O que é e quem é responsável pela inspeção dos POA?
Para garantia da oferta de um produto de origem animal (POA) seguro ao consumidor final, principalmente em relação à sua qualidade higiênica, sanitária e tecnológica, é de extrema importância a prévia inspeção e fiscalização do alimento em todas as etapas de sua cadeia produtiva, sendo realizada por profissionais competentes à atividade.
O conceito de inspeção higiênico-sanitária de um alimento está ligado ao ato de observar ou examinar o produto, a fim de confirmar sua segurança como matéria-prima voltada ao consumo humano. Isso se dá por meio de diferentes métodos de inspeção e controle onde o profissional responsável pela inspeção busca identificar irregularidades que podem estar relacionadas à presença de perigos físicos, químicos e/ou biológicos no alimento para assim contribuir para a oferta de alimentos seguros para os consumidores. Nos casos da detecção de não conformidades, o profissional pode condicionar o produto irregular ao uso parcial ou impedir o seu total aproveitamento.
Vale ressaltar que a aplicação da fiscalização na cadeia produtiva de alimentos também minimiza a ocorrência de fraude nos produtos finais, além de garantir a padronização do alimento através do cumprimento dos regulamentos técnicos de identidade e qualidade de cada produto (RTIQ), preconizados por leis vigentes.
A responsabilidade do controle sanitário de alimentos no Brasil é compartilhada entre duas instituições distintas e em âmbitos próprios, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério da Saúde.
Para melhor entendimento do assunto, o MAPA e as Secretarias de Agricultura nos âmbitos estadual e municipal são responsáveis pelos serviços de inspeção e fiscalização que ocorrem nas propriedades rurais fornecedoras de matéria-prima para processamento de POA, nos estabelecimentos de processamento e manipulação de POA, nas casas atacadistas que recebem e armazenam tais produtos para reinspeção e nos portos, aeroportos, postos de fronteira, aduanas especiais e recintos especiais de despacho aduaneiro de exportação. Cabe ao órgão a inspeção dos alimentos exclusivamente de origem animal (carnes, leite, ovos, mel, pescado e seus derivados), bebidas em geral (não alcoólicas, alcoólicas e fermentadas) e vegetais in natura.
Já o Ministério da Saúde, através do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), promove a fiscalização sanitária na comercialização varejista. O SNVS é integrado, no âmbito da vigilância sanitária, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pelos órgãos de vigilância sanitária (Visas) estaduais, as Visas municipais, o Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública; além dos sistemas de informação de vigilância sanitária. Cabe à ANVISA a regulamentação, o controle e a fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, como os bens e produtos de consumo submetidos ao controle e fiscalização sanitária, dos quais os alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários são alvo de suas incumbências (BRASIL, 1999).
O RIISPOA
Figura 01: Infográfico – Médica veterinária Paula Eloize
E após entender o funcionamento da inspeção de POA, é fundamental o conhecimento de determinadas legislações que norteiam e fundamentam a área. O principal destaque e referência nacional é o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), conhecido popularmente como a “bíblia dos alimentos”. O documento, que regulamenta a atividade desde sua primeira edição (Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952 (BRASIL, 1952)), sofreu atualizações com o passar dos anos e novas discussões e tecnologias, e atualmente está redigido no Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017 (BRASIL, 2017). Além dele, surgem como complementação normativa ao RIISPOA outras legislações, dentre elas Instruções Normativas (IN), Portarias e Resoluções de Colegiado (RDC).
De modo geral, o RIISPOA (BRASIL, 2017) determina a inspeção e a fiscalização de todos os animais destinados ao abate, assim como da carne, pescado, leite, ovos, produtos de abelhas e seus respectivos derivados, comestíveis ou não. O documento apresenta as definições e parâmetros básicos para instrumentar a atividade da fiscalização quanto a estruturação dos estabelecimentos e suas obrigações, aos padrões de condições de higiene, assim como a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal e seus padrões de identidade e qualidade. Também, o documento regulamenta o processo de registro de produtos, de embalagem, rotulagem e carimbos de inspeção, além de identificar como proceder no caso de análises laboratoriais, a reinspeção industrial e sanitária, e instruções acerca das certificações, infrações e penalidades.
As ações de inspeção devem ser aplicadas em todas as etapas da cadeia alimentar, sob o ponto de vista industrial e sanitário: na inspeção ante e post mortem dos animais, ou seja, antes e após o abate, quando aplicável, de acordo com a espécie animal; e desde a recepção da matéria-prima à expedição e transporte do produto final. Ao deflagar produtos com não conformidades relacionadas com o preconizado oficialmente, o profissional responsável deve tomar as devidas providências e destino adequado do mesmo.
Na industrialização das proteínas animais, a inspeção ocorre em diversos pontos pré-determinados e padronizados na sala de matança e linhas de processamento, através de análises e exames realizados nas vísceras e gânglios para observação da qualidade do produto. Ao fim de cada fluxograma, após a constatação que o produto inspecionado encontra-se apto para consumo humano, o produto é expedido com carimbo do selo de inspeção (municipal, estadual ou federal), presente nos rótulos na comercialização, utilizado como garantia da inspeção e até mesmo como método de rastreamento do alimento. Esse selo apresenta formatos diferentes, de acordo com o tipo de serviço de inspeção que está ligado (BRASIL, 2017).
Um ponto importante a ser ressaltado é que a inspeção de produtos de origem animal é uma competência exclusiva e privativa do médico veterinário, como observado na legislação que dispõe sobre o exercício legal da profissão previamente citada (BRASIL, 1968), uma vez que este é o profissional que, em sua formação, possui os conhecimentos acerca da sanidade animal e como esta pode refletir na qualidade do produto final e na saúde do ser humano.
Por isso, o RIISPOA (BRASIL, 2017) aponta que a inspeção e fiscalização no beneficiamento de POA é de atribuição do Auditor Fiscal Agropecuário com formação em Medicina Veterinária, atuante em instituições públicas de âmbito federal, estadual ou municipal, e do Agente de Inspeção Sanitária e Industrial de Produtos de Origem Animal (POA) além dos demais cargos efetivos de atividades técnicas de fiscalização agropecuária, respeitadas as devidas competências, quanto ao cumprimento das normas sanitárias assim como pelo controle do trânsito dos animais e seus produtos.
Os Serviços de Inspeção de POA
Os serviços de inspeção são diferenciados de acordo com o âmbito de comercialização do produto, sendo divididos em SIM, SIE e SIF. O produto com SIM, o Serviço de Inspeção Municipal, ligado às Secretarias Municipais de Agricultura, só pode ser comercializado dentro do município em questão; com SIE (fig. 01), ou seja, o Serviço de Inspeção Estadual, ligado às Secretarias Estaduais de Agricultura, a comercialização do produto ocorre apenas dentro do Estado; e no SIF (fig. 02), o Serviço de Inspeção Federal, ligado ao MAPA, o produto é comercializado a nível nacional, com possibilidade de exportação.
Note que, através de consulta online no site do MAPA, é possível obter os dados do estabelecimento de produtos de origem animal que possua SIF, através da numeração do mesmo. Disponível aqui.
Figura 02: Exemplo de produto com SIE.
Foto: André Medeiros
Figura 03: Exemplo de produto com SIF.
Foto: André Medeiros
Também, é fundamental o conhecimento do Decreto n° 5.741, de 30 de março de 2006 (BRASIL, 2006), que regulamentou o funcionamento do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), a qual está ligado o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI/POA). Este último, a partir da Instrução Normativa n° 17, de 06 de Março de 2020 (BRASIL, 2020), reconheceu a equivalência dos Serviços de Inspeções estaduais e municipais, aderidos ao sistema, com o Serviço de Inspeção Federal. A IN citada estabeleceu os procedimentos para adesão ao sistema, que tem como objetivo a harmonização dos procedimentos de inspeção dos POA. Após adesão no sistema, os produtos podem ser comercializados em todo o Brasil, porém não podem ser exportados. Para mais informações sobre o SISBI/POA, acesse: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/suasa/sisbi-1/sisbi.
O papel da Vigilância Sanitária
A Vigilância Sanitária é uma das frentes de atuação da saúde coletiva. Ligada ao Ministério da Saúde, pode ser definida como um conjunto de atividades e ações, que deve ser aplicado para promoção da avaliação, gerenciamento, prevenção e correção do risco sanitário, assim como de problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde. Abrange, de modo geral, o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionam com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo, assim como controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde (BRASIL, 1990; EDUARDO; MIRANDA,1998).
A Vigilância Sanitária detém, historicamente, o poder de polícia administrativa no campo da saúde, e esta é sua face mais visível e notada pela sociedade. Mediante esse poder, que lhe assegura a capacidade de intervenção sobre os problemas sanitários, cabe a ela restringir os direitos individuais em benefício do interesse coletivo. Seus modos de atuação compreendem atividades autorizativas (registro de produtos, licenciamento e autorização de funcionamento de estabelecimentos), normativas, de avaliação e monitoramento de qualidade, de educação em saúde e de comunicação com a sociedade. Tais atividades lhe conferem caráter de ação regulatória de Estado, e precisam ser exercidas por agentes públicos com investidura para a função.
Dentre as principais atribuições da Vigilância Sanitária voltada à área de alimentos, podemos destacar o atendimento às denúncias, a investigação de surtos alimentares, a coleta adequada de alimentos e encaminhamento para realização de análises laboratoriais, a análise de rotulagem de alimentos, a fiscalização para a liberação de licença sanitária e correto funcionamento, e atividades educativas para o setor alimentício e sociedade em geral.
Como instrumentos operacionais para as ações correlatas, a Vigilância Sanitária utiliza como base as legislações vigentes e formulários oficiais, recursos humanos, apoio técnico e jurídico, e conta com uma equipe multidisciplinar. Na observação de infrações perante ao disposto em normas legais, o estabelecimento pode receber penalidades, aplicadas de acordo com a infração, dentre elas advertência, multa, apreensão ou interdição do produto, suspensão de vendas e/ou fabricação do produto e/ou o cancelamento de autorização para o funcionamento da empresa, assim como do alvará de licenciamento do estabelecimento.
Portanto, pode-se corroborar que a inspeção e fiscalização de POA é de extrema importância e indispensável na segurança do produto final para o consumidor, auxiliando na verificação de fraudes, assim como no controle de qualidade dos produtos. É fundamental a aplicação dos instrumentos de inspeção, como os programas de autocontrole aplicados em toda cadeia de beneficiamento do mesmo.
Agradecimentos
Agradeço a colaboração e disponibilidade da médica veterinária Jane Maia Castro na construção e revisão do texto.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto n° 30.691, de 29 de março de 1952. Aprova o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 07 jul. 1952.
BRASIL. Casa Civil. Lei nº 5.517, de 23 de outubro de 1968. Dispõe sobre o exercício da profissão de médico-veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária. Diário Oficial da União, 25 out. 1968, Seção 1.
BRASIL. Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, Brasília (DF), Diário Oficial da União, 20 set. 1990a.
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Brasília, DF, jan., 1999.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006. Regulamenta os arts. 27-A, 28-A e 29-A da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991, organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 mar. 2006a.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto n° 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamenta a lei no 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a lei no 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Aprova o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitário de Produtos de Origem Animal. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, n. 62, p. 03, 30 mar. 2017. Seção 1.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n° 17, de 06 de Março de 2020. Estabelece os Procedimentos Para Reconhecimento da Equivalência e Adesão Ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-Poa), do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA). Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, n. 48, p. 02, 11 mar. 2020a. Seção 1.
EDUARDO, M. B. P.; MIRANDA, I. C. S. Vigilância sanitária: Saúde & Cidadania. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998.