Substituição dos antibióticos por fitoterápicos na tilapicultura

Introdução 

A piscicultura (Figura 01) vem crescendo de forma exponencial (aumento de 3% na produção mundial de tilápias de 2022 para 2023, elevando-se de 6,65 para 6,7 milhões de toneladas) e com essa intensificação dos sistemas de produção, os peixes são expostos a condições de estresse, tais como os manejos adotados nos sistemas de criação, mudanças climáticas, qualidade da água e nutrição (ELABD et al., 2019), os quais podem interferir na sua homeostase e impactar negativamente o sistema imunológico e a fisiologia do animal (Peixe BR, 2024; GARCÊZ, 2021).

Figura 01 – Sistema de produção de tilápias-do-Nilo (Oreochromis niloticus) em tanques redes. Fonte: Autores.

A tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus) (Figura 02) é a espécie mais produzida no Brasil, respondendo por 63,9% da piscicultura nacional, com 550.060 toneladas em 2022, tornando o Brasil o quarto maior produtor de tilápia do mundo (PEIXE BR, 2023). Essa estatística é suportada pelo fato de que a tilápia é onívora, apresenta crescimento rápido, adapta-se facilmente a alimentos artificiais e sistemas de produção intensivos e é bem aceita pelos consumidores (VICENTE et al., 2014).

Figura 02 – Tilápias-do-Nilo (Oreochromis niloticus). Fonte: Autores.

O filé é a preferência nacional de consumo da carne desta espécie. Além disso, trata-se de um peixe que apresenta elevado valor nutritivo, constituído por proteínas de alto valor biológico, aminoácidos essenciais e ácidos graxos, especialmente da série ômega-3, os quais são benéficos à saúde humana (MÁRSICO et al., 2006).

Os manejos atribuídos ao transporte e na recepção de novos lotes contribuem para uma situação de estresse, fato que gera predisposição aos agentes patogênicos (SILVA & MORON, 2014). O uso indiscriminado de produtos químicos acarreta em problemas como o aumento da seleção de microrganismos resistentes e, consequentemente, a proliferação de bactérias resistentes, devido à morte das não resistentes ao antibiótico, havendo também a possibilidade de transferência dos genes de resistência às outras bactérias nunca expostas ao antibiótico. O uso excessivo de antibióticos na aquicultura pode impactar negativamente a saúde dos peixes e do homem, assim como o ambiente aquático, devendo ser melhor avaliado e regulamentado (CABELLO et al., 2013).

Os aditivos surgiram como uma alternativa para a prevenção de doenças e melhoria do desempenho na aquicultura, sendo uma estratégia profilática focada na nutrição e que vêm sendo testada como estimulantes da imunidade para melhoria do desempenho, diminuição do estresse pela maior resistência a enfermidades e melhor saúde do trato gastrintestinal e consequentemente, melhor eficiência dos nutrientes das rações. Portanto, há uma necessidade do estudo de aditivos alimentares alternativos aos antibióticos como promotores da saúde e crescimento animal (CORNÉLIO, 2023)

Atualmente, as plantas medicinais estão sendo testadas na aquicultura como uma substância segura e ecologicamente correta para modular o estado imunológico, melhorar o desempenho do crescimento e prevenir doenças dos peixes. Além disso, diferentes partes (por exemplo, folha, flor e rizoma) e formas (por exemplo, bruto, extrato e ingrediente ativo) das plantas são utilizadas para modular funções biológicas específicas (por exemplo, promotor de crescimento, antiestresse, imunoestimulantes, estimulação do apetite, antibacteriano, anti- parasita e antivírus). As plantas medicinais também são utilizadas para defender os animais da aquicultura de fatores de estresse externos, como má qualidade da água, alta temperatura ambiental e superlotação (TADESE et al., 2022).  

A eficácia dos medicamentos fitoterápicos resulta de seus componentes bioativos (ULLAH et al., 2016) e de vários componentes bioativos, como  polissacarídeos ,  flavonóides, polifenóis,  saponinas, alcalóides, óleos essenciais e terpenóides têm sido amplamente utilizados na prevenção e controle de doenças virais, bacterianas, parasitárias e fúngicas em peixes (ZHANG et al., 2022)

Fitoterápicos 

Os medicamentos fitoterápicos podem ser administrados com planta inteira, partes de uma planta (folha, raiz ou semente) ou compostos de extrato usados ​​isoladamente ou em combinação com outros aditivos  alimentares ;  podem ser aplicados na ração ou através da imersão dos peixes em água tratada (Quadro 1) (CHANG, 2000). 

Quadro 1. Fitoterápicos com potencial para a piscicultura 

Nome popular 

Espécie  Princípios ativos  Indicação potencial  Forma de aplicação 

Carqueja

Baccharis trimera Flavanóides, óleos essenciais – carquejila Antibacteriano e antifúngica Banho 

Macela 

Achyrocline satureioides Flavanóides, sequiterpenos e terpenos Antiviral, antifúngica e antimicrobiana Banho 

Alecrim pimenta

Lippia sidoides Timol Antibacteriano, antifúngica e antimicrobiana Banho 

Erva cidreira brasileira

Lippia alba Citral e outros componentes como ação de biodefensivos Antibacteriano antifúngica e antimicrobianas

Banho 

Terramicina Alternanthera brasiliana Terpenos, esteróides e compostos fenólicos. Fitosterol e B-sitosterol Antiviral, antibiótica e antitumoral

Banho 

Pariri Geotrygon montana Flavanóides Sistema imunológico, antiviral e cicatrizante

Alimentação e banho 

Fáfia brasileira Hebanthe paniculata Saponinas e substâncias nutritivas Sistema imunológico e antitumoral

Alimentação

Guaçatonga  Casearia sylvestris Terpenos e flavanóides Antibacteriana, anti-inflamatória, antiviral e cicatrizante

Banho 

Tansagem  Plantago major Taninos Anti-inflamatória

Alimentação e banho 

Picão preta Bidens pilosa Derivados de poliacetilenos e flavanóides Antibiótica, anti-inflamatória, antimicrobiana e antiviral

Alimentação e banho 

Adaptado de SCHALCH et al. (2015).

Os metabólitos secundários das plantas podem estimular a imunidade por meio de respostas imunes inatas e adaptativas,      podem desencadear a atividade das células imunológicas, aumentar a fagocitose e aumentar a secreção de marcadores inflamatórios para resistir a vários patógenos. Por apresentarem resultados promissores na maioria das investigações e apresentarem baixos níveis de toxicidade e estresse, os compostos bioativos fitoterápicos podem ser recomendados como medida profilática e terapêutica na indústria da aquicultura (AHMADIFAR et al., 2021). 

Os compostos bioativos são responsáveis ​​pelas atividades biológicas dos fitoterápicos, como alcalóides, carotenóides e compostos fenólicos. As atividades biológicas dos fitoterápicos podem ser anti-inflamatórias, antimicrobianas, antioxidantes, entre outras. Geralmente, os fitoterápicos desempenham um papel importante na promoção do crescimento da microbiota intestinal, aumentando a eficiência alimentar e ativando os genes relacionados com o sistema imunitário para melhorar o sistema imunitário dos peixes (KARI et al., 2022). 

Parâmetros hemato-imunológicos 

Estudo realizado por Ferreira et al. (2021) avaliaram a utilização de diferentes concentrações de óleo de alecrim-pimenta (L. sidoides) como aditivo alimentar sobre os parâmetros hemato-imunológicos (hematócrito, proteína total, hemoglobina, contagem de eritrócitos, contagem de trombócitos, leucograma) e zootécnicos (peso, comprimento e produtividade) de tilápia-do-nilo, em concentrações de 0% (Controle); 0,5%, 1,0%, 2,0%, 4,0% de óleo essencial por kg de ração comercial. Os resultados dos parâmetros zootécnicos mostraram que o óleo essencial não influenciou significativamente nestas variáveis, apesar de uma tendência de maior peso final, em torno de 6% nos peixes alimentados com a maior concentração de L. sidoides. Em relação aos parâmetros hemato-imunológicos, não foram observados diferenças      significativas      na contagem de eritrócitos, proteína total, contagem de trombócitos e leucograma. Por outro lado, foi observado um aumento significativo na porcentagem de hematócrito, concentração de hemoglobina e nas constantes corpusculares na concentração de 2% em comparação com os demais grupos, que pode indicar que os animais poderiam estar melhores preparados para uma situação adversa.

Pereira et al. (2020) avaliaram os efeitos da suplementação dietética com diferentes doses de hidrolato de açafrão (Curcuma longa) sobre os parâmetros hematológicos, imunológicos e zootécnicos da tilápia-do-Nilo cultivada em sistema de recirculação (RAS), com dosagens 0%, 2,5%, 7,5% e 10,0%.  Na análise hematológica, os peixes alimentados com 2,5% apresentaram maior número de leucócitos, monócitos e linfócitos que o controle, enquanto as doses de 7,5% e 10,0% não diferiram. A atividade antimicrobiana apresentou diminuição significativa com o aumento da dose de hidrolato de C. longa . Os demais dados hematológicos, imunológicos, hepatossomáticos e zootécnicos não diferiram entre os tratamentos. Assim, a suplementação do hidrolato de Curcuma longa dosagem de 2,5%, melhorou e manteve os parâmetros da homeostase imune sanguínea nesses animais.

A curcumina é um composto polifenólico encontrado naturalmente no rizoma da planta açafrão (Curcuma longa). Ele contém compostos biologicamente ativos, como alcalóides, triterpenóides e açúcares redutores que possuem propriedades imunomoduladoras e atuam como prebióticos. A curcumina pode fortalecer o equilíbrio da flora intestinal positiva e negativa e aumentar a digestão e absorção intestinal, estimulando assim a saúde geral e aumentando o crescimento dos peixes (YAZDI et al., 2019).  

Estudo de Monir et al. (2020) avaliaram e compararam o desempenho do crescimento e as atividades do sistema imunológico da moringa (Moringa oleífera) nas dosagens de 0,15% e 0,25%, e romã (Punica granatum) nas dosagens de 0,3% e 0,5% por Kg de ração em tilápias-do-Nilo. O desempenho do crescimento foi significativamente afetado pela Moringa em comparação com o grupo controle sem suplementação de extrato vegetal, enquanto os níveis de de romã não afetaram o desempenho do crescimento. Os resultados indicaram que a adição de moringa e romã melhorou o perfil lipídico, as funções hepática e renal e a resposta imunológica às doenças bacterianas. Além disso, os peixes      com dietas suplementadas com moringa na concentração 0,25%/Kg apresentaram     o melhor desempenho de crescimento e melhoraram      a imunidade. Além disso, exibiu a maior proteção contra infecção bacteriana com Aeromonas hydrophila , alcançando a menor taxa de mortalidade de 10% em comparação com 80% de taxa de mortalidade no grupo controle.

Estudo realizado por Rezende et al. (2021) testaram a incorporação de uma mistura de fitobióticos como óleos voláteis de tomilho, tomilho vermelho e alecrim-pimenta na dieta sobre o desempenho de crescimento,  estresse oxidativo, respostas imunológicas e hematológicas e a resistência de juvenis  de tilápia-do-Nilo quando submetidos a um desafio com  Aeromonas hydrophilaem comparação com um antibiótico sintético (enrofloxacina). Níveis de glicose plasmática, atividade respiratória de leucócitos, níveis séricos de  lisozima, número de eritrócitos e leucócitos circulantes, níveis de  peroxidação lipídica (LPO),  catalase (CAT) e  glutationa.  A atividade da S-transferase (GST) foi avaliada ao final de 20 dias de alimentação (fase) e 24 horas após a exposição à bactéria (fase II). A suplementação de fitobióticos e antibiótico não alterou os parâmetros de desempenho, mas foi suficiente para aumentar a lisozima, leucócitos,  neutrófilos  monócitos após o desafio bacteriano, redução da atividade de CAT e LPO e maior atividade de GST. Os resultados do presente estudo sugerem que os fitobióticos como suplemento alimentar apresenta benefícios e pode substituir os antibióticos sintéticos, para proporcionar maior proteção antioxidante na tilápia do Nilo, mitigar os impactos dos estressores e modular a imunidade, proporcionando aos peixes maior resistência e proteção contra doenças.

Ação antiparasitária 

Estudos apontam a viabilidade na utilização de produtos alternativos no tratamento de parasitoses. A utilização de extratos de plantas para fins medicinais tem ganhado espaço explorado em peixes, no entanto no Brasil a aquicultura e especialmente a piscicultura continental tem apresentado crescimento anual expressivo de mais de 5,9 % ao ano (PEIXE BR, 2021).

Estudo realizado por Silva et al. (2021) foram avaliadas diferentes concentrações e tempos de exposição do hidrolato de Mentha × villosa para o controle de monogenéticos em tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus). Os resultados indicaram que a concentração de hidrolato de 20 ml/l apresentou eficácia de 59,9% e a maior redução na prevalência do patógeno, abundância média e infecção média em relação ao controle e a menor concentração (10 ml/l). Segundo os autores os banhos terapêuticos de hidrolato de M.villosa na concentração de 20 ml/l por 60 minutos têm efeitos antiparasitários satisfatórios (89,28%) e podem ser usados para controlar infestações monogenéticas nas brânquias e muco da tilápia-do-Nilo. 

Meneses et al. (2018) avaliaram a atividade anti-helmíntica do óleo essencial de manjericão (Ocimum gratissimum) contra Cichlidogyrus , bem como sua toxicidade aguda em juvenis de tilápia. Foram avaliadas a concentração letal média (CL 50) e diferentes concentrações do óleo essencial, tanto em ensaios in vitro quanto in vivo (banhos de curta e longa duração). A CL 50 foi de 40,70mg/l e no ensaio in vitro esta concentração apresentou eficácia de 80% nas últimas duas horas e no ensaio in vivo de 65,87% de eficácia em banho de longa duração. No entanto, provocou alterações morfológicas nas brânquias como hiperplasia e edema. A exposição do parasito na maior concentração (320mg/l) apresentou 100% de mortalidade após 2h de exposição no ensaio in vitro, enquanto no ensaio in vivo, banhos de curta duração de 5min por 3 dias consecutivos apresentaram eficácia de 87,71% sem danos nas guelras. Esses resultados demonstram a atividade anti-helmíntica do óleo essencial de O. gratissimum e a concentração segura para uso em tilápia-do-Nilo.

Hashimoto et al. (2015) objetivaram controlar o parasitismo por Monogenea em tilápia-do-Nilo, analisando a eficácia dos óleos essenciais das plantas Lippia sidoides (alecrim-pimenta) e Mentha × piperita (hortelã-pimenta), sobre os índices parasitológicos, em que os peixes foram expostos a banhos de L. sidoides à concentração de 20 mg/l e banhos de M. piperita à concentração de 40 mg/l, e peixes controle apenas com banhos de água e peixes controle com banhos de água + DMSO (dimetilsulfóxido). A prevalência do parasito teve redução de aproximadamente 70% nos grupos tratados. A eficácia obtida no tratamento com L. sidoides comparada com controle água e água + DMSO foi de 1,96% e 14,16%, respectivamente e no tratamento com M. piperita comparada com os controles foi de 33,33% e 41,63%, respectivamente. Recomenda-se o uso do óleo essencial de M. piperita na concentração de 40 mg/l, o qual mostrou positiva atividade antihelmíntica.

Conclusões 

O crescimento exponencial da piscicultura no Brasil reflete a busca por suprir a demanda crescente por proteína animal, especialmente a tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), que lidera a produção nacional. No entanto, essa intensificação da produção não é isenta de desafios, como estresses causados ​​por manejos, variações climáticas, qualidade da água e nutrição. Esses fatores podem afetar a homeostase dos peixes, comprometendo sua saúde, imunidade e bem-estar.

Nesse contexto, os fitoterápicos surgem como uma solução promissora e ecologicamente sustentável para enfrentar essas questões complexas. Os estudos revisados ​​​​demonstram que os fitoterápicos podem influenciar efetivamente as alterações hematológicas, imunológicas e zootécnicas em peixes como a tilápia-do-Nilo. Além disso, eles oferecem uma alternativa promissora aos antibióticos     , ajudando a reduzir a resistência antimicrobiana e minimizando os impactos ambientais. Os fitoterápicos também podem contribuir para a melhoria da qualidade dos produtos de aquicultura, proporcionando benefícios nutricionais e para a saúde humana.

À medida que a pesquisa nesse campo continua a avançar, é importante explorar ainda mais os mecanismos de ação, dosagens eficazes e impactos a longo prazo dos fitoterápicos na piscicultura.

 

Referências bibliográficas

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