Alimento natural e inigualável, o leite materno oferece benefícios para a sociedade e contribui efetivamente para a sustentabilidade ambiental, segurança alimentar e nutricional, pois é um alimento não industrializado, produzido e fornecido sem prejuízos aos recursos naturais. É o único que contém anticorpos e outras substâncias que protegem o recém-nascido. A curto prazo, os benefícios incluem menos casos de diarreia, pneumonia, infecções e síndrome da morte súbita infantil e, a longo prazo, o aleitamento materno promove menos casos de diabetes tipo 2, leucemia, transtornos do espectro autista e obesidade, além das vantagens sobre a inteligência e o comportamento social. Para as mães, são inúmeros os benefícios para a saúde associados à amamentação e ao leite humano, uma vez que o ato de amamentar está associado a menores riscos de câncer de mama e ovário, hipertensão e diabetes tipo 2 (Moubareck, 2021; Dinleyici et al., 2023).
O leite humano apresenta composição dinâmica e pode variar entre colostro, transição e maduro, de acordo com a idade e com as necessidades da criança. Chama-se de colostro até quatro dias após o parto, o qual apresenta volume reduzido e, apesar de apresentar baixa concentração de lactose, é rico em compostos imunológicos, como imunoglobulina IgA secretora, lactoferrina e leucócitos (Ballard; Morrow, 2013). Já entre cinco e 14 dias após o parto, ocorre o leite de transição, que apresenta composição imunológica semelhante ao colostro, mas com maior volume e concentrações de carboidrato e gordura e, a partir de 15 dias, o leite materno é definido como maduro, apresentando maior volume e concentrações de gordura e lactose (Ballard; Morrow, 2013; Boudry et al., 2021).
Nas últimas décadas, o aumento do conhecimento adquirido baseado em estudos científicos e observações práticas, comprovam que o leite humano é um alimento essencial para o desenvolvimento de uma criança saudável, por apresentar melhor digestibilidade, composição química balanceada, menor exposição a alérgenos e transferência de imunidade, protegendo a criança contra infecções, além do relacionamento afetivo mãe-filho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno se inicie na primeira hora de vida e, de forma exclusiva, até os seis meses de idade. Essa recomendação se deve ao fato do leite materno fornecer quantidades adequadas de macro e micronutrientes e compostos bioativos, como imunoglobulinas, fatores de crescimento, interleucinas, hormônios, lactoferrina, oligossacarídeos e microrganismos probióticos, que apoiam o desenvolvimento adequado à idade (Sprenger et al., 2022, Cheema et al., 2022).
Os oligossacarídeos do leite humano (OLHs), do inglês “Human Milk Oligosaccharides”, são carboidratos multifuncionais com propriedades bioativas, compostos por 3 a 22 unidades de monossacarídeos e fazem parte dos ingredientes funcionais do leite materno (Sprenger et al., 2022, Li; Zhou; Xu, 2023).
Segundo Santana e Neto (2023) e Dinleyici et al. (2023), seus níveis e distribuição individuais variam muito entre as mães devido a múltiplas variáveis, como status secretor, raça, região geográfica, condições ambientais, estação do ano, dieta materna e peso, idade gestacional e tipo de parto. OLHs também podem variar de acordo com o período de lactação, com maior concentração no colostro e menor no leite maduro. Moubareck (2021) e Li, Zhou e Xu (2023), enfatizam que no colostro a concentração de oligossacarídeos é de cerca de 20 a 23 g/L, enquanto no leite maduro é entre 5 e 15 g/L e, no leite humano prematuro, entre 10 e 23 g/L.
Os OLHs são uma categoria altamente representada, tanto em termos de quantidade como de diversidade estrutural e vêm sendo estudados em virtude dos benefícios para a saúde do lactente. Constituem o terceiro componente sólido mais abundante depois da lactose e dos lipídios no leite humano e, apesar de terem pouco valor nutricional, os mesmos exercem importantes efeitos prebióticos e imunomoduladores no intestino infantil; prevenindo a ligação de patógenos e instalação de infecções; modulando o sistema imunológico e auxiliando o desenvolvimento cognitivo e cerebral em lactentes (Sprenger et al., 2022; Li; Zhou; Xu, 2023; Santana; Neto, 2023).
Os prebióticos são substâncias que não são digeridas e absorvidas no intestino delgado mas que, ao atingirem o cólon, estimulam seletivamente um grupo de bactérias da microbiota intestinal, a exemplo das bifidobactérias, proporcionando efeito benéfico à saúde do indivíduo (OMS, 2000; Morais; Jacob 2006).
No início de 1900, Moro e Tissier encontraram, de forma independente, uma predominância de bifidobactérias nas fezes de bebês amamentados em comparação com os não amamentados e descobriu-se que os oligossacarídeos presentes no leite humano estimulavam o crescimento dessas bactérias. Na década de 1950, foi desvendada a primeira descrição clara da estrutura dos OLHs mais abundantes no leite (Dinleyici et al., 2023) e, até o momento, foram identificadas mais de 200 estruturas diferentes no leite humano, que apresentam tamanhos e funções distintas, sendo indigeríveis para humanos (Sprenger et al., 2022; Santana; Neto, 2023). O trato gastrointestinal é considerado o local da possível bioconversão de OLHs e sua distribuição depende do estágio de lactação, bem como de fatores genéticos maternos.
Segundo Morais e Jacob (2006), o aleitamento natural proporciona uma microbiota intestinal constituída acima de 90% por bifidobactérias e lactobacilos, que são bactérias probióticas benéficas e que influenciam positivamente vários mecanismos do organismo do recém-nascido, resultando em benefícios a longo prazo para os bebês, uma vez que a microbiota intestinal é colonizada nas primeiras horas de vida. Por outro lado, nos lactentes que recebem aleitamento artificial, essas bactérias correspondem 40 a 60% da microbiota.
Os estudos indicam que os probióticos podem exercer seus efeitos competindo com patógenos, modificando o ambiente intestinal pela redução do pH, em consequência dos produtos da fermentação, interagindo e modulando a resposta inflamatória e imunológica local e sistêmica, entre outros (Morais; Jacob, 2006).
Vandenplas et al. (2011) relataram que existem muitos componentes imunológicos no leite materno, mas os oligossacarídeos prebióticos e probióticos estão entre os mais importantes (Figura 1).
Modelos animais mostram que a administração de probióticos nas primeiras fases da vida pode exercer uma ampla gama de efeitos, principalmente relacionados com o desenvolvimento do sistema imunológico. Além disso, estudos in vivo sugerem que o tratamento de mães grávidas pode transferir microbiota benéfica para os bebês, proporcionando proteção contra algumas doenças (Toit; Gómez-Gallego; Salminen, 2017).
Para Alemu et al. (2023), o microbioma do início da vida é formado durante o período perinatal e é fundamental para a saúde dos bebês ao longo da vida. Isto é estabelecido pelo crosstalk do microbioma materno-infantil, que é mediado pelo microbioma do leite materno. Esses pesquisadores avaliaram o efeito dos suplementos probióticos maternos, no leite materno e na composição do microbioma intestinal infantil e, também, na saúde infantil. Eles concluíram que Lactobacillus, Bifidobacterium, Streptococcus thermophilus e Saccharomyces boulardii podem ser usados como suplementos maternos para promover a saúde infantil.
Figura 1: Função da Microbiota do leite humano (LH) e sua associação com prebióticos e probióticos.
Fonte: Autores.
Considerações finais
O leite humano é considerado o alimento “padrão-ouro” para a nutrição infantil e seus componentes prebióticos como os oligossacarídeos são de extrema importância e exercem um papel fundamental na regulação da microbiota intestinal, além de atuarem como defensores contra infecções e desempenhar uma função crucial no desenvolvimento do sistema imunológico da criança. Logo conclui-se que quanto mais tempo o recém nascido for alimentado com leite materno e quanto mais tempo esse aleitamento for exclusivo, melhor será a proteção.
Estudos científicos sobre prebióticos e probióticos, bem como suas funções, efeitos biológicos e mecanismos de ação vêm apresentando crescimento expressivo nos últimos anos e têm sido objeto de investigação experimental.
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