Estratégias industriais do uso de maçã e pêra em sucos e néctares.

Introdução

O mercado de bebidas no Brasil tem se consolidado como um dos mais dinâmicos, impulsionado pela demanda por produtos inovadores, de qualidade e custo competitivo. O mercado de sucos naturais movimenta R$5,3 bilhões no Brasil, sendo o de sabor laranja o mais vendido em 2023, seguido de maçã e uva na segunda e terceira posições (Santiago, 2024). Dentro desse contexto, a formulação de sucos e néctares mistos se destaca, e o suco concentrado de maçã e, mais recentemente o de pera, desempenham um papel estratégico como ingredientes.

Por que usar o suco concentrado de maçã e pera?

Há dois principais tipos de suco de maçã produzidos no Brasil, o suco concentrado ou AJC (Apple Juice Concentrated) e o suco integral ou NFC (Not From Concentrate), além do aroma de maçã (Apple Essence), extraído no processo e que pode ser utilizado na “recuperação” de aromas das bebidas. O suco concentrado de maçã é amplamente utilizado em néctares mistos devido às suas características sensoriais e tecnológicas. Seu processo de obtenção, consiste basicamente em extração, clarificação, evaporação e tratamento térmico. A clarificação remove principalmente compostos como a pectina e o amido, que impactam nas características reológicas do suco e que dificultam o processo de evaporação para produção do suco concentrado. Como resultado, obtém-se um suco clarificado, com aproximadamente 12 °Brix, isento de partículas dispersas e que, após evaporação, pode alcançar sólidos solúveis de 60-70 °Brix. O processo de evaporação é desejável, pois facilita as etapas de armazenamento e o transporte.

Após a clarificação e evaporação, o suco concentrado de maçã pode ser reconstituído em água e apresenta um sabor neutro, o que o torna um excelente complemento em misturas com sucos de outras frutas de sabor mais intenso, como por exemplo, o de laranja e o de uva. Além disso, a depender da diluição utilizada na reconstituição, sua doçura natural, proveniente da frutose, reduz e pode eliminar a necessidade de adoçantes artificiais ou açúcares adicionados, contribuindo para atender às exigências dos consumidores que buscam alimentos mais saudáveis ou reduzidos em sacarose.

Outro fator importante é o custo de produção. Em muitos casos, o suco concentrado de maçã pode ser mais acessível, dependendo das condições do mercado e das safras. Assim, seu uso permite à indústria de alimentos reduzir custos sem comprometer a qualidade do produto final ou adequar a formulação a questões de sazonalidade e de safra. Em 2023, houve crescimento de 27% na disponibilidade de sucos mistos em comparação com o ano anterior. Em 2024, por exemplo, a queda na produção da laranja, ocasionada pelo clima e greening aumentou a necessidade do desenvolvimento de sucos e néctares mistos, utilizando o suco de maçã como “segunda fruta” (Santiago, 2024). Um estudo conduzido por Magalhães et al. (2023) analisou 36 marcas de bebidas de frutas e, 66,7% dessas, já constavam em seu rótulo ser um produto misto com uso do suco concentrado de maçã.

No entanto, a queda na produção da maçã e o consequente aumento dos custos têm feito a indústria buscar por uma segunda alternativa e, por isso, surge o suco concentrado de pêra. Assim, novos blends e combinações únicas e equilibradas vêm sendo elaboradas, atendendo à crescente demanda por bebidas que ofereçam valor agregado (Santiago, 2024).

É importante ressaltar que além dos benefícios sensoriais e econômicos, o uso do suco de maçã e pera em néctares também pode estar alinhado a práticas sustentáveis. A utilização de frutas não padronizadas, ou seja, aquelas que não se enquadram na preferência do consumidor para consumi-las in natura, são utilizadas na produção de sucos concentrados, no qual, suas características intrínsecas, como o dulçor e a acidez, permanecem intactas, desta forma, o uso desta maçã e pera, contribui para reduzir o desperdício na cadeia produtiva, tornando o processo mais sustentável.

Benefícios sensoriais e tecnológicos e composição nutricional da maçã e pera

Em um néctar misto de uma fruta + maçã ou + pera, o suco de maçã e pera atua como um “preenchedor”, equilibrando o sabor intenso e também a acidez. Essa neutralidade permite que os sabores das frutas principais permaneçam predominantes no suco, ao mesmo tempo que proporciona um perfil sensorial agradável ao paladar. Além disso, por ser clarificado, a adição do suco concentrado de maçã ou de pera não impacta nas características reológicas ou de processo dos sucos mistos ou néctares.

Com relação a composição nutricional, o teor de açúcar é um fator importante na fabricação de um produto alimentício. Os açúcares livres podem ter sua estrutura composta por um ou dois sacarídeos, sendo denominados de monossacarídeos ou dissacarídeos, podendo ser utilizados nas bebidas ou em alimentos durante o seu processamento. O açúcar presente nos frutos e mel, por exemplo, são também classificados como açúcares livres (OMS, 2015). Segundo Pepino, Stanhope e Imbeault (2019) o suco de frutas não contém açúcares adicionados, porém é um produto considerado fonte significativa de açúcares livres, por conter açúcares naturais da fruta sendo, portanto, uma bebida calórica.

Dentre os tipos maçã (Fuji e Gala) e de pêra (Park e Willians), pode-se observar que os açúcares presentes exercem um papel significativo na composição do fruto (Quadro 1). A composição das peras “Park e Willians” é similar a das maçãs “Fuji e Gala”, conforme evidenciado no quadro abaixo, por isso ambas são muito utilizadas para adoçar sucos e néctares mistos.

Quadro 1: Composição centesimal da maçã (Fuji e Gala) e pera (Park e Willians).

 

A doçura das frutas pode ser medida em função dos sólidos solúveis totais, os quais são expressos em ºBrix. Esses sólidos solúveis são majoritariamente constituídos de açúcares e impactam o sabor e a qualidade dessas frutas, sendo de grande importância observar a quantidade destes constituintes presentes em cada variedade de fruta.

Aspectos legais e regulamentares

Suco e néctar são categorias de bebidas de frutas. De acordo com o Decreto n° 6.871, de 4 de junho de 2009 (Brasil, 2009), suco é uma bebida não fermentada, não concentrada (ressalvados alguns casos), e não diluída, destinada ao consumo, obtida da fruta madura e sã, ou parte vegetal de origem, que passa por um processamento adequado, submetido a tratamentos que mantenham sua apresentação e conservação até o momento do consumo.

Já o néctar é uma bebida não fermentada, obtida da diluição em água potável da parte comestível do vegetal ou de seu extrato, adicionado de açúcares e destinada ao consumo direto e, neste caso, deve possuir no mínimo 30% de suco/polpa da fruta, segundo a Instrução Normativa n° 12 (Brasil, 2003). Um ponto importante é a exceção para o néctar de laranja e o de uva, que de acordo com a Instrução Normativa nº 42 (Brasil, 2013), devem conter 50% do suco da respectiva fruta, 20% a mais que o néctar das demais frutas.

É importante destacar que a legislação brasileira permite a formulação de néctares mistos, utilizando duas ou mais frutas. Neste caso, o néctar misto de laranja + maçã e o de uva + maçã, podem, como alternativa viável e regulamentada, utilizar 30% de suco, desde que as informações sejam claramente descritas no rótulo. Dessa forma, torna possível formular uma bebida com um custo mais acessível, havendo predominância do sabor da laranja ou da uva, que são os preferidos pelos brasileiros.

Considerações finais

O uso do suco concentrado de maçã e/ou de pera é uma estratégia eficiente para a indústria de bebidas, unindo benefícios econômicos, sensoriais e tecnológicos. Sua aplicação permite a produção de um produto de qualidade, acessível e em conformidade com as exigências do mercado e da legislação. À medida que os consumidores buscam por bebidas mais saudáveis e inovadoras, o suco de maçã e pera se consolida como um ingrediente chave no desenvolvimento de novas formulações, atendendo às necessidades do mercado em momentos de escassez de frutas, por questões sazonais, climáticas, entre outras.

Referências Bibliográficas:

● BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 12, de 18 de setembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de setembro de 2003.

● BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 42, de 11 de setembro de 2013. Diário Oficial da União: seção 1, nº 177, p. 3, 2013.

● INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E PESQUISA. IBGE. Produção de maçã. 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/producao-agropecuaria/maca/br Acessoem: 03 nov. 2024.

● MAGALHÃES, R. F. S.; LEMOS, J. C. A.; GOMES, M. A.; FERREIRA, M. S.; ESPERANÇA, I. P. L. C. Physicochemical and labeling analysis of brazilian commercial brands of fruit nectar with apple juice like as a sweetener. Research, Society and Development, v. 12, n.6, p.5, 2023.

● ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. OMS. Guideline: Sugars Intake for Adults and Children. Genebra-Suíça. 2015. Acesso em: 17 nov. 2024. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt- BR&lr=&id=jVk0DgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PR7&ots=0l6cs_Sblc&sig=f24A SwCPttGLd7-I_Ok1crGqJ7Y&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false

● PEPINO, A.; STANHOPE, K. L.; IMBEAULT, P. Are Fruit Juices Healthier Than Sugar-Sweetened Beverages? A Review. Nutrients, v.11, 2019.

● TACO. TABELA BRASILEIRA DE COMPOSIÇÃO DE ALIMENTOS. 4.ed. 2011. p. 43-44.

● SANTIAGO, H. Falta de laranjas pressiona indústria de sucos a lançar sabores misturados. Blog UOL. 2024. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/04/26/laranja-sucos- mistos-industria.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 22 jan. 2025.

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