil, 2004).
Oliveira et al., (2019) observaram falhas nos procedimentos empregados, como a baixa temperatura da água de lavagem e de secagem, além da possibilidade de disseminação desses micro-organismos sobre as superfícies, devido ao uso de esponjas para limpeza prévia, sendo que Wolde & Bacha (2016) também enfatizaram em seus estudos que as esponjas podem apresentar resíduos de alimentos, favorecendo, assim, a multiplicação de micro-organismos e a contaminação dos utensílios.
A presença de Staphylococcus aureus, Salmonella e Escherichia coli na superfície das latas de cerveja e refrigerante, onde há o contato com a boca do consumidor foram avaliadas por Dutra & Campos (2017), na região do Gama (DF). Das 24 amostras analisadas, Escherichia coli (17/24), Staphylococcus aureus (11/24) e, Salmonella sp.em apenas 02 latas de alumínio. No entanto, somente nos isolados de E. coli verificou-se uma carga microbiana “suficiente” para causar uma “infecção alimentar”. Diante desses resultados, E. coli e S. aureus foram os microrganismos mais freqüentes nas amostras analisadas e, evidenciaram que o fato das latas estarem seladas não impede a contaminação microbiana.
Desse modo, o nível de conhecimento dos manipuladores não assegura adoção às BPF nem ao cumprimento dos POP, pois a percepção dos responsáveis técnicos em relação ao risco de uma DTA, durante a manipulação, requer ações educativas, mediante aspectos socioculturais, crenças, e/ou hábitos, os quais podem influenciar no comportamentoe nas atitudes em um serviço de alimentação e, garantir a qualidade do produto final.
As BPF são fundamentais em todos os pontos da cadeia alimentar, possibilitando o cumprimento dos POP, os quais permitem que a fiscalização tome ciência sobre a metodologia utilizada, promovendo a segurança dos alimentos dentro do setor produtivo, de tal forma, que não existam possibilidades de contaminação cruzada (BECKER, 2018), uma vez que, De Sá (2017) alertou sobre a implantação dos POP, na linha de produção para higienização das SUE (Superfícies de Utensílios e Equipamentos), informando que são essenciais à eliminação de contaminantes microbiológicos.
Diante desses estudos, sugere-se que a higienização das superfícies seja cumprida em todas as etapas de manipulação, baseada nos POP, seguindo as recomendações dos fabricantes,dos produtos químicos,para redução dos micro-organismos. Além disso, a capacitaçãocontínuados colaboradorespode ser capaz de garantir a integralidade do produto final, principalmente, quando as BPF são rigorosamente seguidas, pois reduzem os riscos de contaminação por agentes físicos, químicos ou biológicos, promovem o controle higiênicossanitários, e evitam o surgimento de surtos das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA)
Referências:
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