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Gestão eficaz da produção de alimentos a partir da Microbiologia

Saiba mais sobre tudo que aconteceu no 2º Fórum e-food.

No dia 15 de julho, nove especialistas se juntaram em uma mesa redonda virtual no 2º Fórum Portal e-food: Gestão eficaz da produção de alimentos a partir da Microbiologia. A inspiração para o tema surgiu do artigo escrito pela Dra. Karen Signori para o Portal e-food, Análise Microbiológica de Alimentos & Controle de Qualidade – como está a fotografia do seu processo produtivo?. Conheça os convidados:

– André Yutaka, da Mars;

– Brigitte Bertin, da Bioqualitas;

– Camila França, da Eurofins;

– Karen Signori, da Escola de Química da UFRJ;

– Luciana Salles, da MQ Consultoria;

– Luis Costa, da Merck;

– Natalia Lima, da S2G Soluções;

– Penha Suely Gonçalves, da PS & CG;

– Sylnei Santos, da 3M.

 

Começamos falando sobre a gestão do processo produtivo, que, segundo a fala de Luciana Salles, deve ter como objetivo a combinação dos fatores: redução do desperdício e aumento da satisfação dos consumidores. O que não pode ser esquecido, é que a Microbiologia também faz parte dessa gestão e contribui diretamente para os outros fatores.

Natalia Lima explica sobre os padrões legais da Microbiologia dos alimentos que estão pautados atualmente na RDC Nº 12, de 02 de janeiro de 2001 e que serão substituídos pela RDC Nº 331 e a IN Nº 60, ambas de dezembro de 2019. Com o prazo de um ano para as empresas se adequarem, as normas passam a valer em dezembro de 2020. Continue lendo para saber as perguntas e respostas abordadas no 2º Fórum Portal e-food!

 

Qual seria o ponto de partida para se pensar num plano de monitoramento microbiológico eficaz, de acordo com o processo produtivo do alimento?

Karen Signori responde que o primeiro passo é não se limitar às questões regulatórias.

– O que a RDC 331/2019 e a IN 60/2019 impõem, é aquilo que você tem que cumprir, claro. Mas o shelf life não é determinado por essas normas. Shelf life é o que a empresa quer – se é seguro e não tem shelf life, não tem produto. O que eu tenho visto como a maior dificuldade é fazer com que as pessoas que trabalham no setor de desenvolvimento das empresas vejam que o monitoramento deve ser muito mais ambiental, de deterioradores, que é o que comprometerão seu produto. A segurança de alimentos é inegociável. É importante confiar no microbiologista quando ele fala que devem analisar isso ou aquilo, mesmo que não seja ortodoxo.

Karen ainda ressalta que, de fato, é difícil ter legislações para o ambiente, dado que o ambiente de um abatedouro é um, de uma colheita é outro, e assim por diante. Agir de forma preventiva é essencial e uma ótima maneira de organizar a gestão, ao invés de esperar que algo dê errado nas mãos do consumidor para investigar o processo.

Um dos espectadores questionou: “Não é importante fazer uma análise crítica dos perigos microbiológicos, pensando no que está no HACCP?”, e Luciana respondeu que sim, é exatamente isso, mas o que acabamos olhando normalmente nos planos HACCP é se está dentro ou não da legislação.

 

Quais conhecimentos que a equipe de Microbiologia / Qualidade / Produção devem possuir para uma gestão eficaz a partir dos resultados microbiológicos?

Sylnei Santos, da 3M, diz que a microbiologia é uma ciência muito complexa, e difícil de colocar a importância da mesma na cabeça das pessoas. É uma ciência que depende de muitas outras ciências, também.

– Quando falamos de microbiologia dentro de uma indústria ou de um serviço de alimentação, é muito importante que as pessoas tenham o mínimo de conhecimento sobre os perigos do processo, que incluem diversos micro-organismos. Existem processos que a Listeria é um perigo iminente, em outros é a Salmonela, etc. O jeito de capacitar a equipe para mitigar esses perigos é por meio da educação; instruindo os trabalhadores de forma assertiva, sem gerar pânico. Não conheço nenhuma fábrica ou serviço de alimentação na qual a bactéria não esteja presente no processo, ela sempre estará presente. O que eu não posso deixar acontecer é ela chegar no meu produto final. O ponto principal, portanto, é levar informação do meu micro-organismo alvo para que as pessoas tenham conhecimento e saibam qual é o comportamento dele naquele processo.

Sylnei cita também a formação de times prioritários, de forma a amplificar a Cultura de Segurança de Alimentos na empresa – e tornar a Microbiologia parte disso. É importante que todos estejam inseridos e conheçam os perigos.

 

Como você acredita que deve ser a rotina de tomada de decisões a partir dos resultados de microbiologia do processo?

Segundo André Yutaka, da Mars, quando fazemos um plano microbiológico, devemos ter um propósito para ele. Quando saem os resultados, devemos saber por que queríamos essa análise. É importante também, que assim que são recebidos os resultados, que haja uma resposta rápida.

Para isso, é preciso ter um plano. Por exemplo, se o resultado aponta um foco de Salmonella, que o próximo passo seja fazer uma série de outras análises ali, expandir o entendimento do que está acontecendo naquele local. “Não adianta de nada detectar um foco de Salmonella, ir lá, limpar o local e não investigar a causa. O interessante para a tomada de decisão assertiva é já ter tido essas discussões, já saber o que pode dar de errado e quais serão os passos subsequentes, pois já paramos para pensar nisso antes, então não há perda de tempo”, afirma André.

 

Você acha importante que a equipe operacional tenha visibilidade dos desvios de microbiologia?

Para Penha Suely Gonçalves, da PS & CG, a divulgação do resultado tem primeiro a questão da confidencialidade dos resultados pros gestores.

– Tenho que ter pessoas estratégicas para compartilhar esses resultados. As pessoas são a fortaleza do processo, então precisamos ter esses operadores e técnicos que vão saber de tudo. Pessoas que minimamente entendem um pouco de microbiologia e do que estamos falando, e que também entendem o processo. É necessário compartilhar para tratar – afirma Penha.

Natalia Lima adiciona que, muitas vezes, os gestores das áreas têm uma visão muito maior de onde pode estar acontecendo essa contaminação, quando comparado a quem está vindo de fora. E esse é outro motivo para compartilhar os resultados com a equipe operacional.

Luís Costa, da Merck, também lembra que, pensando na capacitação dos operadores, é interessante montar cursos pequenos para aumentar a compreensão sobre a Microbiologia e sua importância para quem trabalha na linha de produção. “É muito difícil gerar esse comprometimento, mas quando é bem-sucedido, é ótimo, porque eles próprios passam a trazer as informações de possíveis perigos para a gerência”, diz Luís.

 

Em algumas situações, a gestão da microbiologia de alimentos se preocupa apenas com micro-organismos patogênicos, minimizando o impacto de outros apenas deteriorantes. O que você diria para esses gestores?

Camila França, da Eurofins, diz que quando falamos de conhecer nosso processo e os riscos relacionados, devemos conhecer os organismos deteriorantes e os nossos indicadores, para controlar qualquer contaminante:

– Se deu problema no produto final, a maior probabilidade é que você tem um histórico, você teve um contaminante no seu processo. A legislação é o mínimo, você tem que fazer muito mais que isso. Você tem que ter controle do seu processo e da microbiologia da sua fábrica, e isso inclui os deteriorantes também.

Brigitte Bertin, da Bioqualitas, lembra que esses agentes, tais como bolores, mesmo que não coloquem a vida do consumidor em risco, trazem perdas para a empresa, sejam financeiras ou simplesmente de imagem.

É necessário explicar por que é necessário fazer mais investigação para garantir um produto seguro. “As pessoas acham que fazendo só o que é obrigatório pela legislação, elas estão à salvo”, explica Camila.

Karen adiciona que muitas empresas reclamam que Microbiologia é caro, mas que, na opinião dela, tudo na vida é caro, as empresas precisam saber das suas prioridades.

– É necessário entender por que você quer fazer essa análise microbiológica; se é pra shelf life, monitoramento ambiental, para outros fins regulatórios, etc. Chamar tudo de análise microbiológica também não é muito legal. Análise de deterioradores você não vai fazer sempre; algumas coisas você vai analisar só quando estiver desenhando shelf life, outras quando é pra estudar um caso. As empresas precisam entender que os funcionários do laboratório não vão dar consultoria sobre o que está acontecendo, você precisa de um consultor que entenda de microbiologia.

Karen explica que nem toda análise vai precisar ser repetida sempre, só quando há uma mudança, por exemplo, de fornecedores ou de processos. Tem horas que não vai fazer sentido analisar deteriorante, tem horas que não vai fazer de patogênicos, depende muito e por isso é tão importante ter um especialista no seu time que saiba identificar quando abordar cada ameaça.

Olhar para Microbiologia não quer dizer só fazer análise microbiológica também. “Olhem para os fatores intrínsecos que controlam o crescimento de patogênicos. Esses não vão precisar de 48 ou 72h para serem analisados, você sabe em questão de minutos se são um perigo ou não para o seu processo”, Karen adiciona.

Sylnei lembra que muitas empresas não pensam em impactos a longo prazo. “Tem contaminações que comprometem não só a saúde pública, mas também equipamentos e que causam problemas que podem impactar significativamente as finanças da empresa.”

André dá o exemplo: alguém postando seu produto com bolores no Facebook pode causar danos à sua imagem que custam muito caro.

 

Na sua experiência, qual seria a melhor forma de dar visibilidade de resultados e impactos da microbiologia de processo para a alta gestão da empresa?

Luis Costa, da Merck, diz que há um lado ruim e um lado bom na resposta. O bom é que no passado já foi pior; os gestores realmente não se importavam mesmo com a microbiologia.

– Eu encontrei algumas coisas que façam com que o gestor se importe um pouco mais: a mídia social está ajudando bastante; se a empresa tiver uma ligação do laboratório com o gestor, ajuda muito. Já vi laboratórios que montavam mensalmente uma coletânea de notícias sobre os produtos que a empresa fabricava e enviavam para os tais gestores. Isso fazia com que o gestor tivesse contato com problemas, recalls, etc. que aconteceram pelo mundo com produtos que poderiam ser deles.

Brigitte lembra que grande parte da missão dos profissionais da Microbiologia deve ser fazer a alta direção dar às mãos à causa, torná-los os líderes desse movimento.

Uma ideia sugerida por Penha é de levantar nas reuniões de resultado ou em relatórios, o resultado da análise microbiológica, com o custo gerado pelos desvios (perda de produto, desperdício, perda de tempo), versus o custo de adquirir o equipamento necessário para não ter esse problema, e versus também ao impacto que tem quando esse problema chega no mercado (que sempre é uma possibilidade). Isso tudo pode trazer mais visibilidade para o gestor que está longe do nosso universo da Microbiologia.

 

Quais são os micro-organismos mais comuns para considerarmos para monitoramento do ambiente e se existem ranges, se é necessário definir esse limite para o resultado de análise?

Sylnei responde que o plano de monitoramento ambiental é um pouco complexo, mas é muito importante que ele seja desenhado à várias mãos, com o apoio de um Microbiologista como foi dito na mesa redonda.

– Primeiro devemos conhecer de fato qual é o processo, quais são as vulnerabilidades de contaminação, que pode chegar de diversas fontes (da água, dos manipuladores, de uma falha no processo). É preciso conhecer o produto de forma profunda, isso é crucial. Outro ponto é estratificar as áreas por meio de zoneamento (Zona 1, 2, 3…), determinando o que entra em contato com o produto acabado ou não e saber quais são as maiores chances de o perigo chegar naquele ponto. Eu posso ter uma planta seca, por exemplo, uma indústria de farinha, que a Listeria não é um perigo. Preciso conhecer de forma profunda o meu ambiente e, para isso, antes de chegar no meu perigo de patógenos, entender quais são os indicadores de higiene que podem me indiciar para a presença daquele patógeno.

Não existe uma cartilha, mas cada empresa acaba criando sua própria cartilha. Ainda segundo Sylnei, a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) estabelece alguns limites, mas eles não são oficiais, e são bem limitados. Conhecer o Códex, fontes, estudos, portarias, é essencial para poder direcionar para a criação desse plano.

Karen dá a dica do manual da APHA (American Public Health Association) mais recente, o Compendium, também fornece algumas referências, e o livro do Professor Eduardo Tondo, Microbiologia e Sistemas de Gestão da Segurança de Alimentos, uma literatura acessível em português.

Outro lugar bom para encontrar recursos é o site do FDA, pesquisando por “enviromental sampling” na busca, Luis compartilha. E ele continua:

– Não existe e nem deveria existir uma portaria exigindo uma certa quantidade de certos organismos em uma superfície.

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