Manejo pré abate e os impactos microbiológicos na qualidade da carne de frango

Ao longo dos anos, o cenário brasileiro de produção e comercialização da carne de frango vem evoluindo significativamente. O Brasil segue sendo o líder de exportação, cerca de 5 milhões de toneladas em produtos processados e in natura no ano de 2022 (ANUÁRIO ABPA, 2023). Este cenário de evolução somente se faz possível por meio da constante evolução dos estabelecimentos produtores, quanto ao atendimento aos critérios estabelecidos pelo público consumidor e em especial pelas legislações vigentes, das quais garantem a segurança destes alimentos.  

Entre as medidas adotadas na produção e abate de frangos de corte, a adesão ao Programa Nacional de Abate Humanitário STEPS, elaborado pela Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA), foi uma das iniciativas que estabeleceu ações e medidas de controle, para garantir o correto manejo das aves a campo e nos momentos que antecedem o abate, melhorando a qualidade da carne em quesitos sensoriais e microbiológicos.

Segundo Bonatto (2022), entre os anos de 2012 e 2015, as principais causas de condenações de carcaças em frigoríficos de frango de corte estavam relacionadas a contaminações, contusões e dermatose, segundo um banco de dados de estabelecimentos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção Federal. Em um estudo recente, avaliando as principais causas de condenações entre 2016 e 2019, contaminações foram os principais fatores para condenações das carcaças, seguidos de lesão traumática e lesão de pele (Coldebella et.al. 2021). Em ambos os estudos, a relação quanto à qualidade do manejo ao campo e pré abate de frangos de corte, impactou a qualidade dos produtos recebidos e processados pelo frigorífico.

Diante disto, torna-se imprescindível a atuação técnica, visando a redução de condenações advindas de falhas anteriores ao processamento, das quais impactam na qualidade da carne processada no frigorífico. Os principais fatores associados às condenações por contaminação (Gastrointestinais e/ou biliares) resultantes de falhas no pré – manejo em sua grande maioria, são relacionados à falha no jejum das aves. Para garantir um menor percentual de contaminação e auxiliar na eficiência dos equipamentos, sugere-se que as aves tenham um jejum alimentar entre 6 horas e 12 horas até o momento do abate, período este, contabilizado do momento do embarque das aves no campo até o momento do abate das aves, conforme Portaria Nº 365, DE 16 DE JULHO DE 2021 e suas alterações. Este tempo é necessário para que as aves consigam esvaziar o conteúdo visceral, mitigando a incidência de contaminações no processo de evisceração das carcaças. 

Para garantir a execução correta sobre o jejum alimentar das aves, é fundamental a capacitação da mão de obra a campo, da qual necessita de conhecimento básico referente aos preceitos de bem estar animal e os impactos relacionados a falhas operacionais na retirada da ração. Diversos são os fatores que interferem na execução do manejo, entre os mais comuns estão associados a fatores climáticos e falhas operacionais. Os fatores climáticos estão relacionados a temperaturas elevadas em sua grande maioria, interferindo diretamente na capacidade de esvaziamento gástrico das aves. Contudo, as variações fisiológicas das aves, apresentam diferentes respostas de acordo com as variações climáticas, podendo interferir não apenas no jejum alimentar, como em outros fatores de condenações de carcaças. Já as falhas operacionais, muitas vezes, ocorrem por falhas no cumprimento do horário de retirada, conforme programação de abate. Por outro lado, frangos de corte expostos a longos períodos de jejum sofrem com elevada desidratação, ocasionando um aumento no percentual de mortalidade no período de transporte e maior incidência de contaminação biliar no frigorífico.

Falhas no jejum alimentar pré-abate, afetam diretamente o controle microbiológico das aves no momento do abate e evisceração das carcaças, principalmente, pelos riscos associados às contaminações cruzadas de microrganismos patogênicos. Os impactos no frigorífico são percebidos na linha de evisceração das carcaças, através da identificação de sinais fisiológicos nas carcaças abatidas. Os principais sinais observados englobam a presença de vísceras intestinais com fezes pastosas/rígidas, demostrando jejum tardio ou falha no manejo de movimentação das aves, o que impossibilita o esvaziamento do conteúdo intestinal dentro do período de pré abate. Outro fator sugestivo de retirada da alimentação tardia do campo é a presença de ração no interior do papo das carcaças. Já em casos de jejum alimentar extenso o principal sinal fisiológico observado, se dá pela presença de fezes líquidas na porção final do intestino (ceco, cólon e reto) das aves. 

Em ambos os casos, seja por excesso ou falta de jejum no pré abate, os efeitos negativos são ampliados durante a evisceração das carcaças, devido à dificuldade de regulagem dos equipamentos, conforme lotes de aves abatidas. Aves que passam por falhas no jejum do pré-abate apresentam vísceras com maior sensibilidade, devido ao processo de desidratação e/ou conteúdo gástrico internos, impactando no controle de extração de conteúdos intestinais, sem que ocorra o rompimento das vísceras no interior ou sobre as carcaças.

Vale ressaltar que o processo de evisceração em larga escala possui equipamentos interligados sendo estes, posicionados em sequência, (extratora de cloaca, abridora de abdômen, evisceradora de carcaças e extratora de papo e traqueia. Tal fator, é responsável por causar efeito cascata na contaminação cruzada durante o processo, devido ao elevado número de carcaças evisceradas simultaneamente. 

Como forma de mitigar os impactos negativos, quando identificado a ocorrência de falha no manejo pré-abate, algumas medidas são realizadas no abate e evisceração das carcaças. A inspeção ante-mortem realizada no momento de chegada das cargas no frigorífico deve ser realizada por um médico veterinário do Serviço de Inspeção, do qual avalia as condições físicas e comportamento das aves antes do processo de abate. Nesta etapa, é possível avaliar a ausência de papo cheio nas aves, mitigando a incidência da realização do abate de lotes com aves provenientes de granjas com manejo pré abate falho. 

Outro ponto de identificação inicial no frigorífico é na inspeção pós-mortem, realizada por auxiliares de inspeção devidamente treinados. Essa inspeção serve para retirar contaminações visíveis conforme “Manual de procedimentos de inspeção e fiscalização de aves e derivados em estabelecimentos sob inspeção federal (SIF)”, sendo possível avaliar o destino de 100% das aves abatidas em frigoríficos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção Federal. Nesta etapa, caso seja identificado a presença de contaminações gastrointestinais e/ou biliares, realiza-se o direcionando das carcaças para condenação total, parcial ou aproveitamento condicional, impedindo o fluxo da carcaça caso a mesma apresente risco à saúde pública. 

Em seguida, as carcaças são direcionadas para o primeiro ponto de controle (PC), responsável pela retirada de carcaças com contaminação biliar, da qual a passagem das mesmas pelo chuveiro de lavagem não irá garantir a limpeza da carcaça com contaminação. Em seguida as carcaças são direcionadas ao chuveiro de lavagem, sendo este, utilizado como forma de retirar contaminações visíveis das carcaças, conforme Resolução nº 8 de 19 de junho de 2018, do MAPA. Posteriormente, seguem para o monitoramento do PCC (Ponto Crítico de Controle), sendo denominado como PCC2B (Ponto Crítico de Controle Biológico) em alguns estabelecimentos, do qual possui papel fundamental na identificação das falhas dos processos anteriores e na tomada da ação ágil. Nesta etapa, os colaboradores devem ser devidamente treinados para realizar a inspeção visual de 100% das carcaças, avaliando a ausência de contaminações internas e externas visíveis. Após liberadas, as carcaças são lavadas pelo chuveiro de lavagem final, antes de adentrarem ao sistema de resfriamento de carcaças. 

Além das medidas de controle realizadas no setor de evisceração de carcaças, outro aliado na redução da carga microbiológica na carne de frango é o sistema de resfriamento de carcaças através da imersão. Usualmente formado por sistemas de tanque com rosca sem fim, o sistema possui a função do rebaixamento da temperatura das carcaças mantendo a mesma entre 0 e 4 °C (quatro graus centígrados positivos), reduzindo a multiplicação de patógenos, sendo realizado imediatamente após a evisceração e lavagem das carcaças. Para essa etapa é exigido o atendimento normativo de alguns itens, como por exemplo, renovação de água constante; controle de temperatura da água de abastecimento na entrada no tanque; controle de sobre a dosagem de sanitizante; percentual de absorção de água da carcaça ao final do sistema de resfriamento, entre outras exigências estabelecidas pela Portaria SDA – 210, de 10/11/1998.

Através da utilização das medidas citadas acima é possível estabelecer o controle do processo, garantindo assim, a segurança dos produtos comercializados, atuando de maneira assertiva sobre os diferentes pontos críticos de contaminação durante o processamento e abate de frangos de corte.

 

Referências 

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