No Dia Internacional do Microrganismo, celebrado nesta sexta-feira (17), o Portal e-food conversou com a Dra. Karen Signori, professora do Departamento de Engenharia Bioquímica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Laboratório de Microbiologia de Alimentos (MicrAlim) na instituição. Com vasta experiência na área e excelente artigo publicado no Portal, a especialista deu um panorama sobre a relevância dos patógenos na produção de alimentos, falou sobre os surtos alimentares e o avanço dos estudos sobre eles no Brasil. Como bônus, ao fim desta leitura a professora dá ótimas dicas de leituras sobre o tema.
“Devido a nossa condescendência, não respeitando os prazos de validade, nosso comportamento como consumidor deixa muito a desejar e é um prato cheio para os microrganismos” – Karen Signori
Dois grandes aspectos sobre os microrganismos: os positivos e os negativos
A Dra. Karen Signori inicia a conversa explicando que atualmente há dois importantes pontos a serem estudados sobre os microrganismos. Existem os aspectos positivos da presença de alguns microrganismos que são considerados o futuro da microbiologia em todo o mundo, aqui citamos as bactérias lácteas, usadas para fazer iogurte, kombucha, alguns queijos e vegetais fermentados, como o chucrute. “O que comemos é a fonte dos microrganismos que vão colonizar o nosso intestino. Hoje se sabe que a nossa microbiota intestinal é extremamente importante, pois vai delinear alimentos que nos fazem bem. Se alimentar de produtos fermentados, fonte de microrganismos, muitas vezes liberam matrizes importantes e são benéficos”, explica a Dra.
Há ainda os aspectos negativos, que é a principal linha de pesquisa da especialista. São dois grupos, os que causam doenças (patógenos), e os que não nos causam doenças, mas estragam e deterioram os alimentos.
Os microrganismos de relevância na produção de alimentos
A pesquisadora explica que é preciso levar em consideração os aspectos positivos e negativos citados anteriormente. “Os microrganismos positivos vêm crescendo bastante, como as bactérias lácteas, por exemplo. Já sobre os aspectos negativos, é preciso ressaltar que depende do tipo de produto, pois em microbiologia de alimentos não tem uma regra. Para molho de tomate, maionese industrializada, palmito, sucos, refrigerantes, a salmonella será praticamente irrelevante na produção do alimento. Já na indústria de frango, amendoim, castanha e ovos, a salmonella será relevante. Não tem como ter uma regra universal, pois há produtos em que ela [salmonella] será praticamente eliminada na linha de produção”.
A professora da UFRJ, que também desenvolve trabalhos de Pesquisa e Extensão dentro do tema “Patógenos Microbianos de Veiculação Alimentar”, com foco para Staphylococcus e enterotoxinas estafilocócicas, salienta que este é um campo em constante modificação. Ela explica: “Há 20 anos eu não considerava relevante, por exemplo, a salmonella conseguir sobreviver em castanha do pará e no gergelim, antes considerados estáveis. Com a utilização de castanhas e temperos, coisas que não nos preocupavam antes, passaram a chamar a atenção. Não podemos descartar nada nesta área. Os microrganismos estão lutando pela sobrevivência deles, que é o que fazemos também. Muda algo ali, aceita algo aqui, tudo isso para se manterem vivos”.
Causa dos surtos alimentares
Segundo a Dra. Karen Signori, os surtos alimentares ainda acontecem por dois fatores. Um deles é a mudança do comportamento dos patógenos, que lutam para viver. A professora cita um caso de surto alimentar ocasionado pela pasta de amendoim com salmonella em 2008 que a pegou de surpresa. “Até 2008 não havia uma grande preocupação nesses alimentos, mas isso estava mudando. Então outro patógeno pode passar a crescer, porque ele também está se adaptando. Quando resolve o problema de salmonela, outros patógenos aparecem, pois se abre uma brecha. A constante evolução e modificação faz com que o problema nunca acabe”, diz.
O segundo fator que contribui para a continuidade dos surtos alimentares é a mudança nos hábitos alimentares dos consumidores, que resulta numa mudança no processo de alimentos também. “Hoje em dia tem consumidor que quer um produto sem tratamento térmico, como por exemplo o leite cru. Ele é fonte de muitos microrganismos e muitos surtos acontecem por isso”, explica ela.
A especialista ressalta que a maior parte dos surtos, em escala mundial, acontece dentro de casa e a pandemia causada pela Covid-19 mostrou isso. Não lavar as mãos adequadamente, deixar alimentos que precisam de refrigeração após o consumo fora da geladeira, ainda é um dos grandes responsáveis por esses problemas. A pesquisadora levanta, então, uma importante questão que não está sendo discutida com a relevância que deveria.
“O fazer comida que não seja industrializada é muito rudimentar. Precisamos começar a falar sobre isso. As pessoas que perderam empregos e buscam renda passaram a fazer comida em casa para vender, mas fazer comida em casa pode matar”, diz ela, mencionando a falta de rigidez na fiscalização para este setor, ao contrário do que acontece na indústria.
“Fazer comida é responsabilidade, é coisa séria. Comida é questão de vida ou morte. Devido a nossa condescendência, não respeitando os prazos de validade, nosso comportamento como consumidor deixa muito a desejar e é um prato cheio para os microrganismos”, completa.
Estudos no Brasil
De acordo com a pesquisadora da UFRJ, os estudos estão avançados hoje no Brasil. Por conta da globalização, pesquisadores passaram a ter acesso e a estreitar laços com pesquisadores do mundo todo. A Dra. Karen cita os grupos de pesquisa que acompanham esse avanço: Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade de São Paulo.
“Avançamos muito e hoje fazemos pesquisas com grandes grupos do mundo, parceria com países da Europa, com os Estados Unidos (responsáveis pela geração de muitos dados sobre ocorrências de surtos). Sem dúvida nenhuma, em termos de vigilância sanitária, recolhimento de produtos e tentar compreender esses microrganismos, os EUA são sempre uma grande referência. Já aqui no Brasil temos professores que trabalham com a microbiologia preditiva, que é utilizar modelos matemáticos para tentar prever o comportamento de microrganismos nos alimentos, frente às determinadas condições desses alimentos. Desse modo, dependemos muito menos de análises laboratoriais e um dos futuros da microbiologia é fazer o trabalho com modelos, para que você minimize os custos com os meios de cultura, trabalhos na bancada. Afinal, temos que pensar na questão da sustentabilidade e geração de resíduos. Quanto mais formos para o laboratório com tudo muito bem desenhado, com tudo muito bem articulado, todo o impacto e o custo será minimizado”, analisa ela.
Confira dicas de leituras da Dra. Karen sobre microrganismos:
> Sites
- U.S Food & Drug Administration: fonte sobre os problemas que os microrganismos estão causando na prática, junto às indústrias de alimentos. Site indicado também para saber mais sobre produtos que estão sendo retirados do mercado por conta dos microrganismos (recall).
- Centers for Disease Control (CDC): faz a vigilância epidemiológica dos EUA e é considerada uma ótima fonte para se atualizar, já que traz informações sobre surtos alimentares.
- Food Safety News: traz informações atualizadas e interessantes na área de microbiologia de alimentos.
> Livros usados pela professora na sala de aula
- Microbiologia de Alimentos, de James M. Jay – compre aqui
- Microbiologia da segurança dos alimentos, de Stephen J. Forsythe – compre aqui
O Portal e-food agradece a disponibilidade da professora Karen Signori em nos conceder esta entrevista e proporcionar acesso à conteúdos de relevância na área do food safety. Além das ricas dicas e análises realizadas por ela.
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