Na década de 90, normas de certificação com o foco em segurança de alimentos vigoravam paralelamente, solicitadas por diferentes mercados e clientes globais / importadores Europeus a seus fornecedores. Uma verdadeira sopa de letrinhas (BRC, IFS, SQF, BPF, HACCP) além de protocolos específicos de cada cliente (auditorias de segunda parte), traziam um peso muito grande para as indústrias brasileiras exportadoras. Eram muitas auditorias, com demandas distintas, o que fez com que o foco inicial das empresas fosse atender exclusivamente esses requisitos, atuando na correção e não na melhoria contínua de seus processos, pessoas e controles para um alimento mais seguro.
Nesse cenário, no início dos anos 2000 surgiu a GFSI. A Iniciativa Global de Segurança de Alimentos (GFSI) é uma Coalizão de Ação do Fórum de Bens de Consumo (CGF), que reúne 34 varejistas e fabricantes de todos os membros do CGF e uma comunidade ampliada de segurança de alimentos, para supervisionar os padrões de segurança de alimentos para empresas e assim ajudam a fornecer acesso a alimentos seguros para pessoas em todos os lugares. (fonte: mygfsi.com)
Para assegurar a harmonização entre as normas e garantir que os inúmeros padrões de certificação segmentados por mercado e clientes globais pudessem ser igualmente reconhecidos, o GFSI criou o processo de “benchmarking” das normas de segurança de alimentos globais. Diversas normas ao redor do mundo foram reconhecidas, abordando todos os pontos da cadeia de alimentos desde o campo até o consumidor.
Os padrões normativos mais conhecidos no Brasil e mais adotados pelos fornecedores das grandes cadeias de varejo e fabricantes de produtos de bens de consumo mundiais são: Esquema FSSC 22000, BRCGS e IFS, além do Global Gap para a produção primária. Em nosso artigo vamos nos ater às normas aplicáveis às indústrias de alimentos.
De acordo com um levantamento realizado nas bases de dados das normas/esquemas de segurança de alimentos, atualmente existem cerca de 746 empresas certificadas em uma das normas reconhecidas pelo GFSI no Brasil e outras 622 que aderiram aos programas do Global Markets (programas que preparam de maneira progressiva o fabricante para as normas reconhecidas pelo GFSI). Dentre esses programas podemos destacar o BRCGS Start!, IFS Global Markets e o FSSC Development Program, sendo que em nosso território o programa que mais cresceu foi o IFS Global Markets impulsionado pelas exigências de varejistas brasileiros e internacionais. (*dados de 06/05/2021).
A partir do marco do programa de “benchmarking” do GFSI, a escolha de qual norma implementar e certificar passou a ser do fornecedor, não mais do cliente (normalmente a certificação tinha como motivo inicial a exigência de determinado cliente ou mercado).
Então afinal, quais são as diferenças entre essas normas, uma vez que o GFSI as reconheceu como equivalentes?
Faço um breve resumo comparativo entre as principais normas adotadas pelo mercado brasileiro para facilitar a decisão das empresas que estão a caminho de sua certificação:
O Esquema de certificação FSSC 22000
O Esquema FSSC 22000 é administrado pela Fundação FSSC 22000 e gerido por um Conselho de Partes Interessadas independente, composto por representantes de vários setores da indústria de alimentos.
Para garantir a transparência e o envolvimento da indústria, um Comitê Consultivo faz recomendações sobre vários tópicos, incluindo aspectos técnicos como auditorias não anunciadas e fraude em alimentos, documentos de orientação e revisões de esquema. O Comitê Consultivo se reporta ao Conselho de Partes Interessadas. (fonte www.fssc22000.com)
Atualmente esse esquema de certificação encontra-se na versão 5.1, após alinhamentos à atualização do programa de benchmarking do GFSI 2020-1.
O FSSC é um esquema, pois é composto por requisitos de 3 fontes distintas: ISO 22000:2018 (Sistemas de Gestão de Segurança de Alimentos), Programa de pré-requisitos com a ISO/TS ou especificação apropriada à categoria da empresa a ser certificada + requisitos adicionais do FSSC para alinhamento total ao programa do GFSI.
É um esquema de sistema de gestão e não de produto, como as demais normas que analisamos nesse artigo.
Possui um ciclo de certificação de 3 anos, composto por auditoria inicial em dois estágios, visitas anuais de acompanhamento/supervisão e, ao final, o processo é renovado através da recertificação.
O esquema é comumente adotado por empresas que já possuíam normas ISO implementadas, pois permite um alto grau de integração nos requisitos de gestão com as demais normas e possui a estrutura de alto nível (anexo SL). É conhecido por ser flexível e permitir que as organizações adaptem os requisitos de acordo com sua estrutura, objetivos e riscos, ou seja, não é prescritivo como as demais normas que analisamos nesse artigo.
BRCGS ou BRC Global Standard:
A empresa foi fundada em 1996 em UK (Reino Unido) por varejistas que desejavam harmonizar os padrões de segurança alimentar em toda a cadeia de abastecimento. Em 2016 foi adquirida pelo Grupo LGC, empresa líder internacional em medição e teste de ciências da vida. (fonte: https://www.brcgs.com/about-brcgs/)
É globalmente conhecida com uma adoção especialmente grande na Europa, Ásia e Pacífico. Foi inicialmente adotada no Brasil por empresas exportadoras para o Reino Unido. Abrange todas as categorias da cadeia de alimentos e possui normas para bens de consumo não alimentos. A sua norma de Segurança de Alimentos está atualmente na versão 8.
Seu ciclo de certificação é anual, sendo uma norma de certificação de produto, com estrutura bastante prescritiva, em formato de checklist.
É conhecida por sempre sair na frente nas atualizações do GFSI, trabalha na vanguarda das tendências do setor em segurança de alimentos e é formadora de opinião.
IFS (International Food Standard)
A IFS foi fundada em 2003 com o nome International Food Standard, na Alemanha. Desde então, a empresa, que registra um crescimento anual de 10,9%, expandiu seu alcance em mais seis padrões e opera globalmente. (fonte: https://www.ifs-certification.com/index.php/en/ifs)
Sua norma de Segurança de Alimentos está na versão 7, o ciclo de certificação é anual. Este padrão, assim como o BRCGS, é uma norma de certificação de produto.
É prescritiva e possui cláusulas fundamentais conhecidas como knockout – sem a implementação e efetividade dessas cláusulas a certificação ou sua manutenção, não é possível.
Seu programa de Global Markets é o que mais cresceu nos últimos anos devido à exigência dos grandes varejistas globais e brasileiros.
Como se pode observar no sumário comparativo de cada norma analisada, todas atendem aos requisitos do GFSI, são igualmente reconhecidas mundialmente, porém possuem algumas diferenças em sua natureza (sistema de gestão x produto) e em sua estrutura (esquema x normas prescritivas). A escolha deve ser realizada com a análise da estrutura atual da organização, seus atuais sistemas de gestão ou certificações (há oportunidade de integração?), seus requisitos de clientes e mercados (prescritivos ou não? Qual norma abrange melhor esses requisitos e padrões?). Com base nas respostas às perguntas sugeridas, é possível realizar a escolha que melhor se adaptará aos objetivos de cada organização.
Independentemente da escolha, uma coisa é certa: ao implementar uma norma de segurança de alimentos, as organizações garantirão alimentos mais seguros para todos os consumidores.
Referências:
https://www.bsigroup.com/pt-BR/industria-e-setores/food-and-drink/normas-da-industria-de-alimentos/