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A Cultura Organizacional incorporada à Cultura de Segurança de Alimentos

Uma forte aliança visando o fornecimento seguro de alimentos

A palavra Cultura significa cultivar, cujo significado é: plantar com cuidados especiais; buscar manter ou conservar; passar a ter; criar; aperfeiçoar-se; desenvolver, aperfeiçoar pelo cuidado; trato contínuo (Houaiss,2011). A antropologia compreende cultura como a totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano. Já para a filosofia, cultura é um sistema de símbolos compartilhados com que se interpreta a realidade e que conferem sentido à vida dos seres humanos (Cobra; Perez,2015). De acordo com esses ramos de conhecimento, cultura seria a junção de desenvolvimento social e aprendizado. 

O termo cultura foi introduzido na literatura organizacional na década de 70, por Pettigrew (1979), através de expressões como “cultura corporativa” ou “cultura organizacional” e desde então vêm despertando interesse de estudiosos e profissionais. Segundo Pettigrew, a cultura consiste em “um sistema de significados público e coletivamente aceitos para um dado grupo, em um certo período de tempo”.

Para Edgar H. Schein (2020), professor emérito de administração do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e um dos autores mais citados na literatura sobre cultura organizacional, “podemos pensar a cultura como a aprendizagem acumulada e compartilhada por determinado grupo, cobrindo os elementos comportamentais, emocionais e cognitivos do funcionamento psicológico de seus membros.”

A cultura como vantagem competitiva

O grande desafio das empresas é tentar sobreviver em seus mercados e, para isso, elas precisam buscar meios eficientes para se diferenciarem dos seus concorrentes. Dessa maneira, os seus colaboradores são fundamentais, pois o envolvimento e o comprometimento deles tornam as empresas mais eficazes. Isso significa que, quanto maior a competência de suas equipes, mais competitiva é a empresa. A missão, visão e os valores de uma empresa representam um norte para os colaboradores e todas as ações referentes aos processos envolvem de alguma maneira a participação da equipe. No que diz respeito ao planejamento estratégico, a cultura organizacional é a orientação, o caminho inicialmente trilhado, sendo o futuro, o presente – sem perder o foco principal (Cobra; Perez,2015).

Considerando que cultura organizacional consiste num complexo conjunto de ideologias, símbolos e valores centrais, que é compartilhado em toda a empresa e que influencia a maneira pela qual ela realiza os negócios (Hitt,2002). As provas sugerem que uma empresa pode desenvolver competências essenciais tanto em termos da capacidade que ela possui, como da maneira segundo a qual esta capacidade é utilizada para produzir ações estratégicas. Em outras palavras, uma vez que ela influencia como a empresa realiza seus negócios e ajuda a regular e a controlar o comportamento dos empregados, a estrutura organizacional pode ser uma fonte de vantagem competitiva. Portanto, modelar o contexto dentro do qual a empresa formula e implementa suas estratégias – ou seja, modelar a cultura organizacional – é uma tarefa fundamental de líderes estratégicos (Hitt,2002).

Muitos são tentados a acreditar que cultura é algo que ocorre independentemente das principais atividades do negócio. Ao contrário, a cultura é formada e reformada por tudo que é feito nos negócios. Cada comportamento e cada decisão manda uma mensagem, que é interpretada pelas pessoas na organização como um reflexo do que é valorizado, moldando assim, outros comportamentos e decisões. Tudo a ver com “praticar o discurso” (Taylor, 2018).

A cultura da empresa deve ser relacionada com suas ações e todos são responsáveis por sua perpetuação. Corporações que não conhecem o seu ambiente e não vivem os seus valores estabelecidos, acabam não conquistando vantagem competitiva e nem atingindo os objetivos pretendidos (Cobra; Perez,2015).

Os níveis de Cultura e o papel da Liderança

Todas as organizações são inseridas em um ambiente e interagem com ele recebendo influências e influenciando. São constituídas por pessoas que têm modos diferentes de agir, pensar e sentir. A cultura não é um contexto isolado e nem é uma constante (Cobra; Perez,2015).

Segundo Barret (2017), cultura é o reflexo dos valores e crenças dos líderes.

Níveis de Cultura – Edgar H. Schein

  1. Artefatos – incluem os fenômenos que as pessoas vêem, sentem ou ouvem. São os produtos visíveis, como a arquitetura do ambiente físico, tecnologia, maneiras de comunicar, processos organizacionais, seus rituais e cerimônias observáveis e assim por diante;
  2. Crenças e valores assumidos – conjunto de padrões adotado pelo grupo baseados em aprendizagem anterior e que são reforçados pelos líderes;
  3. Suposições básicas – aquilo que é verdadeiro e inegociável para o grupo resultante do sucesso repetido em implementar certas crenças e valores.

Schein (2020) defende que a cultura é analisada em 3 níveis diferentes (figura acima) possibilitando assim, que sejam avaliadas nestas dimensões. Embora a essência da cultura de um grupo seja seu padrão de suposições básicas, compartilhadas e assumidas como verdadeiras, ela se manifestará no nível dos artefatos observáveis e das crenças e valores assumidos e compartilhados. Para entender a cultura de um grupo, deve-se tentar obter suas suposições básicas compartilhadas e entender o processo de aprendizagem pelo qual as suposições básicas ocorrem. Originalmente, a liderança é a fonte de crenças e valores que levam um grupo a lidar com seus problemas internos e externos.

Os líderes são os impulsionadores da cultura. São, portanto, a ferramenta fundamental para a construção da cultura desejada. Eles estão com o pessoal todos os dias e os influenciam por meio de palavras, atos, decisões e interações. Estabelecem padrões, mantém as pessoas dentro deles e determinam as consequências (Taylor, 2018).

A cultura de alto desempenho e as sutis resistências

Na pesquisa da Harvard Business School, coordenada por John Kotter e James Heskett (1994), os autores afirmaram que a cultura corporativa de alto desempenho é, ao mesmo tempo, densa – compartilhada por todos, na organização – e adaptativa/flexível, por ter a competência necessária para absorver continuamente novos valores culturais.  Entretanto, culturas fortes também podem incluir os chamados elementos disfuncionais, que permanecem acobertados ao longo dos anos de bons resultados. O mais perigoso deles é sem dúvida, uma determinada zona de sombras que se estabelece na cultura da empresa e, em alguns casos pode gerar certa arrogância, capaz de cegar até os mais experientes executivos e levar à rejeição de novas estratégias que poderiam oxigenar e revalorar a própria cultura (Johann, 2004).

Quando a cultura de uma organização não é densa, é comum coexistirem várias subculturas diferenciadas entre si – específicas de departamentos, unidades, grupos – e que podem, até mesmo, apresentar discordâncias significativas em relação ao núcleo da cultura corporativa. Sendo assim, se apresenta uma contracultura organizacional, que aglutina grupos ou subgrupos que rejeitam o que a organização representa ou o que ela tenta conseguir, numa posição dissimulada aos valores dominantes e/ou a estrutura de poder da empresa. No ambiente organizacional, dificilmente a contracultura se presta a um confronto aberto com a cultura dominante, e a tática mais utilizada é a da resistência passiva, com o uso, nos bastidores, da ironia e da sutileza (Johann, 2004).

Entropia Cultural e engajamento de funcionários

Entropia cultural é uma medida da quantidade de energia que é consumida na realização de trabalhos desnecessários ou improdutivos – a quantidade de conflito, fricção, e frustração que os funcionários encontram nas suas atividades diárias que impedem a eles e à organização de operarem no nível mais alto de desempenho. A maior fonte de entropia cultural dentro de uma organização é composta das ações e comportamentos com base no medo por parte dos líderes, gerentes e supervisores. 

Quando os líderes, gerentes e supervisores estão ansiosos ou amedrontados, a entropia cultural aumenta e o engajamento do funcionário diminui. Por outro lado, quando eles expressam comportamentos de atenção, cuidado e confiança, e quando a organização incentiva que seus funcionários se responsabilizem pelo seu trabalho, dando-lhes espaço para assumir iniciativas que estimulem a performance, a entropia cultural diminui e o engajamento dos funcionários aumenta.

Em organizações com alto nível de entropia cultural (funcionários não engajados), os líderes, gerentes e supervisores estão focados em satisfazer suas necessidades pessoais. Em organizações com baixo nível de entropia cultural (funcionários engajados), a liderança está focada em suprir as necessidades de suas equipes e pares, as necessidades dos clientes, dos investidores e das pessoas nas comunidades em que eles funcionam. 

De acordo com a Gallup, empresa de pesquisa e consultoria em gestão da performance, grupos de trabalho engajados são mais produtivos, lucrativos e focados nos clientes, e possuem taxas mais altas de retenção, números mais baixos de ocorrências de acidentes e menor falta no trabalho do que grupos de trabalho não engajados (Barrett, 2017).

A Cultura em Segurança de Alimentos

Alimentos são essenciais para nossa sobrevivência. Contudo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que quase uma em cada dez pessoas adoeça ao comer alimentos processados ou preparados por outras pessoas. As práticas projetadas para garantir a segurança dos alimentos seguem tão importantes quanto sempre foram. Quando nossos alimentos são cultivados, processados, preparados, vendidos e servidos por outras pessoas, confiamos em cada uma delas na cadeia de suprimento para tomar as decisões corretas e manter nossos alimentos seguros. Essas decisões são altamente impactadas pelas culturas de cada organização (GFSI, v1,2018).

Para Carolyn Taylor (2018), fundadora da consultoria Walking the talk, empresas que têm uma responsabilidade que vai além da satisfação dos seus clientes e se estende para a sociedade como um todo devem possuir uma Cultura de Propósito Maior. A Cultura de Propósito Maior toca fundo em um movimento poderoso para a empresa que deseja fazer a diferença, proporcionando as maiores sensações de significado e propósito.”

Para o grupo da Global Food Safety Initiative – GFSI (v1, 2018) a Cultura de Segurança de Alimentos se define por: “valores compartilhados, crenças e normas que afetam o pensamento e comportamento em relação à Segurança de Alimentos em, através, e por toda a organização”

O grupo, dá ênfase ao:

  • Papel essencial dos líderes e gestores por toda a organização.
  • Comunicação periódica, educação, medições, trabalho em equipe e atribuição de responsabilidades como vitais para o avanço de uma Cultura em Segurança de Alimentos.
  • Habilidades aprendidas, incluindo a adaptabilidade e a percepção dos perigos.

São elencadas por este grupo, as cinco dimensões organizacionais que irão conduzir à maturidade em Segurança de Alimentos, sendo elas:

  1. Visão e Missão – as organizações comunicam a razão de ser de um negócio e como isso é traduzido em expectativas e mensagens específicas para seus membros;
  2. Pessoas – componente crítico de qualquer Cultura de Segurança de Alimentos. Comportamentos e atividades, presentes em qualquer etapa contribuem para a segurança de alimentos e potencialmente diminuem ou aumentam o risco de doenças transmitidas pelos alimentos;
  3. Consistência – refere-se ao alinhamento adequado das prioridades de Segurança de Alimentos com os requisitos de pessoas, tecnologia, recursos e processos para garantir aplicação consistente e eficaz de um programa que reforce a cultura em segurança de alimentos;
  4. Adaptabilidade – refere-se à adaptabilidade da organização em se ajustar a modificações de influências e condições de responder dentro de seu estado atual ou se mover a um novo estado;
  5. Percepção de Perigos e Riscos – o reconhecimento de perigos e riscos atuais e potenciais em todos os níveis e funções representa um elemento chave para construir e sustentar uma Cultura de Segurança de Alimentos.

Quando procuramos não apenas entender quão madura é a Cultura de Alimentos, mas também como sustentá-la e fortalecê-la, devemos entender como valores e missão das empresas afetam os pensamentos dos indivíduos dentro de seus respectivos grupos. Uma cultura madura em Segurança de Alimentos é aquela em que a visão e a missão da empresa foram detalhadas em expectativas para cada departamento e pessoa em toda a organização (GFSI, v1,2018).

Certamente, quando se cria expectativas de desempenho em Segurança de Alimentos dentro de uma organização, deve-se pensar além da simples adequação às normas regulatórias. Pense em todas as coisas que os colaboradores deveriam saber com relação aos riscos e aos alimentos, e defina claramente o que você quer que eles façam (Yiannas, 2014).

O processo de transformação Cultural

A Cultura de uma empresa é – e precisa ser – um elemento vivo. Primeiro, é preciso entender a Cultura atual da empresa e quais os impactos dela no desempenho. Em seguida, descrever a Cultura desejada, os valores que a suporta e fixar os objetivos do projeto; desenhar um plano de execução, baseado em comportamentos, símbolos e sistemas. Não existe uma receita ou fórmula mágica para mudar a Cultura (Taylor,2018).

Embora simples em sua essência, a tarefa de revaloração da cultura de uma empresa é bastante complexa na execução. Aparentemente, nada há de complicado na ação de preservar o núcleo da cultura, revitalizando-o de quando em quando, ao mesmo tempo que se estimula a internalização de novos valores. Assim, revalorar a cultura de uma empresa significa atuar em duas dimensões:

  • Ressignificação dos valores culturais: obtida mediante a apresentação de um preceito antigo a partir de outra ótica, que lhe dê nova roupagem e permita a reorientação da percepção de pessoas e grupos. Exemplo: delegação de poderes x empowerment
  • Obsolescência planejada de valores culturais: alcançada por meio de um processo de análise e de convencimento coletivo – dos funcionários em geral – de que determinado valor cultural já não é moderno ou que não serve mais aos interesses da empresa, devendo ceder lugar a outro valor cultural. Exemplo: individualismo x trabalho em equipe.

Deve-se ressaltar que, por mexer em crenças e convicções profundas, e estar pairando sobre o movediço terreno das emoções humanas, um processo de revaloração mal planejado e conduzido de modo precário pode gerar altos níveis de resistência, conflitos, moral baixo e contracultura organizacional. E, por consequência direta, resultados operacionais decrescentes. 

A revaloração da cultura deve obedecer a um programa estruturado de gerenciamento da cultura corporativa. De caráter top down, essa intervenção começa pela sensibilização da alta administração da empresa, continua com a capacitação dos gestores da mudança, e prossegue com a correta ativação de vários mecanismos de gerenciamento da cultura no dia a dia da empresa (Johann, 2004). 

Considerações Finais

A construção da cultura corporativa de alto desempenho agrega valor à empresa e atende aos interesses dos acionistas, pode alavancar não somente os negócios e os lucros da organização, como também multiplicar o seu valor de mercado (Johann, 2004). 

Aprendizagem e mudança não podem ser impostas às pessoas. Seu envolvimento e participação são necessários para diagnosticar o que está ocorrendo, descobrir o que fazer e efetuar a aprendizagem e a mudança (Schein, 2020).

A cultura é criada por experiências compartilhadas, mas é o líder que inicia esse processo ao impor suas crenças, valores e suposições desde o início (Schein,2020).

O grupo da Global Food Safety Initiative – GFSI (v1, 2018), acredita que, para ser bem-sucedida e sustentável, a Segurança dos Alimentos deve ir além dos regulamentos formais e viver na cultura da empresa.

Sendo assim, concluímos que cultura é o resultado de um complexo processo de aprendizagem do grupo. Novas formas e mensagens de aprendizagem precisam ser emitidas pela organização e, principalmente, pelos seus líderes, para que uma nova modelagem se transponha àquela que não está a favor da estratégia. Neste sentido, se as mensagens forem emitidas desde a alta gestão, mais força ela terá. Aliás, se não houver envolvimento da alta gestão e líderes, as chances de um processo de transformação cultural não dar certo são altas. Além disso, é vital a participação dos profissionais de recursos humanos neste processo, pois devido sua orientação para pessoas, devem escolher ferramentas que irão impulsionar a cultura.

Buscar a implementação da Cultura em Segurança de Alimentos apenas para cumprimento de norma, não alcançará a potência e a profundidade requerida para um assunto tão importante e relevante.

Uma efetiva Cultura em Segurança de Alimentos evidenciará uma real conexão entre propósito, estratégia, engajamento de funcionários e líderes, e alinhamento de todos os processos. Ou seja, a forma como tudo é feito na empresa, gerando então, uma maior vantagem competitiva para a organização.

 

Referências:

Dicionário Houaiss Conciso/Instituto Antônio Houaiss, organizador; editor responsável Mauro de Salles Villar – São Paulo:Moderna,2011.

Perez, Francisco Conejero; Cobra, Marcos – Cultura organizacional e gestão estratégica:a cultura como recurso estratégico- São Paulo: Atlas,2015.

Pettigrew, A.M. – On studying organizational cultures. Administrative Science Quarterly ,24,p.570-581,1979.

Schein, Edgar H. – Cultura organizacional e liderança – São Paulo: Atlas, 2020.

  1. Hitt, Michael; R., Duane Ireland; Robert E. Hoskisson – Administração estratégica: competitividade e globalização – São Paulo: Pioneira Thomson Learning,2003.

Taylor, Carolyn – Walking the Talk: a cultura através do exemplo – 2a edição- Rio de Janeiro:Publit,2018.

Barret, Richard – A organização dirigida por valores: liberando o potencial humano para a performance e a lucratividade – Rio de Janeiro: Alta Books,2017.

Johann, Sílvio Luiz – Gestão da Cultura Corporativa: como as organizações de alto desempenho gerenciam sua cultura organizacional – São Paulo: Saraiva,2004.

Global Food Safety Initiative – GFSI (v1, 2018)

Yiannas, Frank – Cultura de segurança de alimentos: criando um sistema de gestão de segurança de alimentos baseado em comportamento – São Paulo: Food Design, 2014.

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