Ficha técnica como um instrumento de qualidade

1. Introdução

A nutrição e dietética, presente nas unidades de alimentação, têm como prioridade atender as necessidades do público-alvo, promover a ingestão alimentar saudável e proporcionar da maneira mais perfeita o contentamento de todos os seres humanos envolvidos, desde gestores, funcionários e usuários. Para que isso ocorra, torna-se necessário o planejamento e controle de todas as atividades realizadas, obtendo-se um método padronizado na elaboração das refeições. O nutricionista assume um papel importante na condução e elaboração de diretrizes que orientam todo trabalho realizado (ROMERO,G.; et all)

No Brasil, a economia vem sofrendo mudanças que fizeram com que as unidades de alimentação e nutrição (UAN), com o intuito de garantir sua permanência no mercado cada vez mais competitivo, passassem a disputar lugar não somente por meio dos seus produtos, como também pela qualidade de seus serviços (Akutsu1 et al., 2005).

Os estabelecimentos devem mostrar seu diferencial no mercado, fornecendo de forma sistemática e padronizada, refeições de qualidade nutricional e higiênico-sanitária. E uma das formas mais eficientes para a padronização e controle de qualidade é a elaboração das Fichas Técnicas de Preparação (FTP) (Abreu, Spinelli, Pinto 2009), (Adjafre, et al., 2013).

As FTP são recursos utilizados para garantir que uma mesma preparação seja fornecida com a mesma qualidade e características sensoriais, independente de quem a tenha preparado (Vieira, et al., 2011).

As FTP podem auxiliar o profissional na aquisição dos itens de compras para que não falte nenhum ingrediente necessário para a preparação do prato, auxiliam no dimensionamento do volume de compras, no cálculo do custo da preparação/refeição e no controle de gastos, objetivando manter o mesmo padrão de custos e preços de venda (Cabral, Morais, Carvalho, 2013. Vieira, et al., 2011). Pode-se dizer que nesse caso a ficha técnica tem papel fundamental na gestão administrativa e comercial.

A adoção das FTP facilita a integração e treinamento de novos funcionários na execução das preparações e padroniza o sistema de produção, garantindo que o produto final tenha sempre composição, valor nutritivo e apresentação semelhantes (Vieira, et al., 2011), sendo uma ótima ferramenta para a gestão operacional.

Elaborar FTP precisas e bem redigidas é parte importante do trabalho do nutricionista em todo e qualquer cenário de Serviço de Alimentação. A atividade inclui a apresentação do valor nutricional e a imagem do prato, para garantir uma apresentação uniforme. (Andrade, 2012).

O detalhamento das FTP ajuda a assegurar a qualidade, permite ao Nutricionista monitorar a eficiência de seu trabalho e de sua equipe, reduzir custos e eliminar perdas (Colares, 2005).

2. Embasamento legal para elaboração da ficha técnica

O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) define pela Resolução 417/2008, a referência de procedimentos nacionais do sistema CFN/CRN para nutricionistas, constando no código 07.035:

Elaboração de ficha técnica de preparações: especificação de preparações dietéticas, destinado aos registros de seus componentes e quantidades per capita, fatores de correção, das técnicas culinárias e dietéticas empregadas, custo direto e indireto, do cálculo de nutrientes e de outras informações (CFN, 2008).

Portanto, compete ao nutricionista elaborar as fichas técnicas em ambulatório, consultório, hospital, domicílio, lactário, unidade de terapia nutricional, em terapias de especialidades como unidades de diálise, cirurgia bariátrica, transplante, também em nutrição esportiva, nutrição e marketing, saúde pela água (CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS, 2008).

De acordo com a Resolução CFN nº 600 de 25 de fevereiro de 2018, a definição de ficha técnica é dada das seguintes formas:

XLII. Ficha Técnica de Preparações – formulário de especificação das preparações, contendo receituário, padrão de apresentação, componentes, valor nutritivo, quantidade per capita, custo e outras informações, a critério do serviço ou Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN).
XLIII. Ficha Técnica de Produto – formulário de especificações do produto, constando as características organolépticas e nutricionais, como descrição do produto, finalidade, composição, embalagem, validade, informação nutricional, registro no Ministério da Agricultura ou da Saúde, entre outros dados.

A fiscalização do CRN atua na cobrança da elaboração da ficha técnica abordando os requisitos de acordo com a legislação. Neste cenário, ainda há uma defasagem de mão de obra para que cumpra com excelência a elaboração da ficha técnica. Com isso faz com que muitas fichas sejam encontradas calculadas erroneamente ou incompletas.

3. Obtenção dos dados para elaboração da ficha técnica

Para a elaboração das fichas técnicas, são utilizadas receitas já existentes no Serviço de Alimentação e Nutrição ou através de acompanhamento da elaboração da receita e pesagem dos ingredientes.

As preparações efetuadas pelos funcionários no processo de pré-preparo e preparo devem ser acompanhadas, no qual os alimentos passam por processo de descascamento manual usando facas, tabuleiros para picar em porções desejadas, coletando os dados referentes às fichas técnicas.

É importante determinar o peso bruto (PB), peso líquido (PL), fator de cocção (Fcc), fator de correção (FC), per capita e rendimento total das preparações.

Para obtenção do PB, os alimentos devem ser pesados antes do pré-preparo somando o resíduo com a parte comestível do alimento.

O PL representa a parte aproveitável do alimento na receita.

O FC calcula-se com os valores do peso bruto (considerando a quantidade total dos ingredientes utilizados na receita) e líquido pela seguinte fórmula: FC = PB/PL.

O FCC é determinado pela relação entre o rendimento (peso da preparação pronta cozida) e o PL (soma dos ingredientes crus), pela fórmula: FCC = peso da preparação pronta cozida/soma dos ingredientes crus (PL).

Quando o fator de cocção for menor que 1, o alimento perdeu peso e desidratou, sendo que quando for maior que 1, o alimento ganhou peso e hidratou (DOMENE, 2011).

O perfil nutricional, constando proteínas, carboidratos e lipídeos, deve ser obtido a partir do per capita (PL) de cada ingrediente da preparação.

Utiliza-se tabelas de referência como por exemplo a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO (NEPA, 2006) e a tabela do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1999).

O valor calórico total (VCT) por porção, é obtido pela soma das quantidades de calorias provenientes das proteínas (4 Kcal/g), dos lipídeos (9 Kcal/g), e dos carboidratos (4 Kcal/g).

O custo é calculado a partir do peso bruto de cada ingrediente, e da lista de preços das notas de mercadorias adquiridas no mercado (DOMENE, 2011).

Existem aplicativos e programas que podem ser usados para realizar os cálculos e em seguida apresentar a ficha pronta e calculada. Assim também, como pode ser feita  manualmente através de fórmulas construídas em planilhas do Excel.

Figura 01: Modelo de ficha técnica padrão

É importante assegurar que as fichas técnicas de preparação sejam seguidas e sejam atualizadas sempre que houver quaisquer necessidades mudanças.

4. Conclusão

Com base na literatura pode-se afirmar que a ficha técnica de preparo é uma ferramenta de gestão operacional, com grande importância para as UAN e estabelecimentos comerciais, pois quando bem elaboradas constam com informações importantes para gerenciar toda a produção, auxiliando a nutricionista no planejamento das compras e controle de custos. Além disso, garante preparações com a composição nutricional parecida, aperfeiçoa o tempo de produção e organiza as rotinas dos funcionários, diminuindo a necessidade de ordens frequentes e facilitando também o treinamento da equipe.

As pessoas que dependem da condição de alimentar-se fora de casa, além das questões de perfil nutricional, segurança dos alimentos e aspectos ligados à qualidade sanitária dos alimentos consumidos, preocupam-se com o custo da refeição. Avaliando a clientela do serviço de Alimentação e todos os tipos de alimentos oferecidos, pode-se estabelecer o padrão de cardápio ofertado, compatível com a disponibilidade financeira, considerando os hábitos alimentares da região.

Ambos os envolvidos com a Unidade de Alimentação e Nutrição, a empresa e o cliente buscam satisfação quanto ao custo das refeições. O controle de custos está relacionado à sobrevivência e continuidade normal da empresa que pretende crescer e alcançar os objetivos estabelecidos. Faz parte da política de compras, pesquisar detalhadamente todos os gastos que envolvem o gerenciamento da produção: elaborar o cardápio, mão de obra adequada, controle do estoque, equipamentos e utensílios necessários, levantamento de preços, aquisição de alimentos da época e métodos de preparo econômicos.

No planejamento relacionado aos custos, são importantes equipamentos adequados e em bom funcionamento, bem como utensílios em tamanhos que comportem a preparação a ser efetuada. Aspectos esses que podem influenciar diretamente no rendimento e fator de cocção das refeições.

Os alimentos podem ser alterados por fatores relacionados a aspectos físicos, químicos e biológicos. O congelamento, descongelamento, a qualificação dos funcionários no processo produtivo, o tipo de calor utilizado, sua intensidade e tempo de cocção interferem no produto final da preparação.

Diante da diversidade de valores, pode-se verificar que cada local tem suas peculiaridades no modo de preparar os alimentos e utensílios. Considerando que além de todos os fatores mencionados, o próprio alimento de cada região tem texturas e qualidades organolépticas diferenciadas.

A adoção de cuidados em relação a todo o processo produtivo garante a qualidade nas informações para padronização dos investimentos e metas a serem alcançadas, para isso, profissionais precisam estar cada vez mais engajados e atualizados para a elaboração de fichas técnicas.

 

6. Referências Bibliográficas

Akutsu RC, Botelho RA, Camargo EB, Sávio KEO, Araujo WC. A ficha técnica de preparação como instrumento de qualidade na produção de refeições. Rev Nutr. 2005;18(2):277-9.

Abreu ES, Spinelli MGN, Pinto AMS. Gestão de unidades de alimentação e nutrição: um modo de fazer. São Paulo: Metha, 2009.

Adjafre R. Implementação e elaboração de fichas técnicas de preparo em uma unidade de alimentação e nutrição institucional: uma proposta de redução de sódio e gordura. Nutrire. 2013; 38 (Suppl):210.

Vieira AS. Fichas técnicas de preparação em Unidade de Alimentação e Nutrição. In: XX Congresso de Iniciação Científica da universidade Federall de Pelotas. 2011.

Cabral HCC, Morais MP, Carvalho ACMS. Composição nutricional e custo de preparações de restaurantes por peso. Demetra. 2013;8(1):23-38.

Andrade H. Apostila Custos em Restaurantes – 2012 (acesso em 31 out de 2020).

Colares LGT. Processo de trabalho, saúde e qualidade de vida no trabalho em uma unidade de alimentação e nutrição: uma abordagem qualitativa [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2005.

ARAÚJO, W. M. C. et al. (Org.). Alquimia dos alimentos. Série Alimentos e Bebidas. Brasília: Ed. SENAC, 2007, p. 56-209. BARROS, R. M.; GARCIA, P. P. C.; ALMEIDA, S. G. Análise e Elaboração dos Fatores de Correção e Cocção de Alimentos. Anuário da produção de iniciação científica discente, Brasília, v. 13, n. 16, p. 103-113, 2010.

CASTRO, F. A. P.; QUEIROZ, V. M. V. Cardápios. Planejamento e Etiqueta. Viçosa: Ed. UFV, 2007.

CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Resolução Nº 417. Brasília, 2008. Acesso em: 19 out 2020

CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Resolução Nº 600. Brasília, 2018. Acesso em: 19 out 2020.

DOMENE, S. M. Á. Técnica Dietética: teoria e aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

ROMERO,G.,et al. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da Saúde, Santa Maria, v. 16, n. 2, p. 265-273, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumS/article/viewFile/1017/961. Acesso em 03/11/2020.

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