Práticas domésticas de redução de resíduos de agrotóxicos em hortifrutis

Introdução

Recentemente, os consumidores estão cada vez mais conscientes em relação aos hábitos alimentares e vêm buscando uma dieta saudável por meio do consumo de frutas e hortaliças. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o consumo diário de 400g de frutas e hortaliças ou cinco porções, a fim de garantir a ingestão necessária de fibras para conferir benefícios à saúde do trato gastrointestinal e reduzir doenças crônicas não transmissíveis. No entanto, essa recomendação esbarra no problema da contaminação dos vegetais por resíduos de agrotóxicos.

A necessidade de modernização da agricultura e a ampliação da produção agrícola levou o Brasil a iniciar a utilização de agrotóxicos no período conhecido como Revolução Verde (Pereira; Angelis-Pereira, 2021). 

Estudos evidenciam que esses produtos, além de causar a contaminação de solos, água e animais na natureza, provocam efeitos deletérios na saúde humana (Paraná, 2018), sendo que o consumo de alimentos contendo resíduos de agrotóxicos é a principal via de exposição à estes contaminantes (Mir et al., 2021). 

As intoxicações gastrointestinais, hepáticas, neuropatias, alterações do sistema reprodutivo, transtornos psíquicos, depressão e cânceres estão entre os efeitos nocivos da exposição a estes compostos (Pignati et al., 2022). Essa triste realidade se deve, muitas vezes, ao fato da agricultura brasileira utilizar elevado índice de agrotóxicos (Spadotto; Gomes, 2021), sendo que os inseticidas organofosforados estão entre os mais intensamente aplicados (Ferreira et al., 2018).

A população brasileira é carente de práticas domésticas usuais que possam ser utilizadas na redução de resíduos de agrotóxicos em alimentos e, considerando que os consumidores estão expostos aos resíduos seja através do ambiente ou por meio da alimentação (Marques; Silva, 2021; Pereira; Angelis-Pereira, 2021), é necessário que possamos conhecer diferentes práticas que possibilitem a sua redução. 

Como podemos reduzir os resíduos desses produtos químicos em hortifrutis?

Nos alimentos, os resíduos de contaminantes são detectados em produtos in natura, cozidos ou processados, porém os alimentos crus são alvo de atenção dos consumidores (Ling et al., 2011). O processamento doméstico como a lavagem e remoção da casca e o industrial tal como a esterilização e tratamentos térmicos (Cabreral et al., 2014) podem reduzir os resíduos de pesticidas a níveis toleráveis (Mekonen; Ambelu; Spanoghe, 2019). 

Figura 1. Formas de redução dos contaminantes químicos a nível doméstico

Fonte: elaborada pelos autores.

A redução de resíduos é influenciada pela sua localização nos alimentos e nas suas propriedades físico-químicas (Cabreral et al., 2014). No que se refere à localização superficial dos resíduos, a lavagem de frutas, hortaliças e legumes em água corrente é o meio mais comum para reduzir a presença de resíduos de agrotóxicos. Kaushik et al. (2019) evidenciou em seus estudos que a redução dos níveis dos resíduos de clorpirifós (composto organofosforado) em tomates foram maiores quando os frutos foram lavados em água morna que aqueles que foram lavados em água natural. Para Pereira e Angelis-Pereira (2021), um aspecto importante na redução dos resíduos de agrotóxicos é o tempo dedicado à limpeza dos alimentos. Neste caso, a remoção será mais eficaz naqueles alimentos que foram submetidos por um período maior de imersão ou que foram lavados por um tempo mais prolongado (Wu et al., 2019).

Já Yang et al. (2017) realizaram estudos com maçãs para verificar a eficácia de agentes de lavagem comerciais como a água sanitária e de soluções caseiras como bicarbonato de sódio – NaHCO3, na remoção de resíduos superficiais (que agem na superfície dos vegetais) e sistêmicos (que penetram no interior do vegetal).  A solução de bicarbonato de sódio demonstrou ser mais eficaz na remoção de resíduos superficiais do que através da água potável ou água sanitária.  Este estudo evidenciou que a solução de lavagem contendo 10 mg/mL de NaHCO3, quando aplicada por 12 a 15 minutos, foi possível eliminar totalmente os resíduos superficiais de tiabendazol e fosmete, respectivamente, após uma exposição de 24 horas a esses contaminantes químicos cuja concentração de aplicação foi de 125 ng/cm2. Entretanto, foi constatado que NaHCO3 não apresenta o mesmo efeito na remoção quando os resíduos estão presentes no interior das maçãs. Os resultados apontaram que o método convencional de lavagem pós-colheita usando apenas solução de água sanitária por 2 minutos não é eficaz para a completa remoção dos resíduos de agrotóxicos na superfície das maçãs, sendo que o uso de NaHCO3 se mostrou mais eficaz nesse aspecto. A presença de NaHCO3 favorece a degradação do tiabendazol e do fosmete, o que promove a força de remoção física durante o processo de lavagem. 

Assim, esse estudo não só destaca a importância do NaHCO3, como agente capaz de remover de modo eficaz os resíduos de agrotóxicos superficiais, como também aponta para as limitações em relação aos resíduos sistêmicos nas maçãs. Logo, lavar as maçãs com solução de NaHCO3 pode diminuir a presença de agrotóxicos, principalmente aqueles superficiais, da casca da fruta.

Além de lavar cuidadosamente os vegetais, um outro método bastante simples e prático consiste na retirada da casca de frutas e legumes, como meio de reduzir os níveis de resíduos de agrotóxicos. Descascar os alimentos favorece a redução dos resíduos dos agrotóxicos que estão presentes na superfície, como verificado no estudo de Kong (2011), em que houve redução de 99% de dicofenoconazol em tomates a partir do descascamento. 

 No entanto, torna-se desafiador a remoção dos contaminantes químicos naqueles produtos que tiveram incorporação dos agrotóxicos em seus tecidos. Leili et al. (2016) destaca que, embora o descascamento reduza o valor nutricional dos alimentos, este procedimento é ainda mais eficiente que a lavagem para a remoção de resíduos de agrotóxicos.

No trabalho de Ferreira et al. (2018) foi realizada uma estimativa da ingestão de resíduos de agrotóxicos organofosforados por crianças e adultos, considerando o consumo da população brasileira e a recomendação diária de consumo de frutas e hortaliças. Com base no consumo alimentar da população brasileira, os resultados mostraram que apenas o agrotóxico metidationa excedeu o parâmetro toxicológico de segurança para as crianças. Caso o consumo de frutas e hortaliças pela população brasileira alcançasse a recomendação da OMS, seis agrotóxicos excederiam o percentual de Ingestão Diária Aceitável (IDA) para crianças: diazinona, dicofol, dimetoato, metamidofós, metidationa e protiofós. Já para adultos, o estudo mostrou que três agrotóxicos excedem o percentual de IDA: dicofol, metamidofós e metidationa, evidenciando o uso indiscriminado desses inseticidas. Portanto, o incentivo ao consumo de vegetais deve vir acompanhado de programas de monitoramento da comercialização do uso desses agentes químicos e dos seus resíduos nos alimentos. 

A aquisição de produtos diretamente de pequenos agricultores, consumo de alimentos da estação e o cozimento são contribuições importantes para a redução de agrotóxicos de frutas, legumes e verduras. Essas práticas podem contribuir para a redução de resíduos em hortifrutícolas, mas não devem ser as únicas e definitivas, pois existem limites residuais extrapolados, produtos sistêmicos e período de carência não respeitado (Pereira; Angelis-Pereira, 2021).

Diante disso, torna-se fundamental o fortalecimento dos setores responsáveis pela fiscalização do comércio e uso de agrotóxicos, além da implementação de políticas públicas que incentivem práticas agroecológicas e orgânicas como forma de assegurar uma alimentação mais saudável e com menos riscos para a saúde dos consumidores.

 

Referências

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