Potencial de consumo de cogumelos nativos da Mata Atlântica

Introdução

Os cogumelos são organismos eucariontes abundantes em todo o mundo e conhecidos desde a antiguidade por suas propriedades nutricionais, terapêuticas, alucinógenas e até letais. Apresentam variadas aplicações de interesse econômico, como por exemplo na agricultura, no controle biológico de insetos (Abrar et al., 2023), ácaros, carrapatos (Sumera et al., 2024), nematóides (Rodrigues et al., 2021) e fungos patogênicos (Bogas et al.,2024), na produção de etanol e biodiesel (Romano et al., 2020), na medicina, no controle de colesterol, diabetes, produção de antibióticos, anti-inflamatórios e anti-tumorais (Borges et al., 2013; Salmones, 2017; Liu et al., 2023); e na indústria alimentícia, na produção de pães, queijos, bebidas ou mesmo o consumo de trufas e cogumelos. 

É esperado que o mercado global de cogumelos comestíveis movimente em 2023, aproximadamente, US$60 bilhões (Wang et al., 2022) e cresça a uma taxa anual de 6,5% entre 2022 e 2027 (Stucchi, 2023). De acordo com Rodrigues e Okura (2022), o consumo no Brasil tem crescido nos últimos anos, sendo as principais espécies cultivadas Champignon (Agaricus bisporus), Shimeji (Pleurotus ostreatus) e Shiitake (Lentinula edodes). A produção nacional também tem perspectivas de crescimento, pois o país importa parte da demanda destes produtos (Cabrera et al., 2020). 

Cogumelos comestíveis da Mata Atlântica

As florestas brasileiras abrigam um enorme potencial para a bioprospecção de fungos Basidiomycetes de valor econômico (Mattos, 2024). No Brasil, o Filo Basidiomycota possui 1.730 espécies divididas entre 376 gêneros (Mendoza et al., 2018).

Maggio et al. (2021) reforçam que de um total de 165 espécies de cogumelos da família Agaricaceae encontradas no Brasil, 41 são comestíveis e 12 tóxicas. Há relatos da utilização de cogumelos por povos indígenas da Amazônia. Coimbra Jr. e Welch (2018) destacaram que os Sanöma, subgrupo Yanomami, distinguem dois tipos de fome, traduzidos como “fome de proteínas” e “fome de carboidratos”, sendo os cogumelos classificados entre os alimentos que satisfazem a fome de proteínas, juntamente com o peixe e a carne de caça.

Aproximadamente 2.000 espécies de cogumelos são catalogadas como potencialmente comestíveis, das quais apenas 25 são cultivadas comercialmente (Silva-Neto et al., 2022), sendo necessárias mais pesquisas para se ter um conhecimento sobre as potencialidades para o cultivo de novas espécies comestíveis (Mattos et al., 2024). Assim, novas opções desses cogumelos alimentícios são de interesse para ampliar a oferta para cultivo e consumo de produtos nutritivos e que valorizem a biodiversidade nacional. Para isso é necessário que seja comprovada a segurança de consumo de novos fungos, bem como suas características nutricionais, sendo o primeiro passo a comprovação de que o alimento em potencial não é tóxico e que não contém fatores antinutricionais (Seal et al., 2023), ao mesmo tempo em que apresente benefícios de consumo, como os de natureza nutricional, funcional, nutracêuticas e sociais. 

Sanuma et al. (2016) também relataram a comestibilidade dos gêneros Panus     , e das espécies de Favolus brasiliensis, Lentinus crinitus e Pleurotus djamor pelos indígenas Yanomamis. 

Na região da Zona da Mata de Minas Gerais, na mata do Campus Rio Pomba, do IF Sudeste MG, verificou-se, até o momento, 12 macrofungos que apresentam potencial comestível. Os fungos pertencem à 4 ordens (Polyporales, Agaricales, Auriculariales e Phallales) e a 6 família (Polyporaceae, Pleurotaceae, Physalacriaceae, Schizophyllaceae, Auriculariaceae e Polyporaceae) (Fernandes; Campos; Silva, no prelo). 

Figura 1: Fotos dos fungos comestíveis da mata do Campus Rio Pomba, MG, retiradas nos meses de junho a dezembro de 2022. A) Schizophyllum commune Fr., B) Auricularia auricula-judae (Bull.) Quél., C) Favolus brasiliensis (Fr.), D) Pleurotus djamor (Rumph. ex Fr.).

Fonte: Arquivo pessoal dos autores.

Propriedades nutricionais de cogumelos comestíveis

A legislação brasileira define cogumelo comestível como “o produto obtido de espécies de fungos comestíveis, tradicionalmente utilizadas como alimento” e as formas de produção e comercialização desses alimentos de maneira segura (Brasil, 2022). No entanto, o processamento pós-colheita de cogumelos ainda é um fator limitante para sua comercialização e para a conservação do valor nutricional (Sande et al., 2019). Cogumelos in natura apresentam teores de umidade que variam de 70 a 90%, o que os torna perecíveis. A desidratação e a produção de farinhas são importantes para aumentar a vida de prateleira e para concentrar os nutrientes. Existem poucas informações sobre as características      nutricionais dos cogumelos nativos da Mata Atlântica. No entanto, a avaliação das características nutricionais de outros cogumelos comestíveis sugerem seu potencial para uso alimentar.

Para Kumar et al. (2021) os cogumelos comestíveis são importantes na alimentação humana devido ao seu perfil nutricional, por conterem alto teor de carboidratos, seguido de proteínas e fibras alimentares, fósforo e outros minerais, além de baixo teor de lipídeos. Diversos autores avaliaram a composição nutricional de várias espécies de cogumelos, destacando seus teores de carboidratos, proteínas e fibras (Quadro 1).

Quadro 1: Composição nutricional em base seca (%) de espécies de cogumelos comestíveis

Os carboidratos correspondem, em média, por metade da matéria seca dos cogumelos. Para Domingues et al. (2022), os carboidratos desempenham importantes funções em nosso organismo, como suprimento energético imediato, garantindo o bom funcionamento do sistema nervoso central (SNC), função estrutural nas membranas plasmáticas das células, ou atuando como receptores e sinalizadores ao interagirem com moléculas e outras células. Além disso, a quebra do glicogênio armazenado fornece energia para os músculos e evita que as proteínas dos tecidos sejam utilizadas para o fornecimento de energia (Murray; Rosenbloom, 2018; Hargreaves; Spriet, 2020).

As fibras são carboidratos resistentes à digestão, parte do alimento que lhe confere volume (Ionità-Mîndrican et al., 2022). As fibras dietéticas são a soma da lignina e dos polissacarídeos não-amiláceos da dieta que não são digeridos pelas secreções digestivas humanas (Jha; Mishra, 2021), diferindo da fibra bruta, podendo ser solúveis e insolúveis. 

Fu et al. (2022) e Yu et al. (2023) afirmam que as fibras solúveis são parcialmente fermentescíveis no intestino grosso por enzimas produzidas pelas bactérias intestinais, promovendo alterações benéficas na microbiota intestinal. O processo de fermentação produz ácidos graxos de cadeia curta que contribuem para a diminuição do colesterol LDL, reduzindo os riscos de doenças cardiovasculares (Nweze et al., 2021). As fibras também estimulam o bom funcionamento intestinal, promovendo aumento do bolo fecal e favorecendo os movimentos peristálticos do intestino, prevenindo a constipação intestinal e diverticulite (Domingues et al., 2022). Além disso, elas aumentam a sensação de saciedade e retardam a digestão do amido, tornando mais lenta a absorção de glicose, o que traz benefícios para indivíduos portadores de diabetes (Wu et al., 2023). Em cogumelos, os principais tipos de fibras encontradas são a quitina, beta-glucana e hemicelulose (Yu et al., 2023).

O teor de lipídios geralmente varia de 0,1 a 16,3% e eles contêm ácidos graxos essenciais, incluindo ácido palmítico, ácido oleico e ácido linoléico como seus principais componentes (Li et al., 2023). Sande et al. (2019) afirmaram que, em muitos casos, os ácidos graxos essenciais são uma parte substancial do conteúdo lipídico, pois os níveis de ácidos graxos insaturados nos cogumelos são geralmente mais elevados do que os saturados.

As proteínas também fazem parte da constituição dos cogumelos e são essenciais para inúmeros processos biológicos (Domingues et al., 2022). González et al. (2020) e Ayimbila e Keawsompong (2023) destacam que as proteínas dos cogumelos normalmente têm um perfil completo de aminoácidos essenciais, atendendo às necessidades dietéticas. 

Entretanto, Furlani e Godoy (2005) afirmaram que os cogumelos também possuem uma quantidade significativa de compostos nitrogenados não proteicos, na forma de quitina (N-acetilglicosamina) em suas paredes celulares e tais compostos não são digeríveis. Para não superestimar o conteúdo proteico de cogumelos, o fator 4,38 é adotado, pois esse valor assume que 70% dos compostos nitrogenados existentes nos cogumelos sejam digeríveis pelo organismo humano (0,70*6,25=4,38).

Sande et al. (2019) relataram que diante de dietas restritivas, como o vegetarianismo e o veganismo, o consumo de cogumelos é uma importante alternativa livre de colesterol em substituição às proteínas, fibras e gorduras de produtos de origem animal mantendo, ainda, as características nutricionais. Assim, eles são produtos atrativos para os indivíduos vegetarianos e veganos por conterem aminoácidos essenciais encontrados em proteínas animais, além de serem fonte natural de vitamina D2 (Castellanos-Reyes et al., 2021), de vitaminas B1 (tiamina), B2 (riboflavina), C e D (Landingin et al., 2021).  

O teor de proteínas e o grau de hidrólise em cogumelos P. ostreatus foram avaliados por Goswami et al. (2022), que observaram que os hidrolisados da proteína desse cogumelo apresentaram características funcionais melhoradas em comparação ao cogumelo não hidrolisado, como capacidade e estabilidade de espuma, além de propriedade emulsificante, concluindo que a proteína de cogumelo hidrolisada pode ser utilizada como ingrediente para aplicações alimentícias e nutracêuticas.

Considerações e perspectivas

Os fungos nativos da Mata Atlântica apresentam grande potencial de utilização para consumo alimentar. Diante disso, torna-se fundamental o estudo e a conscientização dos consumidores sobre os benefícios do consumo dos cogumelos da Mata Atlântica pelo potencial de fornecimento de produtos de elevada qualidade. Ao mesmo tempo, os cogumelos se destacam como uma importante fonte de proteínas para consumidores não adeptos a dietas de origem animal. Estudos que comprovem a segurança de seu consumo são necessários, bem como aqueles que buscam compreender como a metodologia de produção e de processamento interferem na qualidade deste alimento.

 

Referências

Sair da versão mobile