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Alergia a camarão ou reação a metabissulfito de sódio?

Entenda por que nem sempre o camarão é o culpado.

Fernando David Caracuschanski; Luana de Carvalho; Debora Caracuschanski; Andréa Matta Ristow.

Dentre todos os produtos de origem animal, o pescado é o mais perecível. Tal fato se dá devido a seu pH próximo a neutralidade, atividade de água elevada, alto teor de nutrientes, baixa quantidade de glicogênio muscular e tecido conjuntivo (SOARES; GONÇALVES, 2012). Vale ressaltar que dentre o grupo, os crustáceos, como o camarão, apresentam maior velocidade de deterioração do que os peixes devido ao elevado conteúdo de metabólitos de baixo peso molecular; e composição mais rica em aminoácidos e extratos nitrogenados, tornando-os mais susceptíveis a proliferação da microbiota deteriorante, gerando alterações das características sensoriais (ZENG et al., 2005). Além disto, dois processos pós-captura do camarão também são responsáveis pela redução da qualidade e aceitabilidade: o mushiness e a melanose (FOSSATI et al., 2016). 

O mushiness se caracteriza pela pronunciada perda da integridade muscular, principalmente no primeiro segmento da cauda, causada pela difusão de enzimas proteolíticas, inclusive colagenolíticas (FURLAN, 2013).

A melanose, ou black spot, é um processo de oxidação enzimática que ocorre no post mortem em decorrência da oxidação de compostos fenólicos para quinonas, através das enzimas Polifenoloxidases (PFO) na presença do oxigênio. A polimerização não-enzimática das quinonas incolores originam pigmentos escuros, insolúveis e de alto peso molecular, conhecidas por melaninas. Tal fenômeno ocasiona perda da qualidade visual do camarão pelo aparecimento de pontos pretos, principalmente, ao longo dos pleópodes, cefalotórax, cauda e nas adjacências da carapaça antes de se espalhar ao longo do corpo e em graus mais avançados, podem estar presentes na musculatura (Figura 1) (OSTRENSKY et al., 2017). 

De acordo com a Instrução Normativa n° 23 de 20 de Agosto de 2019 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA (BRASIL, 2019 a), os lotes de camarões são considerados defeituosos quando há alterações evidentes na coloração própria da espécie, que afetem mais de 10% da área superficial do indivíduo e que afetem mais de 25% da unidade amostral

As enzimas responsáveis pelo desenvolvimento da melanose permanecem ativas durante a refrigeração, armazenagem em gelo ou após o processo de congelamento, ocasionando perdas significativas na indústria pesqueira. Para o controle do aparecimento da melanose, substâncias redutoras tais como sulfitos e derivados têm sido utilizados. Entre os mais usados está o metabissulfito de sódio (FOSSATI et al., 2016). 

Figura 1: Demonstração dos estágios de melanose em camarões Xyphopenaues kroyeri

Fonte: Yokoyama (2007)

No Brasil, é comum a utilização do metabissulfito de sódio na embarcação após a captura do camarão. Estes crustáceos são imersos em tanques contendo água com gelo e solução de metabissulfito de sódio, o que ocasiona uma morte mais rápida do pescado e a inibição da melanose (OSTRENSKY et al., 2017).

A Resolução da Diretoria Colegiada n° 329 de 19 de Dezembro de 2019 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (BRASIL, 2019 b), estabelece o padrão para o uso de sulfitos, como o metabissulfito de sódio, através da quantificação de dióxido de enxofre residual (SO2), sendo o limite máximo de 0,01g a cada 100g.

De acordo com Ostrensky e colaboradores (2017), a exposição a níveis elevados de metabissulfito de sódio em humanos pode acarretar reações adversas que incluem: dores de cabeça; dores abdominais; náuseas; tontura; urticária; angioedema; hipotensão; irritação gástrica local; distúrbios do comportamento; erupções cutâneas; diarreia; choque anafilático e crise asmática nos indivíduos asmáticos sensíveis a sulfitos. 

Diferentemente da reação ocasionada pelo metabissulfito de sódio, a alergia a camarão ocorre devido a Tropomiosina, que é uma proteína importante na contração muscular nos vertebrados e invertebrados. No entanto, quando ingerida a partir de invertebrados, como o camarão, é extremamente alergênica ao ser humano, ocasionando sintomatologia similar a alergia ao metabissulfito de sódio (ISABEL RUGUÊ et al., 2009).

Desta forma, é bastante importante diferenciar a qual substância a reação é desencadeada, visto que nem sempre esta é proveniente da matriz alimentícia, podendo ser oriunda de diferentes aditivos. Com o intuito de diminuir as reações adversas do uso do metabissulfito de sódio, no Brasil atualmente são estudadas técnicas alternativas como: 4-hexilresorcinol e embalagem com atmosfera modificada combinada ao congelamento (OSTRENSKY et al., 2017).

Referências

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Ministério da Saúde. Resolução da Diretoria Colegiada n° 329 de 19 de Dezembro de 2019. Estabelece os aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia autorizados para uso em pescado e produtos de pescado. Diário Oficial da União. 2019 b. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-rdc-n-329-de-19-de-dezembro-de-2019-235414834. Acesso em: 26 Mai. 2021.

BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Instrução Normativa n° 23 de Agosto de 2019. Regulamento Técnico que fixa a identidade e os requisitos de qualidade que devem apresentar o camarão fresco, o camarão resfriado, o camarão congelado, o camarão descongelado, o camarão parcialmente cozido e o camarão cozido. Diário Oficial da União. 2019 a. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-23-de-20-de-agosto-de-2019-213001623. Acesso em: 26 Mai. 2021.

FOSSATI, A. A. N.; BERGMANN, G. P.; RIBEIRO, L. A. O.; STREIT JÚNIOR, D. P.; SCHNEIDER, T. M. C.; KINDLEIN, L. Effects of different additives on colorimetry and melanosis prevention of Atlantic seabob shrimp (Xyphopenaeus kroyeri) stored under refrigeration. International Journal of Fisheries and Aquaculture, v. 8(8), p. 74-80. 2016. Disponivel em: https://www.researchgate.net/publication/307467143_Effects_of_different_additives_on_colorimetry_and_melanosis_prevention_of_Atlantic_seabob_shrimp_Xyphopenaeus_kroyeri_stored_under_refrigeration. Acesso em 25 Mai. 2021.

FURLAN, E.F. Qualidade e Valorização do camarão sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri, Heller, 1862): aspectos sensoriais e vida útil em gelo. 2013. Tese (Doutorado Ciências Nutrição e Saúde Pública) Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6138/tde-02042013-093825/pt-br.php. Acesso em: 25 de mai. de 2021.

GENOV, I. R; SOLÉ, D; SANTOS, A. B. R; ARRUDA, L. K. P. Tropomiosinas e reatividade cruzada. Revista Brasileira de Alergia e Imunologia, v. 32, p. 89-95, 2009. Disponível em: http://www.sbai.org.br/revistas/Vol323/ART%203-09%20-%20Tropomiosinas%20e%20reatividade%20cruzada.pdf. Acesso em 25 Mai. 2021.

OSTRENSKY, A.; STEVANATO, D. J; PONT, G. D; CASTILHO-WHESTPHAL, G. G; GIROTTO, M. V. F; COZER, N; GARCIA-MADRIGAL, R. F. A; SILVA, U. A. T. A produção integrada na carcinicultura 53 Brasileira: Princípios e práticas para se cultivar camarões marinhos de forma mais racional e eficiente. 1ed. Curitiba: Instituto GIA, v.2, 2017.

SOARES, K.M.P; GONÇALVES, A.A. Qualidade e segurança do pescado. Revista do Instituto Adolfo Lutz, v. 71, n. 1, p. 1-10, 2012. Disponível em: http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0073-98552012000100001&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

YOKOYAMA, V. A. Qualidade do camarão da espécie Xyphopenaeus kroyeri mediante a ação dos agentes antimelanóticos. 2007. 124 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Escola de São Paulo Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, 2007. Disponivel em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11141/tde-28022008-154048/#:~:text=Camar%C3%B5es%20da%20esp%C3%A9cie%20Xyphopenaeus%20kroyeri,par%C3%A2metros%20f%C3%ADsico%2Dqu%C3%ADmicos%2C%20microbiol%C3%B3gicos%2C. Acesso em 25 Mai. 2021.

ZENG, Q. Z.; THORARINSDOTTIR, K. A.; OLAFSDOTTIR, G. Quality of shrimp (Pandalus borealis) stored under different cooling conditions. Journal of Food Science, v.70, n.7, p 459-466, 2005. Disponivel em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1365-2621.2005.tb11493.x

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  1. Tenho uma pergunta, pois percebo q tenho uma alergia branda e “seletiva”, ou seja, alguns lugares q como camarão sinto menor reação. O uso do metabissulfito é descrito nas embalagens?

    Em tempo, post esclarecedor! Obrigada

  2. Oi Cíntia.
    É obrigatório ter na lista de ingredientes caso seja utilizado.
    Algumas empresas utilizam alertas como de alergênicos!
    CONTÉM METABISSULFITO DE SÓDIO

  3. Alguns camarões que comercializo apresentam pintas escuras esporádicas…camarões rosa de 60 70 100 gramas… será que estas pintas pretas já representam alteração…?!?!….

    1. Boa tarde Mário.
      Podem ser necroses, não necessariamente está relacionado a alterações de deterioração do alimentos.
      Em vannamei está relacionado ao processo de cicatrização de ferimentos do animal ainda vivo.

  4. Indicativos relacionam disposição alérgica no consumo de camarão em decorrência do estágio pós mortes do camarão e a concentração do metabissulfito de sódio, como tbem duração de imersão na solução.

    1. Boa tarde Edson. O tempo de imersão na solução é um dos fatores, relacionar com a quantidade de metabissulfito, quantidade de camarões, e tamanho do animal, tem influência na absorção de sulfito .

  5. Eu já fiz teste específico para alergia e deu positivo para camarão. Eu como normalmente e não tenho sintomas, apenas um dia fui num rodízio de camarão e parei na emergência (ou seja, em grandes quantidades sei que não posso).
    Porém, ao frequentar um restantante de uma rede famosa, mesmo comendo apenas 3 unidades, uma hora depois já estava com sintomas (pálpebras, lábios e orelhas inchados). Isso aconteceu 2x.
    Mesmo lendo todo esse conteúdo (por sinal muito interessante) não consegui entender se realmente tenho alergia ao camarão ou ao aditivo, fiquei confusa rsrs

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