No final da década de 1960 houve uma crescente ressignificação no que tange ao uso de produtos locais na gastronomia, sendo estes entendidos, cada vez mais, como produtos únicos e diferenciados. Esta quebra de paradigma, que atende a simplicidade e ao minimalismo, foi motivada pelo movimento Nouvelle Cuisine que repensou a gastronomia francesa, com suas bases tradicionais em farinha de trigo, manteiga e creme de leite, e deu passagem aos produtos frescos e locais.
Já em 1971, a chef norte-americana Alice Waters, cria nos Estados Unidos, o movimento Locavore, neologismo que vem da fusão da palavra local com o sufixo vore (comer). O movimento fomentava a produção alimentícia local, como meio de impulsionar a economia e o desenvolvimento da região, diminuir a emissão de CO2 durante o transporte de alimentos, garantir a sua qualidade e frescor e, por fim, diminuir a quantidade de conservantes e agrotóxicos nos alimentos, uma vez que, em produções menores, é mais fácil implementar o controle de pragas com métodos alternativos.
À frente do restaurante Chez Panisse, Alice, que tinha o compromisso de dar o devido crédito a todos os elos da cadeia produtiva, conseguiu lembrar as pessoas que a comida tinha suas origens na terra, nas fazendas e não em supermercados. Assim mais e mais pessoas passam a prestar atenção às origens daquilo que ingerem e compreender que não seria incomum encontrar o menu do restaurante que frequentavam sendo modificado pela disponibilidade sazonal do alimento. Tal proposta ganhou grande notoriedade e passou a ser imitada por Chefs pelo mundo afora.
Assim, o movimento Locavore passou a atuar em distintas frentes, a exemplo do movimento farm-to-table, liderado por Dan Barber, sendo no presente o maior expoente e, ao mesmo tempo, crítico do movimento. Na gastronomia moderna prevalece o ditame: fresh is always better (fresco é sempre melhor), bordão repetido à exaustão pelos Chefs que escolheram não comprar itens provenientes de um grande confinamento ou produzidos em massa, e criar uma relação direta e próxima com produtores locais. Ora, a diferença entre um peixe comercializado sob congelamento e um peixe que foi capturado no dia anterior ao preparo do prato fica evidente; os vegetais comprados localmente terão um sabor facilmente distinguível quando comparados àqueles que precisam percorrer milhares de quilômetros antes de serem submetidos a mise en place. Nesta perspectiva, compreende-se também, que indivíduos que cultivam hortas em casa, que frequentam lojas de produtos naturais e que compram alimentos orgânicos, tendem a apoiar restaurantes que oferecem comida exclusivamente local. É válido ressaltar que, no cenário brasileiro, este movimento ideológico se materializou em projetos conduzidos pela Junta Local, Projeto Aproxima, Clube Orgânico, De-Lá e CSA Brasil, além de restaurantes como o Lasai no Rio, Paraíso Tropical em Salvador, Térreo em Brasília, Floresta Restrô em Trancoso, dentre outros.
Existem fatores que são levados em consideração na hora de se estabelecer os limites sobre onde e como obter sua nutrição. Alguns Chefs estabelecem limites para a distância percorrida pelos alimentos até chegar à Unidade, normalmente entre 80 a 160 quilômetros; outros simplificam e determinam que o produtor deve estar dentro das fronteiras de seu estado. A despeito disto, o que se sabe é que o acesso a ingredientes frescos e de melhor qualidade organoléptica e nutricional reflete na aceitabilidade do cardápio.
Para construção do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em português em julho de 2019, cerca de 103 peritos de 52 países analisaram, voluntariamente, como o mundo pode cumprir a meta de limitar em 1,5°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais. Neste cenário, considerou-se a força de impacto de alguns fatores com potencial significativo para reduzir emissões de carbono. Dentre estes estão as respostas comportamentais da população frente a redução da demanda por energia, a troca de combustível e as opções de eficiência no transporte, e a melhoria na produtividade de alimentos, a partir da mudança de escolhas alimentares e da redução do desperdício. Nesse ponto de vista, aqueles que seguem incentivando o movimento farm-to-table, conscientemente ou não, oferecem uma significativa contribuição no cumprimento desta meta, pois, ao firmarem parcerias com produtores locais, a necessidade de transporte por longas distâncias e, consequentemente, a demanda por combustível, diminui drasticamente e, em consequência reduz também a emissão de CO2. Além disso, esta proximidade é capaz de instituir nas Unidades, um modelo de revisão periódica de estoque, na qual, a quantidade solicitada a cada novo pedido varia conforme a avaliação do período anterior, evitando-se portanto o excedente e, consequentemente, a perda da matéria-prima, dado que prioriza-se trabalhar com ingredientes frescos para a composição do cardápio.
Se você quer ser um Locavore, não precisa ser necessariamente Chef de um grande restaurante, basta apenas se comprometer em comprar alimentos in loco, podendo também estreitar sua relação com os produtores, visitando a fazenda, conhecendo de perto o que produzem ou apoiando as feiras locais. Preservar os alimentos sazonais, utilizando o congelamento como método de conservação, é uma forma de ter os produtos disponíveis o ano todo e poder utilizá-los sempre. Por fim, é importante que você descubra quais restaurantes da sua região apoiam os agricultores locais e passe a frequentá-los. O seu reconhecimento é muito importante para eles.
Referências
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