André Medeiros – autor e curador da série Dia de Pescado | Portal e-food
Em setembro, mês que abriga a Semana do Pescado, com a proposta e objetivo de elevar o consumo brasileiro do produto através de promoções, eventos gastronômicos e informativos, e outras formas de incentivo, busquei maneiras diversas de abordar o tema aqui no Portal e-food e corroborar a importância socioeconômica e nutritiva que o alimento possui frente aos leitores da série Dia de Pescado.
Com o intuito de aproximar os leitores do canal ao dia a dia daqueles que trabalham diretamente ou indiretamente na cadeia produtiva do pescado, lançamos o quadro “Experiências no pescado”, onde convidei colegas de profissão, atuantes da área, a relatarem um pouco da sua expertise, adquirida ao longo da vida profissional.
Começamos com o relato da Dra. Solange Medeiros, que é médica veterinária com experiência na área de qualidade e segurança alimentar, e foco no pescado, tendo atuado em sua trajetória profissional em unidade de beneficiamento de pescado de grande porte, como Pepsico do Brasil Ltda (Conservas de Pescado Coqueiro) e Grupo Calvo (Conservas de Pescado Gomes da Costa – GDC Alimentos), sendo uma das primeiras mulheres a trabalhar como responsável técnico de indústrias pesqueiras.
Atualmente, a Dra. Solange está como médica veterinária oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)/SC, atuando junto à habilitação de produtos de origem animal para União Europeia.
Relato 1
A força da liderança feminina no “chão de fábrica” na produção de alimentos
“Quando me pediram para escrever um pouco sobre a experiência de trabalhar 35 anos como Gestão da Qualidade em grandes indústrias de pescado no Brasil, me fez relembrar do imenso desafio que isto representou simplesmente por ser mulher.
Num ambiente onde o machismo estrutural define a maior parte das operações e domina grande parte das decisões, acho que de alguma forma acabei tendo uma oportunidade única de mostrar a capacidade de trabalho da mulher, não apenas no que se refere ao acolhimento e coesão grupal, mas também nas tomadas de decisões rápidas e com possibilidade de provocar grandes impactos no desempenho das empresas focada na segurança de alimentos.
Desta forma me considero privilegiada de ter tido a chance de mostrar meu trabalho numa época difícil e em cargos onde o maior contingente era de trabalhadores que não eram habituados à liderança de uma mulher no chamado “chão de fábrica” e, no máximo, poderiam liderar um laboratório, e não foi o caso.
É inegável que enfrentei dúvidas e insegurança por parte de alguns líderes de setores, mas da mesma forma, devo dizer que encontrei grandes colegas que estiveram ao meu lado discutindo e apoiando minhas decisões tendo como base informações científicas.
Acho que o maior diferencial no meu trabalho foi o de ser receptiva e acolhedora nas queixas e problemas, mas incisiva e assertiva na apresentação de mudanças de comportamento ou da tomada de decisões.
O fato de ser mulher teve o poder de suavizar resistências no ambiente profissional, já que não representava uma ameaça à natural competição, que a cultura masculina costumava cultivar em ambientes de alto desempenho.
Mantendo vínculos com a área acadêmica agregava produtividade e segurança ao trabalho (conhecimento de tecnologias mais modernas e ferramentas de qualidade mais eficientes). Contatos com técnicos de diferentes Ministérios e Instituições governamentais somaram esforços de aproximação dos players do setor pesqueiro na elaboração de políticas que resultaram em grandes progressos em termos de segurança alimentar e sustentabilidade.
O trabalho feminino pautado na competência nivelada e qualificada, faz com que o domínio do conteúdo se sobreponha ao poder aparente.”
Relato 2
O segundo relato é da médica veterinária, especializada em Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal (HIPOA), Maria Stela Conte, tendo atuado em posição de cargo de confiança do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Atualmente a especialista é consultora técnica na FIESP e consultora na Verum Regulatórios, além de ser uma amiga muito querida e uma grande parceira minha.
Uma visão prática da cadeia de pescado
“Há aproximadamente 20 anos atuando no setor de pescado, seja como responsável técnica ou consultora, pude entender a grandiosidade que o setor oferece, seja em seus necessários dispositivos regulatórios, através do registro de rótulos de produtos nacionais e importados, nas devidas habilitações obtidas para as plantas nas quais atuei, ou mesmo, na implantação de seus programas de autocontrole, visando controles em suas necessárias planilhas, que tornam todo processo auditável por colegas veterinários oficiais ou por colegas que nos auditam em visitas como representantes de grandes empresas que adotam como cuidado, o controle de seus fornecedores em seus programas específicos de validação.
Vale ressaltar que o contato direto com os operadores nos diversos elos dessa descomunal cadeia, que cresce continuamente no cenário econômico das proteínas animais, oferece a nós médicos veterinários, incomensuráveis opções de atividades no setor e uma interlocução dinâmica e valiosa para a otimização de resultados. Prova de que o profissional médico veterinário tem papel fundamental na harmonização entre as ações dos Órgãos Oficiais, setor privado e academia, viabilizando a aplicabilidade das normas, ou mesmo sua adequação frente às constantes inovações tecnológicas e operacionais a que estão submetidas.
Além disso, o contato direto com os colaboradores das diversas áreas ou mesmo nas relações internacionais que regem o setor, permite uma sensibilização e um “olhar diferente” para as inúmeras oportunidades socioeconômicas que nossa atividade pode fomentar.
A constante preocupação com mecanismos sustentáveis também é uma crescente entre os profissionais do setor, reiterando a importância da perpetuação das diversas espécies envolvidas nessa atividade, bem como, adoção de novos mecanismos a serem inovados. Essa preocupação se estende na insistência em realizar testes e implantar normas que garantam Bem Estar Animal, que garantam manejo responsável para as espécies trabalhadas.
Essas considerações que pude vivenciar e enxergar durante esses anos são apenas a ponta do iceberg que posso testemunhar através desse texto, frente ao mundo de possibilidades que o médico veterinário pode desfrutar nessa apaixonante área.”
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