No Brasil, os queijos artesanais estão ligados fortemente às histórias e práticas socioculturais da população.
A princípio, os derivados de leite eram destinados ao consumo próprio das famílias da zona rural, com o passar do tempo se tornou uma estratégia na geração de renda complementar. Em sua maioria os queijos artesanais são fabricados de maneira rudimentar, seguindo técnicas passadas de geração a geração, sem o uso de conhecimento tecnológico como é aplicado nas indústrias. Assim, o produto final pode apresentar uma série de defeitos, dos quais geram perdas econômicas aos produtores.
A falta de conhecimento sobre a qualidade e quantidade das matérias primas destinadas à fabricação e as técnicas de maturação podem ser os principais fatores que geram as falhas na produção.
As políticas voltadas à valorização de produtos locais vêm sendo usadas como ferramentas de desenvolvimento em zonas rurais carentes. A partir do processo de certificação desses itens, as mercadorias passam a possuir a garantia da qualidade. As normas da legislação preveem os cuidados quanto à sanidade animal, estrutura física do local de produção e aplicação das boas práticas de fabricação.
O público consumidor de queijos artesanais tem crescido, as pessoas são atraídas pela intensidade e variações de sabores em comparação aos queijos industrializados. Essas propriedades únicas de sabor e aroma são adquiridas por meio da microbiota natural do leite cru, clima, altitude, pastagens nativas e outras condições locais.
A discussão que envolve os produtos artesanais no Brasil está relacionada à defesa da identidade social e cultural construída pela agricultura familiar. Visto que, as mercadorias vindas da atividade informal podem ocasionar diversas complicações à saúde da população. Pois, sem fiscalização e conhecimento, os produtores podem não seguir as boas práticas de fabricação e, pela falta de higienização adequada, comprometer toda a produção.
Sendo a legalização um instrumento de regular e resguardar os laços de identidade nos territórios regionais onde o queijo e outros produtos artesanais são reconhecidos como um símbolo de conquista. Em meio aos queijos produzidos no território brasileiro podemos citar os queijos Serrano, queijo Marajó, Minas artesanal e queijo coalho.
O queijo Serrano é fabricado na área dos Campos de Cima da Serra, no nordeste do Rio Grande do Sul e no Planalto Sul Catarinense. Essa região está na transição entre o Bioma Pampa e a Mata Atlântica que passa por invernos rigorosos. A pecuária extensiva em campo nativo é a principal atividade econômica. O sistema de produção dessa região consiste na criação de vacas mestiças das raças zebuínas, como Gir e Guzerá, que se alimentam de pastagens naturais.
O queijo artesanal do Marajó é a base econômica e social das famílias produtoras localizadas na microrregião de Arari Marajó no Estado do Pará, onde está a principal bacia produtora de leite de búfala do Marajó. É um exemplo que a criação da legislação ampara a cultura marajoara e incentiva a agroindustrialização, possibilitando que os produtores entrassem para formalidade, onde este fato só foi possível através de políticas públicas.
O queijo Minas artesanal é um dos mais antigos e tradicionais produzidos no Brasil. O Estado de Minas Gerais é um grande produtor de queijos artesanais que são produzidos nas regiões do Serro, Alto Paranaíba, Serra da Canastra e Araxá.
Por um tempo, a comercialização desses queijos de leite cru era feita de maneira clandestina. Os embates envolvendo a exigência da pasteurização do leite foram discutidos entre produtores de queijos artesanais mineiros, políticos e consumidores. Assim, se estabeleceu normas para que a tradição do queijo produzido com leite cru não fosse quebrada. O apelo do produtor para que não houvesse a pasteurização do leite era motivada para que o sabor do produto não fosse alterado, pois graças aos microrganismos presentes, o produto consegue adquirir tais características.
Um dos obstáculos na fabricação dos queijos artesanais é a despadronização da matéria prima – o leite não apresenta padrão físico-químico constante, podendo variar de acordo com as diferentes estações do ano.
Então, cabe ao produtor ajustar e adequar sua fabricação nas distintas situações que possam ocorrer durante o processamento, ou seja, o recebimento de leite com padrões diferentes no decorrer do ano, a aplicação de técnicas para melhorar a coagulação e dessoragem da massa, controle das temperaturas e condições ambientais na maturação dos queijos.
Os acordos para que haja adoção de padrões sanitários, cuidados com a saúde do rebanho e condições higiênicas da produção são firmados através da legislação. A atribuição de título de Patrimônio Cultural do Brasil consagra o produto com o significado máximo da preservação das tradições nacionais. Determinando a forma que o produto deve ser certificado, marcado segundo sua origem e produzido em sua localidade.
Essa importante estratégia de regularização também foi utilizada no meio rural do Agreste e Sertão nordestino, trazendo dinamismo econômico aos pequenos municípios dessa região, contribuindo como o ganho principal ou complementação de renda das famílias, desacelerando o êxodo rural e contribuindo para a circulação de receita dos próprios municípios.
No Nordeste, a elaboração dos derivados do leite foi transmitida através dos tempos, trazendo o costume do sertanejo em presentear com um queijo os seus visitantes. No retorno para casa, os parentes e amigos que moravam nas cidades ou em outras regiões levavam consigo boas lembranças e peças de queijo coalho, manteiga de garrafa ou requeijão na sua bagagem.
Pela necessidade de prolongar a validade dos alimentos, o sertanejo desenvolveu métodos na tentativa de conservá-los. A maturação e a salga do queijo, conseguiram preservar as características sensoriais do alimento por mais tempo. A princípio, o queijo coalho e outros derivados de leite eram destinados a consumo próprio, a comercialização era pouco demandada pelo mercado consumidor nas cidades, além disso, a locomoção era difícil para a população rural. O queijo coalho é elaborado nas queijarias espalhadas por todos os Estados do Nordeste.
A tentativa de delimitar as regiões produtoras e aprofundar as relações entre agricultores, trabalhadores e comerciantes, para produção de queijos artesanais e produtos regionais, pode facilitar a disseminação de conhecimentos e meios de constituição de políticas públicas para produtos com identidade cultural em diferentes partes do território brasileiro.
Recentemente, o governador do Estado de Goiás, sancionou a Lei nº 20.963, que declara o “Queijo Cabacinha do Araguaia” como Patrimônio Cultural do Estado de Goiás, que é produzido tradicionalmente na região do Araguaia, entre os municípios de Mineiros, Santa Rita do Araguaia, Portelândia, Doverlândia e Perolândia. A certificação traz reconhecimento à região e protegerá os produtores rurais que detém a tecnologia de produção deste queijo.
Porém, apesar de saber dos benefícios contidos que podem ser gerados pelas políticas públicas, ainda é pouco discutido sobre esta questão. Por isso muitos produtos se mantêm na informalidade. A adoção de políticas voltadas à inclusão, valorização e regularização de produtos regionais fortalece o meio rural. Isso promove uma série de implicações econômicas, culturais e sociais, beneficiando as regiões produtoras. Além disso, o reconhecimento, registro e proteção desses produtos está associado ao contexto do modo de vida em que as famílias tiveram origem. Estamos falando da defesa da vasta história dos moradores para que seus produtos não sejam resumidos a apenas meras mercadorias.
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