Ovo: de vilão a mocinho na alimentação humana

No Brasil, em 2023 foram produzidos 52,4 bilhões de ovos, sendo que 99% desta produção ficou no mercado interno (ABPA, 2024). A produção de ovos, além da relevância econômica, também possui pertinência do ponto de vista da saúde humana, sendo fonte proteica de baixo valor financeiro quando comparado com outras proteínas, fator que influencia seu consumo, que em 2023 foi de 242 ovos por habitante no Brasil. Comparado com o ovo, nenhum outro alimento de origem animal é consumido por tantas pessoas em todo o mundo e nenhum é servido de formas tão variadas (Réhault-Godbert, 2018).

No momento da escolha dos ovos, a coloração da casca é tida como critério pelos consumidores, mesmo que a cor da casca não seja indicativo de qualidade interna ou valor nutricional. A preferência pela casca marrom ou branca tem grande variação entre as regiões do país (Maia e Marcato, 2022).

Muitos consumidores associam a cor da casca com a forma de criação, considerando o ovo marrom como caipira, e o ovo branco como de granja, mas a cor da casca é referente à genética da ave, não tendo ligação com a forma de criação ou fator nutricional do ovo. Na figura 1 temos exemplos de raças e coloração de seus ovos.

Figura 1: Coloração de ovos de diferentes raças de galinhas.  Fonte: Autores.

As aves poedeiras, geneticamente melhoradas, garantem elevado padrão de qualidade do ovo e seus subprodutos, atendendo assim às exigências do mercado mundial. Poedeiras da raça Leghorn branca dão origem aos ovos com casca branca, as raças Rhodes Island Red, New Hampshire e Leghorn vermelha, originam ovos de casca marrom. Tanto as poedeiras Leghorn e as Rhode Islans Red são híbridas e possuem características fisiológicas idênticas, sendo que as que produzem ovos marrons são um pouco mais pesadas no início de postura e pouco menos eficientes em relação às brancas (Honorato et al., 2016).

Nos anos 1970, o ovo era visto como um vilão do colesterol, mas com o avanço das pesquisas foi comprovado que o ovo é na verdade um precursor da saúde humana. Por possuir nutrientes de alta qualidade e indispensáveis para nutrição do ser humano, o ovo de galinha é um alimento completo, sendo composto por proteínas altamente digeríveis, aminoácidos essenciais, minerais e vitaminas. Os principais componentes nutricionais do ovo são água (75%), proteínas (12%), lipídeos (12%), podendo fornecer 10% de proteína, 15% de riboflavina, 8% de vitamina B12, 6% de vitamina A, D, folato, 4% de vitamina B6, 3% de vitamina E, 2% de tiamina, 4% de zinco e ferro do valor diário de um nutriente (Rafed et al., 2024; Kassis et al., 2010).

Figura 2: Constituintes do ovo. Fonte: Autores.

Em decorrência de sua composição nutricional, o consumo de ovos pode auxiliar nas ações de defesa do organismo humano, garantindo o fornecimento de nutrientes para o fortalecimento do sistema de defesa, e assegurando a manutenção das funções fisiológicas do corpo. Muitas atividades biológicas têm sido associadas aos componentes dos ovos, entre elas a ação antibacteriana, antiviral e a modulação do sistema imunitário. As vitaminas lipossolúveis A, D e E, os microminerais, cobre (Cu), selênio (Se) e zinco (Zn), e os ácidos graxos da família ômega-3 (AGs ω-3) contribuem com a atividade do sistema imunológico, em específico na prevenção e combate de doenças, destacando o elo dieta-saúde e ressaltando assim, a importância do consumo de ovos na prevenção e tratamento de doenças (Junior et al., 2023).

O valor nutricional das proteínas da dieta depende dos níveis e da composição dos aminoácidos e de sua biodisponibilidade no corpo humano. Consequentemente, os ovos são uma fonte de proteína de alta qualidade com alta biodisponibilidade, fornecendo todos os aminoácidos essenciais para as necessidades nutricionais humanas. Particularmente, a proteína da clara do ovo tem um alto teor de aminoácidos ramificados (leucina, 89 mg/g; isoleucina, 56 mg/g; e valina, 73 mg/g) que estimulam exclusivamente a síntese de proteína muscular (Lee et al., 2024).

O consumo de ovos é ainda associado positivamente com o aumento da massa muscular, combate o envelhecimento inerente ao organismo devido a redução da perda de tecido muscular e auxilia no ganho de massa magra (Pedersen e Cederholm, 2014).

Pesquisas registram fortes indícios de que a astaxantina, presente na gema do ovo, devido às suas propriedades antioxidantes, exerce efeitos cardioprotetores, inibindo o estresse oxidativo e as inflamações, além de auxiliar o metabolismo lipídico e da glicose. Os aminoácidos triptofano e tirosina ricamente presentes na gema do ovo apresentam alta atividade antioxidante, com eficácia na inibição dos radicais livres (Kishimoto et al., 2016).

O hábito alimentar de uma população é constituído por diversos fatores, e o consumo regular de ovos está relacionado a uma dieta balanceada e saudável. Considerado como uma proteína de alto valor biológico, a ingestão de ovos causa saciedade no organismo, ajudando com o gerenciamento do peso corpóreo, colaborando para uma menor compulsão alimentar (Ribeiro e Olivo, 2016).

Sendo um produto de origem animal, o ovo começa a perder a qualidade no momento de postura, o que pode ser minimizado a partir do conhecimento sobre os motivos que agravam essa situação. Assim, a qualidade dos ovos é influenciada pela genética, idade, dieta, alojamento, manejo, transporte, comercialização, tempo de armazenamento, temperatura e umidade do ar (Lingala et al., 2024).

Não só a eficiência na produção de ovos é importante, mas também a qualidade. Deste modo, é preciso atenção quanto às fases de criação das poedeiras, visto que a idade influencia a qualidade interna do ovo, o albúmen torna-se mais líquido em ovos de aves mais velhas, perdendo características, como capacidade de formação de espuma (Oliveira et al., 2020). 

A interação animal e ambiente deve ser considerada quando se busca maior produtividade e as diferentes respostas do animal às peculiaridades de cada região são determinantes no sucesso avícola (Oliveira et al., 2014). Um manejo adequado influencia na melhoria na qualidade da casca do ovo e na produtividade de um lote de poedeiras; os programas de luz, debicagem, controle de peso das aves, temperatura no ambiente de criação, transporte e densidade, podem gerir o sucesso da produção.

Outro fator que pode alterar a qualidade dos ovos é a temperatura de armazenamento. Para maior aproveitamento do valor nutricional dos ovos, eles      devem ser conservados sob refrigeração (Ezidio,2023), e de preferência em prateleiras no interior da geladeira e não na porta, que podem apresentar oscilações de temperatura no momento de abertura. 

O prolongamento do tempo de armazenamento dos ovos de mesa resulta em um aumento do número de doenças por milhão de porções, exceto quando os ovos são bem cozidos (Sabbah et al., 2024). 

A casca do ovo é porosa (Figura 3 e 4), o que facilita a entrada de bactérias e sua contaminação. A lavagem e a sanitização são eficientes e têm efeito benéfico na conservação dos ovos, quando utilizados corretamente (Sabbah et al., 2024). No Brasil, o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) preconiza que os ovos destinados à industrialização devem ser previamente lavados, onde é recomendada a utilização de compostos de cloro em níveis abaixo de 50 ppm na água de lavagem.

Figura 3: Estrutura da casca do ovo. Fonte: Nutrinews. Disponível em: https://nutrinews.com/pt-br/o-ovo-desnuda-a-nutricao-da-galinha/

Figura 4: Estrutura da casca do ovo. Fonte: Nutrinews. Disponível em: https://nutrinews.com/pt-br/o-ovo-desnuda-a-nutricao-da-galinha/

Devido à porosidade das cascas de ovos eles podem ser contaminados com microrganismos, incluindo patógenos, que podem penetrar na cutícula e na casca, colonizar as membranas subjacentes e, posteriormente, contaminar a gema, eventualmente contaminando o conteúdo do ovo (Nasiru et al., 2024).

As aves infectadas com Salmonella podem eliminar o patógeno em suas fezes por vários meses, contaminando o ambiente e os ovos. Medidas de intervenção contra a contaminação de ovos por Salmonella podem variar desde a incorporação de aditivos alimentares na ração de galinhas poedeiras para evitar a colonização do patógeno, até a aplicação de antimicrobianos específicos nas lavagens de ovos (Gast et al., 2024). 

Apesar de todos os benefícios nutricionais, é importante ressaltar que o ovo pode eventualmente, apresentar contaminação por Salmonella spp., bactérias que são responsáveis por intoxicação alimentar (gastroenterite), causando náuseas, vômitos, dores abdominais, diarreia e febre, por isso não deve ser consumido cru (Tondo & Oliveira Elias, 2023).

 

Referências: 

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