Você conhece os benefícios do Kefir para sua saúde?

1. Introdução

Alimentos funcionais ou mesmo com potencial funcional têm sido consumidos diariamente no mundo todo. Dentre os alimentos funcionais incluem-se aqueles que possuem microrganismos probióticos. Probióticos, conceitualmente, são microrganismos vivos que quando administrados em quantidades adequadas exercem um efeito benéfico sobre o organismo humano. Muitos desses microrganismos têm sido isolados da microbiota do próprio hospedeiro e são capazes de impactar positivamente a flora ou a microbiota do ser humano e dos animais. 

A alegação de propriedade funcional é relativa ao papel metabólico ou fisiológico que a substância/nutriente ou não nutriente tem no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções do organismo humano e pode ter caráter geral ou específico. Se geral, o benefício está relacionado a uma função do probiótico em algum sistema do organismo, como, por exemplo, contribuir com a saúde do trato gastrointestinal e, se específica, deve estar relacionada a um papel fisiológico ou metabólico específico no organismo, por exemplo, contribuir para aumentar o tempo de trânsito intestinal; contribuir para a digestão da lactose (ANVISA, 2021).

Os probióticos têm sido muito utilizados em leites fermentados, que são um grupo de alimentos baseados na fermentação microbiana de leites de diferentes mamíferos, como, por exemplo, vacas, ovelhas, cabras, búfalas, camelas etc. A fermentação é uma transformação físico-química e microbiológica do leite pela ação de microrganismos especialmente selecionados e adicionados ao leite. 

O kefir é um desses produtos provenientes da fermentação do leite que é conhecido desde épocas milenares por seus benefícios sobre a saúde dos consumidores, sendo considerado um alimento com alegação funcional, podendo possuir em sua composição microrganismos probióticos.

2. Kefir e seus benefícios à saúde 

O termo kefir é derivado da palavra turca keyif, que significa “bom sentimento” pela sensação experimentada depois de beber o produto. O kefir também é conhecido por outras nomenclaturas como: kefer, kefyr, kephir, kepi, kiaphur, kipi e knapon. Embora o kefir comercial seja tradicionalmente fabricado de leite de vaca, pode ser elaborado a partir de leite de ovelhas, cabras e búfalas (D’ANGELIS et al., 2020; FERRARI et al., 2020).

O kefir é um produto versátil, podendo ser utilizado na formulação de diversos outros produtos, o que traz potencial para o aumento do consumo nos próximos anos. Dentre os produtos já formulados com kefir, destacam-se sorvetes (FERREIRA et al., 2020), queijos (ALVES et al., 2021), salame (OLIVEIRA et al., 2021), antepasto (CAMPOLINA, 2017), mousse (RAMOS et al., 2020), e diversas formulações de kefir saborizados (SILVA; OKURA, 2021).

Nos grãos de kefir de leite, a maior população é de bactérias lácticas (108-109 UFC.g–1), acompanhadas por leveduras (107-108 UFC.g–1) e bactérias ácido-acéticas (105-106 UFC.g–1), que compartilham seus bioprodutos como fonte de energia e fatores de crescimento microbiano (Figura 1). 

Figura 1. Aspecto macroscópico (a, b) e microscópico (c – g) de grãos de kefir. Bactérias (setas brancas) e Leveduras (setas vermelhas) (microfotografias f e g). / Fonte: Bengoa et al. (2018).

Os microrganismos dos grãos de kefir mais comumente isolados compreendem nos gêneros Lactobacillus (Levilactobacillus brevis, Lacticaseibacillus casei, Lentilactobacillus kefiri, Lactobacillus acidophilus, Lactiplantibacillus plantarum subsp. plantarum, Lactobacillus kefiranofaciens subsp. kefirgranum, Lentilactobacillus parakefiri), Lactococcus (L. lactis subsp. lactis), Leuconostoc mesenteroides, Bifidobaterium sp, Streptococcus salivarius subsp thermophilus, Acetobacter, leveduras fermentadoras de lactose (Kluyveromyces marxianus) e leveduras não fermentadoras de lactose (Saccharomyces omnisporus, Saccharomyces cerevisae e Saccharomyces exiguus) (BRASIL, 2007). 

Cada microrganismo contribui para as características únicas do kefir, como, por exemplo, as bactérias láticas auxiliam na preservação do produto através da produção de ácido lático, acético, compostos microbianos e, também, às propriedades organolépticas ao produzir compostos voláteis como acetaldeído, exopolissacarídeos e aminoácidos livres (SANTINI et al., 2020; YOUSEFVAND et al., 2022). 

As leveduras produzem etanol e dióxido de carbono que contribui para a sensação na boca (refrescância) e fornece um aroma particular ao produto, além de produzirem vitaminas do complexo B. 

Quando produzido de maneira artesanal, sua composição microbiana pode sofrer variações em função da origem dos grãos, armazenamento, tipo de leite utilizado e condições de processamento, especialmente a relação: grão/leite e temperatura de fermentação. O uso de grãos de kefir industrialmente e a recuperação dos mesmos são extremamente trabalhosos com possibilidades de contaminação e modificação da cultura microbiana, além de pouco prático para ser aplicado a grandes volumes de produção. 

É fundamental que qualquer produto de kefir preparado para ser distribuído e comercializado tenha uma composição constante e definida, sendo difícil de ser conseguida a partir de grãos doados ou comprados de produções artesanais, que possuem uma microbiota diversificada e variável, principalmente se as condições de fabricação são modificadas (SALES et al., 2020; WANG et al., 2021).

Os probióticos presentes no kefir podem auxiliar na digestão, ajudando a quebrar a lactose e outros componentes do leite. Isso pode ser benéfico para pessoas que têm dificuldade em digerir produtos lácteos. Diversos autores têm relatado que o consumo regular de kefir está associado a benefícios na saúde (Figura 2).

Figura 2: Benefícios do Kefir para a saúde humana.

Em pesquisa realizada por Amorim et al. (2019) foram identificados compostos bioativos no kefir com efeitos anti-hipertensivos e capazes de inibir a atividade da enzima de conversão da angiostensina; esses resultados demonstram os benefícios do kefir, e podem servir como base para novos medicamentos anti-hipertensivos.

Chen et al. (2019) investigaram os efeitos antiinflamatórios dos peptídeos de kefir produzidos a partir da fermentação do grão de kefir com proteínas do leite em uma matéria específica <4 μm (PM4.0) induzida por inflamação pulmonar em camundongos transgênicos.  O estudo mostrou que a administração de peptídeos de kefir em ambas as doses (150 mg/kg e 500 mg/kg) reduziu células inflamatórias  no tecido pulmonar. 

Outro benefício associado à saúde quanto ao consumo de kefir foi constatado por Praznikar et al. (2020), que demonstraram que a suplementação de kefir causa uma melhora nos níveis de zonulina sérica, quando comparada com a suplementação apenas com leite, e ainda observaram melhora semelhante no perfil lipídico e níveis de glicose sérica em adultos com sobrepeso assintomáticos que consumiram kefir comparados aos que consumiram leite.

Um estudo comprovou a capacidade do leite de soja fermentado com kefir inibir as atividades de α-amilase (TISS et al., 2020). Os autores descobriram que a administração do produto a ratos com dieta hipercalórica rica em gordura e frutose inibiu a atividade da α-amilase intestinal e pancreática em 26 e 31% em comparação com ratos não tratados e, consequentemente, diminuiu a glicose no sangue numa taxa de 36%.

Van Wyk (2019) relata que a microbiota do kefir produz metabólitos antimicrobianos. Essa capacidade antimicrobiana pode ser atribuída à presença de peróxido de hidrogênio, peptídeos (bacteriocinas), etanol, dióxido de carbono, diacetil e ácidos orgânicos (ácidos lático e acético), que inibem patógenos, principalmente na mucosa intestinal.

3. Considerações finais

O kefir apresenta uma opção alimentar que pode trazer benefícios à saúde, devendo ser cuidadosamente preparado. Neste contexto, são necessários estudos práticos de desenvolvimento e acompanhamento do processo fermentativo bem como da realização das análises principais que garantam a qualidade do produto final.

O desenvolvimento de kefir comercial com culturas starters definidas permite obter produtos padronizados e reprodutíveis e, com o avanço das pesquisas clínicas que demonstram as propriedades benéficas e o potencial probiótico, esse produto poderá ser classificado, quando comprovado, como um alimento com potencial funcional, o que constitui um amplo e inovador campo a ser desenvolvido nas relações academia-indústria.

 

Referências Bibliográficas

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