Introdução
A gestão de resíduos em frigoríficos é um tema de extrema relevância, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. Essas indústrias, responsáveis pelo processamento de carne e derivados, geram uma grande quantidade de resíduos, incluindo efluentes líquidos, sólidos orgânicos e subprodutos, que, se não forem tratados adequadamente, podem causar sérios danos ao meio ambiente.
No entanto, com o uso de tecnologias modernas e práticas sustentáveis, é possível transformar esses resíduos em recursos valiosos, reduzindo os impactos negativos e promovendo a eficiência no uso de recursos. Um dos principais desafios enfrentados pelos frigoríficos é o tratamento dos efluentes líquidos, que são gerados durante o processo de limpeza das instalações, equipamentos e no próprio processamento da carne. Esses efluentes contêm altas concentrações de matéria orgânica, gordura, sangue e outros contaminantes, que podem poluir rios, lagos e lençóis freáticos se forem descartados sem tratamento. Para enfrentar esse problema, as indústrias têm adotado tecnologias como o tratamento físico-químico, que remove sólidos em suspensão e gordura por meio de processos como peneiramento e flotação. Esse tratamento é essencial como uma primeira etapa, preparando os efluentes para processos mais avançados.
Outra tecnologia amplamente utilizada é o tratamento biológico, que emprega microrganismos para decompor a matéria orgânica presente nos efluentes. Esse processo pode ser realizado em sistemas aeróbicos, que utilizam oxigênio para promover a degradação, ou em sistemas anaeróbios, que operam sem oxigênio e são especialmente eficazes para efluentes com alta carga orgânica, como os gerados em frigoríficos. Um dos grandes benefícios dos sistemas anaeróbios é a produção de biogás, uma mistura de metano e dióxido de carbono, que pode ser utilizado como fonte de energia renovável, reduzindo os custos energéticos da indústria e diminuindo a dependência de combustíveis fósseis.
Além do tratamento de efluentes, o aproveitamento de subprodutos é uma prática que tem ganhado destaque na gestão de resíduos em frigoríficos. Durante o processamento da carne, são gerados resíduos sólidos como vísceras, ossos, couro e aparas de carne, que podem ser transformados em produtos de maior valor agregado. Por exemplo, vísceras e aparas de carne podem ser processadas para a produção de farinhas animais, utilizadas na alimentação de aves, suínos e outros animais de criação. Essa prática não só reduz o desperdício, mas também contribui para a economia circular, onde os resíduos de uma indústria se tornam insumos para outra.
Os ossos, por sua vez, podem ser transformados em farinha de ossos, utilizada como fertilizante na agricultura, ou em gelatina, que tem diversas aplicações na indústria alimentícia e farmacêutica. Geralmente encontrado como apresentado na figura abaixo:
Farinha de Ossos
Fonte: AGROSOLO (2025)
O couro, um subproduto de alto valor, pode ser processado e utilizado na fabricação de artigos de vestuário, calçados e acessórios.
Tipos de couro
Fonte: AUDACES, (2022)
Já a gordura animal pode ser aproveitada para a produção de biodiesel, uma alternativa renovável aos combustíveis fósseis.
Exemplo do sebo bovino, que é segunda matéria-prima na produção de biodiesel
Fonte: MERCOAGRO (2019)
Estes exemplos mostram como os resíduos que seriam descartados podem ser transformados em produtos úteis, gerando receitas adicionais para as empresas e reduzindo a pressão sobre os recursos naturais.
Outra prática sustentável que tem sido adotada por frigoríficos é a produção de biogás a partir de resíduos orgânicos. Por meio da digestão anaeróbia, os resíduos são decompostos por microrganismos, gerando biogás, que pode ser utilizado para gerar energia elétrica ou térmica nas próprias instalações da indústria. Esse processo não só reduz os custos com energia, mas também diminui a dependência de fontes não renováveis, como o petróleo e o carvão, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
A adoção dessas tecnologias e práticas traz benefícios significativos tanto para o meio ambiente quanto para a economia dos frigoríficos. Do ponto de vista ambiental, a redução da carga poluidora dos efluentes e a transformação de resíduos em recursos contribuem para a preservação dos ecossistemas aquáticos, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a conservação dos recursos naturais. Além disso, a reutilização da água e a geração de energia a partir de resíduos promovem a eficiência no uso dos recursos, alinhando-se aos princípios da sustentabilidade.
Do ponto de vista econômico, o aproveitamento de subprodutos gera receitas adicionais para os frigoríficos, transformando o que seria um custo de descarte em uma fonte de lucro. A produção de farinhas animais, gelatina, biodiesel e biogás, por exemplo, abre novas oportunidades de negócios e diversifica as fontes de renda das empresas. Além disso, a adoção de práticas sustentáveis pode melhorar a imagem da empresa perante os consumidores, que estão cada vez mais conscientes e preocupados com os impactos ambientais dos produtos que consomem.
A gestão de resíduos em frigoríficos é um desafio complexo, mas também uma oportunidade para promover a sustentabilidade no setor. Por meio da adoção de tecnologias avançadas para o tratamento de efluentes e o aproveitamento de subprodutos, é possível reduzir os impactos ambientais, transformar resíduos em recursos valiosos e gerar benefícios econômicos.
A implementação dessas práticas requer investimentos em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura, mas os resultados compensam, tanto para o meio ambiente quanto para a viabilidade financeira das empresas. Em um mundo onde a demanda por alimentos continua a crescer, a adoção de práticas sustentáveis na indústria frigorífica é essencial para garantir um futuro mais equilibrado e responsável.
Além das tecnologias já mencionadas, outra área promissora na gestão de resíduos em frigoríficos é a utilização de sistemas de tratamento avançados, como a filtração por membranas e os processos de osmose reversa. Essas tecnologias podem ser aplicadas para melhorar a qualidade dos efluentes líquidos, removendo impurezas e tornando a água tratada adequada para ser reutilizada no processo industrial ou devolvida ao meio ambiente sem causar danos. O uso de sistemas de filtração não só promove a eficiência hídrica, mas também contribui para a redução do consumo de água doce, recurso cada vez mais escasso e vital para a produção de alimentos. Além disso, o reaproveitamento da água tratada nas próprias instalações pode reduzir significativamente os custos operacionais e diminuir a pressão sobre os corpos d’água locais.
Outro avanço importante é o desenvolvimento de tecnologias de compostagem para resíduos orgânicos não aproveitados na produção de farinhas ou biogás. A compostagem é uma técnica natural de decomposição que transforma resíduos orgânicos em fertilizantes ricos em nutrientes, que podem ser utilizados na agricultura, fechando o ciclo de nutrientes e promovendo a economia circular. Em locais próximos a frigoríficos, esse fertilizante pode ser usado em cultivos agrícolas, contribuindo para a fertilidade do solo e reduzindo a necessidade de insumos químicos. Além disso, a compostagem ajuda a reduzir a quantidade de resíduos sólidos enviados para aterros, diminuindo o impacto ambiental do descarte inadequado de materiais.
A inovação no uso de tecnologias limpas e práticas sustentáveis também pode trazer benefícios em termos de conformidade com regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas. O setor frigorífico enfrenta um cenário global de crescente pressão para reduzir sua pegada ecológica, e a adoção de práticas como a gestão eficiente de resíduos, o tratamento de efluentes e a reutilização de recursos pode ser um diferencial competitivo. A capacidade de atender a essas exigências e ainda gerar produtos com maior valor agregado pode melhorar a reputação das empresas no mercado, atraindo consumidores e investidores que priorizam a sustentabilidade.
A conscientização sobre os impactos ambientais da pecuária e a crescente demanda por produtos sustentáveis incentivam as empresas a investir em práticas que alinhem lucro e responsabilidade socioambiental. O mercado de produtos ecologicamente corretos está em expansão, e frigoríficos que adotam práticas sustentáveis podem se beneficiar de um posicionamento de destaque, aumentando sua participação no mercado e ampliando suas oportunidades de negócio. A gestão eficiente dos resíduos pode, portanto, ser vista não apenas como uma obrigação, mas como uma estratégia inteligente para se diferenciar em um mercado cada vez mais consciente de suas escolhas ambientais.
As iniciativas voltadas para a sustentabilidade e a gestão de resíduos em frigoríficos devem ser vistas como parte de uma transformação mais ampla do setor agroindustrial. A combinação de tecnologias inovadoras, práticas de economia circular e uma postura responsável em relação ao meio ambiente, cria um ciclo virtuoso que não só contribui para a preservação dos recursos naturais, mas também gera benefícios financeiros a longo prazo. Assim, a gestão eficiente de resíduos não é apenas uma questão de compliance ou responsabilidade corporativa, mas uma verdadeira oportunidade para criar valor sustentável e impulsionar o crescimento da indústria frigorífica de maneira responsável e inteligente.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo n. 303505/2023-0), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e IF Goiano – Campus Rio Verde pelo apoio à realização da pesquisa.
Referências Bibliográficas
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