Reaproveitamento de bagaço de malte no processamento de alimentos

Introdução

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU, 2015), se o ritmo de consumo continuar crescendo, a FAO estima que em 2050, será necessário 60% a mais de alimentos, 50% a mais de energia e 40% a mais de água. Com a expectativa de 9 bilhões de habitantes do planeta em 2050, esforços e investimentos que promovam a transição global para sistemas de agricultura e gestão de terra sustentáveis são necessários. Estas medidas implicam também na redução considerável de desperdício de alimentos, gerando menos impacto ambiental.

O Brasil ocupa o terceiro lugar entre os maiores produtores mundiais de cerveja. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), em 2022, houve o consumo de, aproximadamente, 16 bilhões de litros de cerveja no país. No entanto, apesar da elevada produção, as cervejarias são responsáveis pela geração de resíduos sólidos durante o processamento, como é o caso do bagaço do malte que é considerado o principal subproduto da cerveja, uma vez que a cada 100 litros da bebida, aproximadamente 20 quilos desse resíduo são gerados (Silva, 2023). Com o aumento crescente do número de microcervejarias, este número tende a aumentar, levando a grandes volumes de descarte pelas indústrias (Nascimento, 2021).

O bagaço de malte descartado apresenta aparência pastosa e úmida, e é composto por água e casca de cevada, sendo rico em fibras e proteínas, sendo na maioria das vezes destinado à alimentação animal. Entretanto, o conteúdo de proteínas e o perfil mineral, principalmente, o torna muito promissor, enquanto matéria prima, para o desenvolvimento de produtos alimentícios saudáveis de maior valor agregado (Leite; Souza, 2019). 

Dessa forma, sua reutilização vem atraindo os olhares de pesquisadores da área de alimentos devido às suas propriedades nutricionais. Massardi, Massini e Silva (2020) avaliaram bagaço de malte a fim de possibilitar seu reaproveitamento como matéria-prima para produtos de valor agregado. Os autores encontraram teores de 29,92% de hemiceluloses, 21,16% de proteínas, 20,80% de lignina total, 15,99% de celulose e 3,76% de cinzas no material, ressaltando a possibilidade de diversas aplicações do resíduo como matéria-prima para obtenção de produtos nutricionalmente interessantes e de maior valor agregado. Além da composição química, as fibras do bagaço de malte podem ser caracterizadas quanto à suas propriedades funcionais, com o objetivo de direcionar para as mais diferentes aplicações na indústria de alimentos (Mello; Virgílio; Mali, 2013), como modificador de textura, melhorando a viscosidade de produtos, além de poder atuar estabilizando emulsões.

Essas características funcionais do bagaço auxiliam na redução do colesterol, acelera o trânsito intestinal e atua como antioxidante, sendo um potencial para exploração industrial (Hermann; Souza, 2021).

Santos et al. (2002) esclarece que o uso do bagaço em alimentos é melhorado quando o mesmo é seco, uma vez que o processo reduz seu volume e proporciona um menor custo de transporte e armazenamento, visto que o bagaço apresenta elevada umidade.
Assim, pesquisas têm sido realizadas avaliando a adição do bagaço de malte em alimentos e sua transformação em farinha apresenta ampla versatilidade, com apelo nutricional e funcional.

Costa (2019) elaborou e caracterizou farinha de bagaço de malte, obtida em microcervejarias, e verificou o potencial de sua utilização em produtos de panificação. A autora elaborou pães com a farinha de bagaço de malte, farinha de trigo integral e farinha de trigo tradicional e constatou que aqueles com substituição de 15% de farinha de trigo por farinha de bagaço de malte obtiveram boa aceitação sensorial e intenção de compra, enquanto o pão com substituição de 30% não diferiu (p>0,05) do pão controle, com 100% de farinha de trigo especial.

A fim de agregar valor ao bagaço de malte e torná-lo um subproduto com maior empregabilidade, Oliveira et al. (2019) desenvolveram uma formulação para pães de hambúrguer contendo 60% e 75% de bagaço de malte úmido em relação a farinha de trigo. A análise sensorial do produto evidenciou boa aceitação pelos avaliadores, sendo a amostra controle, isenta de bagaço, e a amostra contendo 60%, a mais aceita.

Um produto cárneo bovino, tipo “hambúrguer”, utilizando farinha de bagaço de malte como substituta parcial da gordura e da carne, visando elaborar um produto mais saudável e com menor custo de produção, foi objeto de estudo de Nascimento (2021). A partir dos resultados obtidos, verificou-se que a adição de farinha de bagaço de malte melhorou a qualidade nutricional dos “hambúrgueres”, contribuindo com as propriedades tecnológicas e também com a redução de custos de produção.

Marques (2022) elaborou farinha de bagaço de malte e desenvolveu biscoitos de cúrcuma com 20, 30 e 40% da farinha obtida. A farinha do bagaço de malte apresentou 73,00% de carboidratos totais, 11,85% de umidade, 10,70% de proteínas, 2,48% de lipídios e 1,97% de cinzas. Após avaliação sensorial, a autora concluiu que o biscoito contendo 30% da farinha apresentou maior aceitabilidade sensorial, sugerindo que o uso da farinha é promissor.

Segundo Vaneli (2022), o bagaço de malte pode ser usado na produção de derivados lácteos com apelo nutricional e funcional. Nesse contexto, a autora desenvolveu iogurte grego sabor açaí com morango, adicionado de farinha de bagaço de malte. Os iogurtes gregos apresentaram 5,80 a 6,42g/100g de proteína e a formulação contendo 7,3% apresentou-se bem aceita pelos consumidores, sendo uma possibilidade para diversificação de produtos lácteos.

O potencial de utilização da farinha em gelados comestíveis foi tema do trabalho de Assis (2020) que elaborou e caracterizou sorvete sabor açaí com morango adicionado de farinha de bagaço de malte. Os sorvetes apresentaram 3,68 a 4,70 g/100g de proteína, 58,11 a 63,65 g/100g de umidade, 0,75 a 1,11 g/100g de cinzas, 13,3 a 18,3 g/100g de gordura e 29,80 a 35,41 g/100g de carboidratos. Todas as formulações de sorvete foram bem aceitas pelos avaliadores e apresentaram boa intenção de compra. 

A adição de bagaço de malte em barras de cereal pode ser uma alternativa interessante, principalmente pela possibilidade de impactarem na saciedade (Capelezzo et al., 2020). Os autores desenvolveram uma barra de cereal adicionando resíduo do bagaço de malte e observaram características promissoras, como o alto teor de proteínas (6,60%) e baixo teor de carboidratos (54,89%), quando comparado com barras comerciais, concluindo que este resíduo pode ser incorporado em produtos alimentícios.

Hermann e Souza (2021), avaliaram a adição do bagaço de malte nas características de linguiças frescais de carne suína ao longo de 10 dias de armazenamento. Foram desenvolvidas quatro formulações de linguiça frescal, sendo a formulação controle, sem adição de bagaço de malte e outras três com 3%, 6% e 9% do bagaço. A adição de 3% de bagaço de malte na linguiça se mostrou a melhor opção, uma vez que além de promover um aumento no valor nutricional do produto, este apresentou uma boa aceitabilidade por parte dos consumidores.

Considerações finais

A reutilização do resíduo de produção de cerveja na alimentação humana representa uma vantagem de caráter ecossustentável, uma vez que contribui para evitar seu descarte no ambiente, cumprindo-se a responsabilidade ambiental. Aliado a isso, essa prática deve ser explorada, cada vez mais, devido às boas características nutricionais do bagaço de malte e sua oferta abundante. Outras pesquisas de incorporação do bagaço no desenvolvimento de novos produtos alimentícios como pães, bolos, biscoitos, snacks, barras de cereais e de frutas, além de bebidas não alcoólicas como sucos, chás e bebidas lácteas, entre outras, devem ser realizadas.

 

Referências

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