Uso de ozônio na higienização de produtos, equipamentos e ambientes

A ozonização é um processo amplamente estudado e reconhecido como uma tecnologia altamente promissora na produção de alimentos seguros. Devido às suas propriedades altamente oxidantes, o ozônio demonstra uma eficaz ação desinfetante que abrange um amplo espectro de microrganismos, incluindo bactérias, vírus, fungos, protozoários e esporos. Essa técnica pode ser aplicada na forma de ozônio gasoso ou dissolvido em água, sendo versátil o suficiente para ser empregada na desinfecção de uma variedade de alimentos, como frutas, vegetais, ovos, aves, carnes e peixes, além de ser eficaz na descontaminação de superfícies utilizadas na manipulação de alimentos. 

Possuindo a fórmula O³, o ozônio é um gás incolor, parcialmente solúvel em água e extremamente instável. Em 1997, a FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos classificou o ozônio como GRAS (Generally Recognized as Safe), permitindo seu uso direto em alimentos. Em 2001 a FDA aprovou aplicações de ozônio nas formas gasosa ou liquida como agente antimicrobiano na indústria de processamento de alimentos (FDA, 2001). 

Comparado ao cloro e ao ácido peracético, que são sanitizantes amplamente utilizados na indústria de alimentos, o ozônio oferece maior segurança aos operadores durante a aplicação, não provocando maior irritação dos olhos e de sistema respiratório como esses produtos. No entanto, é importante observar que em exposições prolongadas e em concentrações elevadas, o ozônio pode potencialmente desencadear problemas respiratórios. O ozônio (potencial de oxidação = 2,07 mV) é o segundo mais poderoso agente oxidante, perdendo apenas para o flúor (3,06 mV) (LAPOLLI et al., 2003; RUSSEL; HUGO; AVLIFFE, 1999). Em comparação ao Cloro, o ozônio demonstra uma capacidade superior, superando-o em cerca de 50%. Isso justifica seu emprego como agente descontaminante, sendo aplicado na desinfecção da água destinada ao consumo humano e no tratamento de águas residuais para controlar odores desagradáveis (BRODOWSKA et al., 2018). Durante a pandemia de Covid-19, o ozônio também se revelou valioso na desinfecção do ar e de superfícies, na forma gasosa.

A produção do ozônio ocorre através da exposição de ar (O²), a um campo elétrico altamente energético (método de descarga corona), essa descarga tem forma de filamentos e quando os elétrons possuem energia suficiente para dissociar a molécula de oxigênio ocorre a formação de radicais O- altamente reativos que se combinam com moléculas intactas de O² produzindo o ozônio molecular (O³) através do movimento das moléculas (TAPP e RICE, 2012). 

Figura 1: Equipamento para geração de ozônio / Foto: arquivo pessoal. 

O ozônio em solução aquosa pode reagir com microrganismos, seja por reação direta do ozônio molecular ou por reação indireta com as espécies radicais formadas, quando o ozônio se decompõe. A ação antimicrobiana se dá pela oxidação e destruição direta da parede celular, aumentando a permeabilidade, causando vazamento de constituintes celulares para fora da célula, reações com subprodutos radicais da decomposição de ozônio e danos aos constituintes dos ácidos nucleicos (pirimidinas e purinas) (Figura 2). É uma ação em menor tempo de contato quando comparada a outros desinfetantes. Em geral, os esporos bacterianos possuem maior resistência ao ozônio que a as células vegetativas. O ozônio é eficaz na inativação de E.coli O157:H7 (mais resistente) e Listeria monocytogenes (mais sensível). Além das bactérias, a ozonização também afeta fungos, parasitas e vírus.

Figura 2: Mecanismo de ação da ozonização nas células bacterianas / Foto: Google Imagens

A eficácia da desinfecção depende da susceptibilidade dos organismos-alvo, o tempo de contato e a concentração do ozônio. Os componentes de um sistema de desinfecção por ozônio incluem preparação da alimentação do gás, geração de ozônio, contato com o gás e a sua dissipação. O ozônio pode ser aspergido no alimento ou pode se mergulhar o alimento em água ozonizada; a inativação do patógeno depende da concentração de ozônio, tempo de aplicação e agente envolvido. 

O uso do ozônio em produtos de origem animal tem papel importante na descontaminação, como em carnes bovina e de aves cruas, que podem ser contaminadas por Campylobacter spp., L. monocytogenes, Salmonella spp. e E. coli O157:H7. De acordo com Gimenez et al. (2021), os métodos mais eficazes para controlar a flora microbiana na carne bovina incluíram a aplicação intermitente de pulsos de ozônio com duração de 5 a 10 minutos a cada 30 minutos, ao longo de um período de 5 horas, utilizando 280 mg de O3. Esses tratamentos resultaram em uma redução significativa de mais de 1 ciclo logarítmico nas contagens de flora natural (láctica), bactérias mesófilas e enterobactérias. Importante destacar, que essas melhorias na segurança microbiológica foram alcançadas sem comprometer a estabilidade oxidativa e os parâmetros físico-químicos adequados da carne bovina. Além disso, essas doses baixas de ozônio gasoso diminuíram as contagens de L. monocytogenes inoculadas (102 UFC/g).

Kim et al. (2000) avaliaram a eficiência da aplicação em meio aquoso do ozônio, do peróxido de hidrogênio e do ácido ascórbico em solução salina sobre files de peixes. Os resultados mostraram que todos os tratamentos suprimiram o número inicial de coliformes totais e aeróbios psicrotróficos. Em todos os três tratamentos os resultados foram positivos, aumentando o tempo de vida de prateleira de 1,5 a 3 dias, com pequenas alterações na rancidez oxidativa e na cor. Para os files de peixe tratados com 10 ppm de ozônio ocorreu um aumento de 25% do tempo de vida-de-prateleira.

No entanto, é crucial avaliar cuidadosamente os aspectos relacionados às mudanças organolépticas na descontaminação de carnes e pescados. Em concentrações baixas, o ozônio pode não ser eficaz na descontaminação, enquanto concentrações elevadas podem afetar as características sensoriais do produto. A ação oxidante do ozônio pode prejudicar a qualidade das carnes vermelhas, por exemplo, aumentando o ranço e modificando a cor da superfície. O ozônio pode oxidar facilmente os tecidos musculares, produzindo descolorações indesejáveis e levando a sabores rançosos nos tecidos adiposos (Clark & Takacs, 1980; Kaess & Weidemann, 1968).

Além de carnes, a ozonização pode ser aplicada na descontaminação de outros produtos de origem animal, como na descontaminação de cascas de ovo e produtos lácteos. Em queijos, Serra et al. (2003) utilizaram ozônio em uma câmara de maturação de queijos, mantida a 5 °C e umidade relativa até 80%, durante 3 meses. Os autores empregaram uma taxa de geração de ozônio de 8 g/h nos primeiros 5 dias, seguida por 4 g/h nos próximos 5 dias e 8 g/h a cada 40 min, por período de uma hora durante o restante da maturação. Foi detectada uma redução efetiva de bolores no ambiente de maturação, porém a redução da contaminação nas superfícies da câmara somente ocorreu quando métodos de limpeza combinados com a ozonização foram utilizados.

Além do uso da ozonização diretamente em produtos, a técnica apresenta resultados promissores na descontaminação de equipamentos e ambiente. 

Guzel-Seydim, Greene e Seydim (2004) estudaram o ozônio como uma técnica para higienização de uma indústria de laticínios, resultando em 84% de remoção de resíduos de leite, comparativamente a utilização de água a 40ºC que removeu 51%. O estudo concluiu que o ozônio pode ser usado na etapa de pré-enxague diminuindo o consumo de detergente. Chapas de aço inoxidável, simulando os materiais utilizados em equipamentos de processamento de leite, passaram por um processo de higienização com água clorada e ozonizada. O uso do ozônio resultou em uma significativa redução de 99% na população bacteriana.

Além do uso promissor em produtos de origem animal, o uso do ozônio em frutas e hortaliças tem ótimo resultado visto que pode ser substituto ao cloro no momento da higienização, além do uso no alimento pode também ser utilizado em câmaras de conservação, protegendo contra mofo e aumentando o prazo de validade. O ozônio também é ótimo conservante, já que reage com o etileno e retarda o amadurecimento de frutos climáticos. Achen e Yousef (2001) relataram inativação de E. coli O157:H7 por 3,7 e 2,6 logs, respectivamente, quando maçãs foram tratadas por ozônio borbulhante, ou por mergulho em água ozonizada. 

Em geral, a ozonização se apresenta como uma técnica promissora para descontaminação superficial de alimentos e para descontaminação de equipamentos e ambientes de processamento. Para garantia da sua efetividade, é importante considerar certos parâmetros do processo, bem como avaliar a existência de alterações indesejáveis nos alimentos. Além do uso do ozônio em alimentos, o gás está sendo utilizado na medicina veterinária, para tratamento de feridas e enfermidades. É também utilizado na odontologia e estética, e os estudos para uso na medicina humana vem crescendo com o tempo. 

 

Referências:

 

 

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