Propriedades funcionais e benefícios da Aquafaba.

Introdução

A busca por alternativas sustentáveis tem incentivado a indústria alimentícia a substituir aditivos e ingredientes de origem animal por aqueles à base de plantas.

O cozimento de leguminosas em água, segundo He et al. (2021), produz uma solução que, quando separada da semente, tem utilidade como aditivo reológico de base vegetal para formulações de alimentos. Essa solução é chamada de aquafaba, cuja origem latina das palavras significa água (aqua) e do grão da leguminosa (faba) e, a mais conhecida, é obtida a partir do cozimento do grão-de-bico, que é uma leguminosa que vem ganhando grande popularidade, devido à possibilidade de utilização em substituição a alguns ingredientes, como a clara do ovo, em diversas receitas culinárias.

Segundo Santos (2021), as propriedades espumantes, emulsificantes e gelificantes da aquafaba, fazem dela uma opção versátil na preparação de sobremesas aeradas, como suspiros, merengues, bolos, maioneses, entre outros (Hartke, 2015; Valle, 2015). Dessa forma, o estudo da composição da aquafaba, suas propriedades funcionais bem como os desafios de seu uso pela indústria alimentícia merecem ser pesquisados.

Composição da aquafaba

Quando o grão-de-bico passa pelo processo de cozimento, tratamento térmico que é necessário para o consumo, ocorre a liberação de proteínas junto com os carboidratos solúveis em água, que se dissolvem no líquido de cozimento, denominado aquafaba. A aquafaba pode ser obtida a partir do grão in natura ou pré-cozidos enlatados, onde passam por autoclavagem a temperatura de 120ºC por 20 minutos (Okazuka, 2022).

Além de proteínas e carboidratos, a aquafaba é constituída por saponinas e fenólicos, que são liberados durante o cozimento do grão-de-bico.

(Figura 1) e, cada um desses elementos, contribui de maneira significativa para suas propriedades funcionais (Sahin et al., 2024). Raikos, Hayes e Ni (2020) encontraram 1,27% de proteína, 2,64% de carboidratos, 0,69% de fibras, 0,44% de cinzas e 6,5 mg GAE.g -1 de fenólicos totais. Sua composição pode ser influenciada pela forma de obtenção, incluindo o tempo de cozimento utilizado e a proporção de água, além do pH do meio, sendo que este último influencia a liberação de proteínas para o líquido, conforme observado no estudo de Ramos e Batista (2024).

Figura 1: A) Grão-de-bico imerso em água, etapa inicial do processo de preparo da aquafaba; B) Grão-de-bico imerso em água overnight (por 12 horas), “processo de hidratação”; C) Aquafaba obtida após o cozimento do grão-de-bico sob pressão por 20 minutos; D) Formação de espuma/aeração após homogeneização da aquafaba em batedeira portátil (modelo BAT300P Black+Decker) por, aproximadamente, 7 minutos.

                              

                                                                                            Fonte: Autores .

Apesar da aquafaba possuir uma menor concentração proteica comparada a clara de ovo, suas proteínas são responsáveis pela estabilização e formação de espumas (Serventi et al., 2018).

Os carboidratos presentes na aquafaba desempenham um papel importante na estabilização de espumas e retenção de água, o que confere uma textura cremosa às preparações (Santos, 2021). Esses carboidratos incluem polissacarídeos e amidos, cuja interação com outros componentes é intensificada pela adição de sacarose, melhorando a estabilidade e permitindo a formação de emulsões consistentes, semelhantes às proporcionadas pela clara do ovo (Okazuka, 2022).

Já as saponinas, são compostos fenólicos presentes na aquafaba, responsáveis pela formação de espuma (Santos, 2021).

Propriedades funcionais da aquafaba

As características funcionais da aquafaba chamam atenção na culinária vegana e vegetariana, devido a ação emulsificante, na formação de espuma e na gelificação, sendo uma solução mais prática e interessante para quem deseja evitar produtos de origem animal (Landert et al., 2021).

He et al. (2021) relataram que estudos recentes evidenciam efeitos positivos da aquafaba nas propriedades físico-químicas de alimentos, incluindo confeitos, produtos de panificação sem ovo/glúten e maionese. A propriedade emulsificante da aquafaba está associada à concentração de proteínas, carboidratos solúveis/insolúveis em água, complexos de polissacarídeos-proteínas, coacervados, saponinas e compostos fenólicos.

Essa propriedade é essencial para misturar líquidos como a água e o óleo. No entanto, essas características funcionais dependem do genótipo, composição e condições de processamento do grão-de-bico (He et al., 2021). Semelhante à clara de ovo, a aquafaba é conhecida por sua capacidade de formar espuma ao ser batida, o que a torna ideal para elaboração de merengues e outras receitas que exigem aeração (Silva, 2020). No entanto, conforme observado por Santos (2021), a estabilidade desta espuma é inferior à das claras de ovo, limitando sua utilização em preparações que requerem maior densidade.

Outra propriedade funcional da aquafaba é a capacidade de gelificação que, embora limitada, é útil em combinação com agentes espessantes, como gomas vegetais. Essa característica permite sua aplicação em pudins e flans, embora com uma textura diferente da obtida com uso de ovos (Ramos; Batista, 2024).

Benefícios sustentáveis da aquafaba

A aquafaba representa um avanço significativo em sustentabilidade ao reaproveitar a água do cozimento de leguminosas, como o grão-de-bico, minimizando o desperdício de subprodutos da indústria de processamento. Isso ajuda a reduzir resíduos alimentares e minimiza o desperdício de recursos naturais, como água e energia, que são consumidos na produção de alimentos (Carnelossi, 2021).

Além de ser uma alternativa prática em receitas veganas e vegetarianas, a aquafaba substitui ovos de maneira eficaz e, essa substituição, contribui para diminuir os impactos ambientais da produção avícola, como a emissão de gases de efeito estufa e o uso intensivo de recursos naturais.

Assim, a produção de aquafaba requer significativamente menos recursos do que a avicultura, alinhando-se a práticas alimentares éticas e sustentáveis (Landert et al., 2021). Essa abordagem atende ao crescente número de consumidores preocupados com os impactos ambientais, especialmente em um contexto de transição para dietas baseadas em produtos vegetais (Silva et al., 2021).

Desafios e potencialidades

Embora a aquafaba apresente inúmeros benefícios sustentáveis, suas limitações devem ser avaliadas, uma vez que um dos principais desafios está na variabilidade de sua composição química e funcionalidade, que pode ser significativamente influenciada pela origem da matéria-prima e pelos métodos de extração empregados (Carnelossi, 2021). Essa variação impacta diretamente na consistência do produto final a ser elaborado, podendo comprometer sua aceitação pelos consumidores e limitar sua aplicabilidade em formulações industriais (Silva et al., 2021).

Outra limitação está relacionada à sua menor concentração protéica quando comparada a da clara de ovo, o que pode restringir seu desempenho em preparações que dependem de uma estrutura firme ou de alta capacidade emulsificante (Landert et al., 2021).

No entanto, há um amplo potencial para futuras pesquisas relacionadas à aquafaba. Tecnologias emergentes, como o uso de ultrassom de alta intensidade e processos de alta pressão hidrostática, são promissores para melhorar suas propriedades funcionais e aumentar sua uniformidade, segundo Meurer et al. (2020). Além disso, estudos sobre a utilização de outras leguminosas como fonte de aquafaba podem expandir ainda mais suas possibilidades de aplicação, oferecendo alternativas sustentáveis e diversificadas para a indústria alimentícia (Carnelossi, 2021). A exploração desse tema contribuirá para o desenvolvimento de novos produtos e para o fortalecimento da aquafaba como um ingrediente versátil e sustentável em escala industrial.

Considerações finais

A aquafaba vem chamando a atenção de pesquisadores em todo o mundo, pois suas propriedades tecnológicas aliadas aos seus benefícios ambientais, a tornam uma alternativa promissora para a indústria alimentícia, como opção à clara do ovo. Entretanto, alguns desafios relacionados à padronização de sua composição ainda representam barreiras para sua utilização em grande escala. O aprofundamento de suas potencialidades, em conjunto com o desenvolvimento de tecnologias que favoreçam sua padronização, podem gerar impactos positivos para a indústria alimentícia e para a sociedade em geral. Assim, investimentos em pesquisa são indispensáveis para consolidar a aquafaba como um ingrediente fundamental em preparações funcionais.

REFERÊNCIAS

● CARNELOSSI, A. C. Propriedades físicas, químicas e aplicação da espuma de aquafaba de grão-de-bico (Cicer arietinum) como substituta da clara em neve em preparações culinárias. 2021. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Ciência de Alimentos) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São José do Rio Preto, 2021.

● HARTKE, K. Trust us. You can use the liquid from a can of beans to make dessert. Washington Post, Washington, D.C., 5 oct. 2015. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/lifestyle/food/trust-us-you-can-use-the- liquid-from-a-can-of-beans-to make-dessert/2015/10/05/508ccb42-6852- 11e5-9223-70cb36460919_story.html?utm_term=.dcd65dc4e9f8. Acesso em: 26 abr. 2018.

● HE, Y.; MEDA, V.; REANEY, M.J.T.; MUSTAFA R. Aquafaba, a new plant-based rheological additive for food applications. Trends Food Sci. Technol., v.111, p. 27–42, 2021.

● LANDERT, M. D.; ZAMINELLI, C. X.; CAPITANI, C. D. Aquafaba proveniente da cocção do grão-de-bico (Cicer arietinum L.): características químicas, padronização do uso e aplicação culinária. Demetra, v. 16, p. e55115, 2021.

● MEURER, M.C.; SOUZA, D. de; MARCZAK, L.D.F. Effects of ultrasound treatment on aquafaba functional properties: Foaming, emulsifying, and gelling capabilities. Journal of Food Engineering, v. 265, p. 109688, 2020.

● OKAZUKA, L. N. Análises da estabilidade de sistemas coloidais utilizados na elaboração de produtos à base de aquafaba de grão- de-bico. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Tecnologia em Alimentos). Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campo Mourão, 2022.

● RAMOS, K. C. S.; BATISTA, L. P. Efeito de diferentes condições de extração nas características físico-químicas da aquafaba do grão- de-bico. 2024. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) – Escola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2024.

● RAIKOS, V.; HAYES, H.; NI, H. Aquafaba from commercially canned chickpeas as potential egg replacer for the development of vegan mayonnaise: recipe optimisation and storage stability. International Journal of Food Science and Technology, v. 55, p. 1935–1942, 2020.

● SANTOS, C. A. C. dos. Propriedades tecnológicas da aquafaba in natura e desidratada proveniente do grão-de-bico (Cicer arietinum L.). 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência dos Alimentos). Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Centro de Ciências de Saúde – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021.

● SERVENTI, L.; WANG, S.; ZHU, J.; LIU, S.; FEI, F. Cooking water of yellow soybeans as emulsifier in gluten-free crackers. European Food Research and Technology, v. 244, n. 2, p. 2141–2148, 2018.

● SILVA, A. C. V.; FERREIRA, P. S.; AZEREDO, D. R. P.; SILVA, M. C. Características da aquafaba: produção e propriedades tecnológicas e físico-químicas. Alimentos: Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, v. 2, n. 12, p. 43-54, 2021.

● SAHIN, S.S.; HERNÁNDEZ-ÁLVAREZ, A.J.; KE, L.; SADEGHPOUR, A.; HO, P.; GOYCOOLEA, F.M. Composition, characterisation and emulsifying properties of natural nanopartículas in chickpea aquafaba for the formation of chilli oleoresin in-water Pickering emulsions. Food Hydrocolloids, v. 150, p. 109728, 2024.

● VALLE, M. ‘Aquafaba’: chickpea brine is a surprisingly egg-cellent baking substitue. The Guardian, Londres, 29 Sept. 2015. Disponível em: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2015/sep/29/aquafaba- chickpea-liquid-baking-egg-white-substitute. Acesso em: 26 abr. 2018.

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