Uso da Quitosana para microencapsulação de probióticos

ALIMENTOS FUNCIONAIS

As constantes preocupações com a saúde, em conjunto com o avanço em estudos relacionados à nutrição, convergem para que os consumidores busquem alimentos mais saudáveis, com o intuito de prolongar e ter mais qualidade de vida (Safraid, 2019). A alimentação saudável pode ser definida como aquela que atende a todas as exigências do corpo. Além de ser fonte de nutrientes, a alimentação envolve diferentes aspectos, como valores culturais, sociais, afetivos e sensoriais (Lima Junior, 2020). Dentre os alimentos saudáveis, têm destaque os alimentos funcionais.

Conceitualmente, os alimentos funcionais são definidos como alimentos consumidos como parte da dieta que, além do fornecimento de nutrientes básicos para a dieta, apresenta benefícios para o funcionamento metabólico e fisiológico, trazendo benefícios à saúde física, mental e prevenindo doenças crônico-degenerativas. Para que os alimentos funcionais sejam eficazes é preciso que seu uso seja regular e que esteja associado a hábitos alimentares saudáveis (Angelis, 2001; Figueiredo; Carvalho, 2020). Os alimentos funcionais se dividem em diferentes classes, dentre eles, os probióticos. 

O FDA (Food and Drug Administration) define como probióticos os microrganismos que, quando administrados em quantidades suficientes, conferem uma ação benéfica à saúde do paciente. Os probióticos podem ser ingeridos através de formulações específicas (suplementos), através de produtos lácteos como iogurte, queijo e sorvete, ou mesmo em produtos não lácteos. Em geral, várias espécies da família Lactobacillaceae, como Lactobacillus acidophilus (L. acidophilus), L. casei, L. rhamnosus e L. helveticus, têm sido extensivamente estudadas para a prevenção de certos distúrbios de saúde (Ballini et al., 2023).

Os probióticos devem manter sua atividade, funcionalidade e estabilidade em condições de armazenamento por longos períodos de tempo, mesmo em baixas temperaturas. No entanto, os probióticos, quando administrados em sua forma pura, não exibem essas características e não apresentam boa biodisponibilidade, devido à sua incapacidade de penetrar nas membranas celulares e sua descarga rápida do corpo; todas essas características podem ser preservadas e melhoradas ao realizar o microencapsulamento (Ballini et al., 2023). Vale salientar que a literatura também demonstra o uso da técnica de microencapsulação, usando a quitosana como material de parede, para conservação de óleos e outros compostos bioativos, além dos probióticos. 

Assim como os probióticos, é possível empregar o uso da técnicas de microencapsulação em outros compostos, como os  óleos essenciais, produtos que possuem uma variedade de aplicações, tendo em vista suas propriedades antioxidantes, antimicrobianas, analgésicas, antidiabéticas e anti-inflamatórias (Kumar; Naraian, 2019; Batiha et al., 2020). Contudo, a aplicação industrial deste produto sofre com limitações que vão desde a composição química, interações com a matriz alimentar e toxicidade, até mesmo suas características sensoriais peculiares (Ribeiro-Santos et al., 2018). As complicações relacionadas ao uso destes produtos,  evidenciam a necessidade de estratégias para enfrentar essas dificuldades, sendo possível assim empregar o microencapsulamento como ferramenta tecnológica. Essas barreiras também são observadas no processamento e aplicação de outros produtos bioativos, como pigmentos, enzimas e compostos antioxidantes, os quais são amplamente utilizados na indústria de alimentos. 

A microencapsulação é uma tecnologia emergente que leva à proteção de diferentes componentes alimentares ou componentes funcionais contra várias condições de processamento, cobrindo-os dentro de um material polimérico ou não polimérico e permitindo sua liberação controlada em condições particulares (Choudhury; Meghwal; Das, 2021). Além disso, ela é considerada um processo que pode ser tanto mecânico quanto físico-químico em que pequenas partículas de materiais sólidos, líquidos ou gasosos são envolvidas por um agente encapsulante, resultando em partículas com diâmetros variando de nanômetros até poucos milímetros. As cápsulas formadas podem ser classificadas como: microcápsulas simples, microesferas, microcápsulas simples irregulares, microcápsulas com paredes múltiplas e aglomerados de cápsulas (Nascimento et al., 2019; Bispo, 2023).

Ainda em relação a microencapsulação, ela é uma técnica que tem como objetivo proteger moléculas bioativas, nutrientes, enzimas e microrganismos, envolvendo materiais específicos que formam paredes. Esse processo resulta na criação de nano ou micropartículas, cujas paredes atuam como barreiras que protegem os compostos de interesse contra fatores ambientais até o momento do consumo (Bispo, 2023).

Diferentes metodologias podem ser usadas para realizar o processo de microencapsulação, onde podemos citar: Coacervação, polimerização interfacial, gelificação iônica, incompatibilidade polimérica, polimerização in situ, lipossomas, extrusão e spray drying (Paulo et al., 2009).

As micropartículas são divididas em dois tipos: microesferas e microcápsulas conforme apresentado na Figura 1. As microcápsulas são caracterizadas por um sistema de reservatório, no qual o agente ativo é envolvido por uma membrana polimérica. Por outro lado, as microesferas apresentam um sistema matricial, onde o agente ativo está dissolvido de forma molecular ou disperso de maneira heterogênea em uma matriz polimérica (Nordstierna et al., 2010; Lopes, 2020).

Figura 1 – Microcápsulas e microesferas.

Fonte: Paulo et al., (2017).

Diferentes materiais de revestimento são usados dependendo de suas propriedades reológicas, sua capacidade de dispersar o composto ativo e estabilizá-lo, inerte em direção ao composto ativo, e sua capacidade de manter adequadamente o composto ativo. Alguns materiais de revestimento incluem carboidratos como amido, maltodextrina, amido modificado, ciclodextrina, celulose; lipídeos como cera, parafina, cera de abelha, diacilgliceróis; gomas como acácia, ágar, carragenina; e proteínas como glúten, caseína e gelatina (Choudhury; Meghwal; Das, 2021). 

Dentre os possíveis materiais utilizados, destaca-se neste a quitosana, um biopolímero obtido pela desacetilação da quitina, podendo ser extraída de carapaças de crustáceos através de processos químicos e microbiológicos. Além disso, pode ser produzida por alguns fungos (Pelissari, 2024).

Figura 2 – Estrutura química da quitosana.

Fonte: Yu et al., (2019).

A desacetilação consiste em converter o grupo acetamida em um grupo amina por meio de reação com uma base altamente alcalina. Essa desacetilação não ocorre em 100% da molécula; há sempre partes da estrutura da quitosana que são estruturalmente semelhantes à quitina, com isso, a quitosana é denominada de copolímero (Annu et al., 2017; Paiva, 2022). A quitosana é conhecida por suas diversas aplicações, destacando-se como um agente antimicrobiano. Podendo ser utilizada de forma isolada ou em combinação com outros compostos bioativos, sendo uma substância biodegradável e segura para o meio ambiente (Tanganini, 2019). 

A quitosana também se destaca por ser biodegradável, biocompatível, abundante, renovável e tem um baixo custo, além de ter a capacidade de formar gel e microesferas. É utilizada em diversas áreas na indústria alimentícia, como na produção de embalagens biodegradáveis, na atuação como biocida, conservante de molhos, clarificante de sucos, conservante de vinhos e no tratamento de água, podendo ser otimizada por meio de modificações químicas e aplicação de nanotecnologia (El Knidri et al., 2018; Kumar et al., 2019; Medeiros, 2023).

No processo de produção das microcápsulas a quitosana é comumente utilizada em conjunto com o alginato, dando forma e estrutura às microcápsulas, sendo a quitosana usada principalmente como material de parede e recobrindo a microcápsula. Essa parede é fundamental para a proteção dos microrganismos em produtos funcionais, realizando de forma controlada a sua liberação no meio através de ações mecânica, influência do pH,  ondas de ultrassom ou ainda da aplicação de energia na forma de calor. Horst (2009),  menciona em seu estudo que as microesferas de quitosana e alginato apresentam boa esfericidade, contando com uma estrutura rugosa, sem fissuras ou porosidade aparente, além de indicar um formato contínuo, similar a de um filme. Na tabela 1, é possível identificar alguns estudos utilizando a quitosana para microencapsulação de microrganismos. 

 

Tabela 1 – Estudos realizados sobre microencapsulação com uso de quitosana.

Microrganismo

Alimento Principais resultados Referências

Lactobacillus casei DN 114-001

Bebida funcional a base de caju A microencapsulação com alginato-quitosana aumentaram a sobrevivência do L. casei durante a simulação gastrointestinal e armazenamento (28 dias in vitro). Soares, 2016

Lactobacillus rhamnosus ASCC 290

“Iogurte” de soja sabor abacaxi A utilização da matriz alginato/quitosana mostrou-se eficaz na encapsulação de L. rhamnosus, garantindo a preservação das propriedades funcionais do “iogurte” ao longo de sua vida útil (28 dias sob refrigeração).

Ladislau, 2017​

Lactobacillus rhamnosus e Lactobacillus casei  Sorvete de cajá A microencapsulação com alginato-quitosana apresentou uma viabilidade superior em comparação aos  microrganismos livres.

Farias, 2017

Lactobacillus acidophilus La-05 Leite caprino e bovino, extrato hidrossolúvel de soja e arroz A microencapsulação com alginato e quitosana manteve a viabilidade de L. acidophilus durante a digestão simulada.

Portela, 2019

Fonte: A Tabela foi organizada pelos autores a partir da compilação de diferentes artigos disponíveis na literatura.

Com base nos estudos relatados, observou-se a predominância do uso de bactérias do gênero Lactobacillus, situação justificada pela sua alta aplicação industrial. Além disso, observou-se a aplicação em produtos lácteos, os quais são evidenciados na literatura como o principal grupo de alimentos, no que diz respeito à produção de alimentos probióticos. 

A partir dos pontos observados, é possível identificar que o método de microencapsulação, utilizando a quitosana como uma estratégia para a produção de alimentos funcionais, especificamente no tocante aos alimentos probióticos, é amplamente pesquisado, com viabilidade técnica industrial crescente. Além disso, pode também contribuir para o aumento da estabilidade dos alimentos e consequente aumento da vida de prateleira, garantindo com que o consumidor receba um alimento dentro das suas expectativas e padrões legais.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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