1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ)
2 Universidade Federal Fluminense (UFF)
Bactérias do gênero Kocuria são cocos Gram-positivos pertencentes à família Micrococcaceae e foram descritas pela primeira vez por Miroslav Kocur, um microbiologista eslovaco. Atualmente, o gênero compreende 26 espécies, sendo Kocuria rosea, Kocuria varians e Kocuria kristinae as mais estudadas. Este gênero geralmente é encontrado em ambientes diversos, como pele humana, cavidades orais, membranas mucosas e alimentos.
Essas bactérias são em sua maioria estritamente aeróbias, com exceção apenas de K. kristinae que é facultativa, são catalase positiva e coagulase negativa, não formam esporos, não são encapsuladas e não produzem hemólise em ágar sangue. Muitas vezes são confundidas com Staphylococcus coagulase negativa pois, além de serem relacionadas a esse grupo e de compartilharem geralmente os mesmos nichos, também costumam crescer nos mesmos meios de cultura e apresentar colônias com características similares.
Atualmente, bactérias do gênero Kocuria são bastante utilizadas como culturas iniciadoras em alimentos fermentados. As culturas iniciadoras ou “starters”, como são mais conhecidas, podem ser definidas como preparações contendo um grande número de células, de um único tipo ou uma mistura de dois ou mais micro-organismos, que são adicionadas aos alimentos a fim de aproveitar os compostos ou produtos derivados de seu metabolismo ou de sua atividade enzimática.
Essas culturas são muito utilizadas em todo o mundo para realizar processos de fermentação de alimentos, tanto ao nivel industrial quanto artesanal. A adição de culturas starters a produtos fermentados está associada a uma maior segurança do alimento, permitindo que em um menor tempo de fermentação, o produto tenha sabor, aroma e textura constantes, além de proporcionar um maior período de tempo nas prateleiras, impedindo assim que menos produtos sejam descartados por conta da sua inviabilidade.
Bactérias do gênero Kocuria, quando utilizadas como culturas starter em produtos cárneos, em conjunto com bactérias ácidas-láticas (BAL) e algumas espécies de Staphylococcus, são responsáveis pelas reações microbianas que ocorrem de maneira simultânea durante a fermentação. Além disso, algumas espécies dos gêneros Kocuria e Staphylococcus, como K. varians, S. carnosus e S. xylosus, são bactérias ditas flavorizantes, estando ligadas ao aroma, à coloração e ao sabor de embutidos fermentados. Essas bactérias auxiliam na coloração, reduzindo o nitrato a nitrito (compostos responsáveis pelo avermelhamento de produtos cárneos fermentados), aumentando assim a disponibilidade de óxido nitroso para reagir com a mioglobina. Além disso, por serem catalase-positivas, acabam favorecendo a redução do peróxido de hidrogênio, que quando se encontra em acúmulo nas carnes, provoca uma coloração esverdeada. Já em relação ao sabor e ao aroma, elas auxiliam através da produção de enzimas lipolíticas e proteolíticas. Micro-organismos deste gênero também evitam a rancificação precoce (oxidação completa ou incompleta e/ou a hidrólise) de gorduras, por consumirem oxigênio. Além de produtos cárneos como linguiça, salsicha, salame, dentre outros, estas bactérias são utilizadas como culturas starter em alimentos de origem vegetal como produtos orientais à base de arroz e soja, cereais fermentados e até mesmo frutas e vegetais fermentados.
Geralmente bactérias do gênero Kocuria são ditas não patogênicas e raramente associadas a infecções humanas, entretanto, atualmente, há algumas associações de espécies deste gênero com infecções superficiais e/ou invasivas e com a resistência a antibióticos. Dessa forma, para garantir a segurança da utilização de bactérias desse gênero em alimentos fermentados e, consequentemente, garantir a saúde do consumidor, faz-se necessária a avaliação de risco das bactérias que serão empregadas. Essa avaliação de risco geralmente consiste na identificação e na caracterização do perigo, assim como na avaliação da exposição e dos riscos e pode ser obtida integrando-se dados fenotípicos e genotípicos em ferramentas de simulação e testes de desafio experimental, visando analisar formas de controlar efetivamente os riscos envolvidos.
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