A segurança dos alimentos é uma responsabilidade compartilhada com diferentes setores da cadeia produtiva, que envolve as etapas de produção, industrialização, armazenamento, fracionamento, transporte, distribuição, importação e/ou comercialização de alimentos destinados ao consumo humano. O consumidor também faz parte disso, uma vez que os potenciais perigos podem ser agregados em toda a cadeia produtiva e no momento do consumo.
O alimento pode ser um meio de veiculação de agentes físicos, químicos ou biológicos que podem ser perigosos à saúde humana, sendo capazes de causar doenças e até mesmo a morte.
Dentre os agentes físicos veiculados por alimentos, destacam-se os objetos rígidos, fragmentos de vidro e filmes plásticos capazes de causar lesões e repulsa ao consumidor, tornando o alimento impróprio ao consumo.
De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada n° 623/2022 da ANVISA, matéria estranha é qualquer material não constituinte do produto associado a condições ou práticas inadequadas na produção, manipulação, armazenamento ou distribuição. Ainda nesta resolução encontramos a definição de matérias estranhas indicativas de risco a saúde, sendo elas aquelas que podem causar lesões ao consumidor: objetos rígidos, pontiagudos e/ou cortantes, iguais ou maiores que 7 mm (medido na maior dimensão), como fragmentos de osso ou de metal, lasca de madeira e plástico rígido; objetos rígidos, com diâmetros iguais ou maiores que 2 mm (medido na maior dimensão) como pedra, metal, dentes, caroço inteiro ou fragmentado; fragmentos de vidro de qualquer tamanho ou formato; e filmes plásticos.
Segundo o CPG Sec. 555.425 do FDA, os níveis aceitáveis para objetos duros ou pontiagudos são entre 7 mm e 25 mm de comprimento para os alimentos prontos para consumo, sempre que o produto necessite de preparação mínima ou processamento adicional.
Como forma de entendimento do risco associado e que um perigo físico poderá causar se presente em um alimento, é necessário que sejam considerados quatro tipos de fatores:
- Tamanho: A Health Canada afirma que qualquer coisa em um alimento, que é estranho e mede 2 mm ou mais, pode ser um risco para a saúde.
- Tipo de consumidor: Produtos direcionados a bebês, idosos, etc. têm um nível de risco mais elevado.
- Tipo de produto: A forma que o produto assume, como fórmulas infantis, bebidas, etc. podem aumentar o nível de risco.
- Características físicas: dureza, forma e nitidez de um produto pode afetar o nível de risco.
No Brasil, embora haja vários estudos sobre a ocorrência de patógenos em alimentos, principalmente relacionados a surtos, são poucos os registros na literatura sobre contaminantes físicos que representem potencial perigo à saúde. Considerando a escassez destes dados, para elucidar este artigo, é apresentado um estudo que considerou a ocorrência nos produtos analisados no Núcleo de Morfologia e Microscopia do Centro de Alimentos do Laboratório Central do Instituto Adolfo Lutz (IAL), em São Paulo, no período de 2008 a 2020. Os resultados revelaram que, das 7.221 amostras de alimentos analisadas, 89 (1,2%) estavam em desacordo com a legislação em vigor, por conterem perigos físicos. De acordo com a categoria de alimentos, a ocorrência foi maior para bebidas (43%), seguida de cereais, farinha e farelo (22%). Quanto ao tipo de matéria estranha, os plásticos (duros e flexíveis) foram os mais frequentes (48%), seguidos dos metais (15%) entre as partículas perigosas detectadas nas amostras.
Os tipos de plásticos detectados, relacionados aos alimentos analisados, estão apresentados na Tabela 1. De 42 amostras que continham material plástico, 11 foram identificados como micro tubos de laboratório, com ocorrência exclusiva em bebidas, e 21 como filmes plásticos detectados, principalmente, em bebidas (81%).
Tabela 1
Na tabela 2 pode ser verificada a relação dos perigos físicos metálicos identificados e os alimentos.
Tabela 2
Fonte: Mattos, et al
Os perigos físicos em alimentos caracterizados como objetos duros ou pontiagudos são potenciais para ocasionar danos físicos graves tais como: cortes na boca ou garganta, danos aos intestinos, danos aos dentes ou gengivas.
É estimado que 1–5% dos objetos estranhos ingeridos (engolidos) pelas pessoas resultam em lesões ligeiras a graves. De acordo com esta estimativa, a maioria dos objetos estranhos ingeridos (80-90%) passam espontaneamente pelo trato gastrointestinal, sendo o restante necessário a remoção por endoscopia ou, menos frequentemente, por cirurgia. As estimativas de morbidade são mais altas para certos tipos de objetos cortantes. Por exemplo, estima-se que a lesão por perfuração ocorra em 15-35% dos pacientes examinados por médicos por ingestão de objetos finos e pontiagudos. Objetos ingeridos que são delgados e pontiagudos são amplamente reconhecidos como apresentando maior risco de lesão por perfuração de tecidos do trato gastrointestinal e maior necessidade de remoção cirúrgica do que outros tipos de objetos estranhos ingeridos. Os tipos de lesões resultantes da ingestão de objetos duros ou pontiagudos também incluem laceração dos tecidos da boca ou da garganta e quebra ou lascamento dos dentes.
Os locais que produzem alimentos conseguem prevenir a ocorrência de perigos físicos quando desenvolvem e implantam programas de pré-requisitos consistentes, realizam uma análise de perigos e pontos críticos de controle minuciosa e estabelecem medidas de controle para os casos em que, mesmo estabelecidas medidas preventivas, perigos significativos à segurança de alimentos foram identificados. São exemplos de medidas de controle, filtros, peneiras, barras magnéticas, detectores de metal e raio x.
Sempre que estabelecemos medidas de controle associadas aos perigos significativos para a segurança de alimentos deve ser realizada uma validação precisa para assegurar a efetividade do controle destes perigos físicos em níveis aceitáveis, de acordo com o estabelecido pela legislação do país onde os alimentos são fabricados, exportados e/ou de acordo com os requisitos do cliente.
De acordo com o documento de diretrizes para validação de medidas de controle de segurança de alimentos, é necessário a elaboração de um protocolo de validação que considere o conceito e natureza da validação, as tarefas antes da validação, o processo de validação e informações sobre a necessidade de revalidação. Atividades de monitoramento e verificação devem ser planejadas para confirmar o status das medidas de controles quanto sua implementação, assim como, a obtenção de dados que confirmem que os perigos estão sendo controlados conforme níveis aceitáveis.
Apoiando as medidas de controle estabelecidas, um fator fundamental é engajar as pessoas e considerar a abordagem da percepção de perigo e risco como forma de amadurecimento da cultura de segurança de alimentos. A promoção de palestras ou de uma comunicação visual através de painéis, por exemplo, é fundamental para conscientização e assim auxilia na prevenção dos perigos físicos na cadeia de produção de alimentos. A seguir segue lista com algumas estratégias que podem ser adotadas, sendo elas:
- a) Painel com peças coletadas (Foto 1) nas inspeções e no dia a dia da empresa, com o seguinte dizer: “A cada achado, uma reclamação a menos”;
- b) Apresentação de resultados das reclamações, apresentando os motivos e materiais estranhos encontrados;
- c) Programas de melhoria contínua para redução de potenciais perigos, com recompensas financeiras, bonificação ou destaque;
- d) Apresentação dos conceitos incluindo fotos de casos reais (Foto 2) nos treinamentos.
Foto 1: da própria autora
Foto 2: Revista Crescer
A ocorrência de matérias estranhas com potencial perigo físico em alimentos é um grande desafio para a indústria alimentícia, tanto pela percepção de perigo e risco que ainda precisa ser ampliada, quanto pelas consequências quando resulta em contaminação, pois, além do aumento do número de reclamações, dependendo da gravidade, ações de recall podem ser necessárias, impactos na saúde pública, aumento das perdas de alimentos e financeiras, sem contar as perdas de reputação e confiança do consumidor em relação à marca ou ao tipo de produto.
Referências utilizadas:
- BRASIL. RDC n°623, 09 de março de 2022. Dispõe sobre os limites de tolerância para matérias estranhas em alimentos, os princípios gerais para o seu estabelecimento e os métodos de análise para fins de avaliação de conformidade. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, edição 51, secção 01, pág.119,2022.
- Codex Alimentarius Commission. CAC/GL 69-2008: Guidelines for the Validation of Food Safety Control Measures. 2008.
- FDA. CPG Sec. 555.425 Foods, Adulteration Involving hard or Sharp Foreign Objects. Issued 3/23/1999,2005.
- Mattos, E.C.; Yamada, L.F.P; Silva, A.M.; Nogueira, M.D.; Atui,M.B.; Marciano, M.A.M. Ocorrência de Perigos Físicos em Alimentos. Revista Instituto Adolfo Lutz – São Paulo. 81:1-14, e37178,2022.
- Physical Hazard in Foods, Food Safety Program for Processers and Distributors, Fact Sheet#16.
- Ongaratto,S. Menina de 2 anos engole arame usado em decoração de bolo, em SP: “Poderia ter perdido minha filha”. Revista Crescer. Disponível em < https://revistacrescer.globo.com/Saude/noticia/2021/07/menina-de-2-anos-engole-arame-usado-em-decoracao-de-bolo-em-sp-poderia-ter-perdido-minha-filha-alerta-pai.html> Acesso em 18 de abr. de 2024.
- Olsen,A.R. Regulatory Action Criteria for Filth and Other Extraneous Materials – I. Review of Hard or Sharp Foreign Objects as Physical Hazards in Food, Regulatory Toxicology and Pharmacology, v.28, p.181-189,1998.