Impacto sensorial e nutricional da alcalinização do cacau em pó

Você já se perguntou sobre qual é a diferença entre cacau em pó alcalino e cacau em pó natural? Esses dois tipos passam por diferentes processos, resultando em sabores, cores e perfis nutricionais diferentes. Neste artigo vamos abordar as diferenças na produção do cacau em pó e as aplicações ideais para cada tipo. 

Tipos de cacau em pó

Originário da Amazônia, o cacau é um importante fruto que gera quantidades apreciáveis de produtos, representando uma grande fonte de renda para os agricultores que o cultivam. Um produto de grande importância é o cacau em pó, ingrediente fundamental na elaboração de diversos tipos de alimentos, como bolos, biscoitos, sorvetes e bebidas lácteas. Por ser um alimento rico em nutrientes como flavonoides, antioxidantes, vitaminas e minerais, o cacau em pó pode contribuir para a saúde e o bem-estar dos consumidores. 

De acordo com a RDC Nº 723, de 1° de julho de 2022, da ANVISA, o cacau em pó é definido como o produto obtido da massa, pasta ou liquor de cacau. Comumente ele é confundido pelos consumidores com o chocolate em pó, contudo, este contém além do cacau em pó, outros ingredientes como açúcar e emulsificantes.

Existem dois tipos de cacau em pó. O natural é extraído diretamente das amêndoas de cacau, sem passar por nenhum processo químico (alcalinização), e conhecido por apresentar um sabor amargo. Já o alcalino passa por um processo de alcalinização, proporcionando-lhe um sabor mais suave e uma cor mais escura. A produção do cacau em pó pode variar de acordo com a região e as técnicas utilizadas, mas de maneira geral, seu processamento inclui desde a etapa de beneficiamento das sementes de cacau, até as etapas industriais, que envolvem a torrefação, tratamento térmico e moagem. Os pós alcalinos, além destas etapas, também passam pela etapa de alcalinização.

Processamento do cacau

O processamento do cacau ocorre em quatro etapas principais: beneficiamento das sementes, secagem, torrefação e moagem, obtendo-se ao final do processamento o liquor, a manteiga e o cacau em pó, que são os principais produtos utilizados na fabricação de chocolates e alimentos derivados de cacau.

Beneficiamento: 

Após a colheita, as sementes são retiradas dos frutos e imediatamente se inicia o processo de fermentação, que é dividido em duas etapas: a primeira envolve reações bioquímicas, realizadas por microrganismos na polpa das sementes; a segunda envolve várias reações enzimáticas, que ocorrem dentro dos cotilédones (pequeno gérmen de planta embrionária). Dentre as modificações que ocorrem durante a fermentação, pode-se ressaltar a hidrólise específica de proteínas, levando à liberação de peptídeos e aminoácidos, e a hidrólise da sacarose em glicose e frutose. 

Os compostos formados na fermentação são os precursores do desenvolvimento do sabor de cacau na etapa de torrefação, através da reação de Maillard. Após a fermentação, as sementes são submetidas ao processo de secagem, com o objetivo de reduzir a deterioração durante o armazenamento e transporte até a unidade de processamento. A secagem das sementes pode ser realizada de forma natural (expostas ao sol, em barcaças), ou a partir de secadores artificiais. A partir de então, as sementes são denominadas “amêndoas de cacau”.

Torrefação: 

Ao chegarem nas unidades de processamento, as amêndoas são submetidas ao processo de torrefação. Nesta etapa, as amêndoas são aquecidas a altas temperaturas, reduzindo a umidade e levando ao surgimento do típico aroma de cacau. As amêndoas torradas são descascadas e trituradas, gerando fragmentos isentos de casca e gérmen, chamados de “nibs de cacau”, conforme ilustrado na Figura 1. 

Moagem: 

Posteriormente, o nibs de cacau passa por um processo de moagem, e em virtude do seu alto teor de gordura, origina uma massa pastosa denominada de liquor, que possui em torno de 55% de gordura. O liquor de cacau pode ser utilizado para a fabricação de chocolate, ou pode ser prensado para a extração da manteiga de cacau e da torta. Para a obtenção do cacau em pó, a torta resultante da prensagem do liquor de cacau passa pela moagem e pulverização, podendo conter ainda de 10 a 24% de manteiga de cacau. 

Figura 1: Fluxograma de processamento do cacau.

Fonte: dos autores.

Alcalinização: 

Por fim, a alcalinização – etapa opcional no processamento do cacau – tem o objetivo alterar a cor e o sabor do cacau em pó, além de melhorar a solubilidade, que é importante para aplicações em bebidas. 

O processo consiste em uma mistura do cacau (nibs, liquor, torta ou pó) com uma solução alcalina (normalmente carbonato de potássio), junto com combinações de parâmetros de processo, como por exemplo, temperatura e pressão. Neste processo ocorre a neutralização dos ácidos, resultando em alterações de cor, sabor e solubilidade. 

Efeitos da alcalinização no cacau em pó

Em geral, o pH do cacau em pó natural (não alcalinizado) varia entre 5,0 e 6,0. Já o alcalino consegue alcançar um pH em torno de 7,0 a 8,0, sendo determinado pela quantidade e tipo de alcalinizante utilizado durante a produção. Os alcalinizantes adicionados, além de influenciarem no pH do cacau em pó, também aumentam a sua alcalinidade e o teor de cinzas. Isto pode afetar o produto no qual o pó é utilizado, como por exemplo, os produtos de panificação (afeta a fermentação) e produtos lácteos (afeta a estabilidade da proteína do leite).

O cacau em pó não é solúvel em água, porém, a alcalinização melhora sua solubilidade devido à neutralização dos ácidos presentes no cacau. Além disso, outras características como cor, sabor e compostos nutricionais também são alteradas com a alcalinização.

Cor:

Conforme ilustrado na Figura 2, a alcalinização afeta as tonalidades de cor do cacau em pó. O natural, ou não alcalinizado, geralmente apresenta cor marrom clara, enquanto a cor do cacau em pó alcalino pode variar do marrom amarelado ao marrom avermelhado, chegando ao marrom escuro e até mesmo ao preto, dependendo da intensidade do processo de alcalinização e da solução alcalinizante. 

Em muitos casos, os consumidores relacionam a intensidade da cor marrom à intensidade do sabor de chocolate e, consequentemente, à quantidade de cacau presente no alimento. As cores escuras sugerem maior expectativa do consumidor em relação ao sabor forte de chocolate daquele alimento, enquanto que as cores claras sugerem um sabor mais suave. Entretanto, não necessariamente a cor escura está relacionada a elevados teores de cacau em pó no produto, podendo estar também relacionada à intensidade da alcalinização do cacau em pó utilizado. 

Figura 2. Efeito da intensidade da alcalinização na cor do cacau em pó.

(a) natural; (b) levemente alcalinizado; c) meio alcalinizado com avermelhado matiz; (d) fortemente alcalinizado; (e) pólvora negra. | Fonte: Garcia et al., 2019.

Sabor 

O sabor do cacau em pó, além de estar intensamente relacionado à variedade e à origem do cacau, depende principalmente dos processos de fabricação. O cacau em pó natural possui um sabor mais amargo e intenso de cacau, quase cítrico. Já o alcalino, oferece sabor mais suave, pois a alcalinização reduz a acidez, bem como a sua adstringência, resultando em um produto mais ameno e menos amargo com sabor mais intenso de chocolate. 

Diferenças nutricionais

O processo de alcalinização do cacau, embora resulte em um produto que ofereça um sabor mais suave, gera também perdas nutricionais importantes. Neste processo, os polifenóis responsáveis pela capacidade antioxidante do cacau são drasticamente reduzidos, ocasionando a perda de compostos antioxidantes. Este processo também provoca considerável diminuição da concentração de flavonoides do cacau em pó, além de resultar em mudanças no perfil de flavanóis monoméricos, afetando negativamente a atividade antioxidante e a biodisponibilidade dos polifenóis presentes. O cacau em pó natural, por sua vez, preserva um maior teor de antioxidantes e flavonoides, que são benéficos ao consumidor.

Aplicações do cacau em pó

Devido a sua menor acidez e maior facilidade de dissolução em líquidos, o cacau em pó alcalino é ideal para a preparação de bebidas achocolatadas, misturas de chocolate em pó e até mesmo para a produção de sorvetes e coberturas de chocolate mais líquidas. A coloração mais escura deste pó, possibilita também uma redução do uso de corantes artificiais nas bebidas de sabor chocolate, além de impactar positivamente na escolha visual do consumidor. 

Já o cacau natural é mais indicado para produtos de panificação, biscoitos, bolos e coberturas, por não afetar a fermentação e não impactar na estabilidade das proteínas do leite. Na preparação de bolos, o cacau natural deve ser utilizado junto com um elemento alcalino, como o bicarbonato de sódio. Já para o cacau em pó alcalino, é recomendado o uso de um elemento ácido, como o fermento em pó.

 

REFERÊNCIAS

Sair da versão mobile