Conversamos com a Dra. Brita Ball, PhD e especialista em Food Safety no Canadá e um dos principais nomes da Cultura de Segurança de Alimentos no mundo. Brita começou sua pesquisa há 15 anos e relembra a importância da cultura organizacional para o bom funcionamento dos sistemas de Food Safety nas empresas. Continue lendo para saber o que a especialista tem a dizer sobre os maiores avanços e dificuldades do momento, além do que levaremos de aprendizado da pandemia do COVID-19.
e-food: Se compararmos o setor de alimentos no Canadá e no mundo quando você começou a trabalhar com Food Safety a hoje em dia, quais diferenças e avanços mais marcantes você nomearia?
Quando eu comecei a estudar Cultura de Segurança de Alimentos, foi na mesma época que Frank Yiannas lançou seu primeiro livro. Eu estava pesquisando na universidade sobre fatores que influenciam funcionários a seguir sistemas de gestão de Food Safety. Eu não sabia que o Frank estava escrevendo e lançando um livro sobre o mesmo tema. Quando o livro foi lançado, ele conectou as coisas; estava dizendo o que eu estava pensando e minha pesquisa estava encontrando. Então, independentemente, encontramos as mesmas informações.
A outra coisa é que no segmento de Food Safety há 15 anos, as pessoas estavam começando a pensar em algo ligado a cultura organizacional, mas não conheciam o nome “Cultura de Segurança de Alimentos”. Só sabiam que os funcionários não estavam seguindo os procedimentos de Food Safety que eles deveriam seguir. Ou seja, as empresas identificaram a dificuldade, mas não sabiam o que fazer.
Acho que a diferença entre 15 anos atrás e agora, é que eram os especialistas em Food Safety que estavam falando “eu não entendo por que não conseguimos progredir com a Segurança dos Alimentos. Está tudo certo, mas não está funcionando”. Foi isso que me levou a minha pesquisa. Sabíamos que havia um problema, mas não sabíamos qual era o problema. Foi quando as pessoas começaram a falar sobre compromisso de gestão (Management Commitment). O que era necessário para implementar programas de Segurança dos Alimentos e Garantia de Qualidade era o compromisso da gestão. Mas, ainda, não sabíamos direito o que era compromisso da gestão, só usávamos esse termo. Minha pesquisa tentava entender o que realmente significava e o que mais era necessário.
O compromisso da gestão não é o único fator. Você precisa de uma série de outros fatores que devem estar funcionando para líderes seniors seguirem esse compromisso. Então, Management Commitment que foca só em Segurança dos Alimentos e Garantia da Qualidade está fadado a falhar. Porém, Management Commitment que foca em FS e QA em P&D, em Operações, em Manutenção, esse sim pode mudar o cenário.
Esses são os fatores que eu investiguei e vi que estavam faltando nas empresas que estavam tentando melhorar. Não era porque não tínhamos os equipamentos e os sistemas corretos, nós tínhamos. Era realmente um fator de gente.
Eu passei 15 anos da minha carreira trabalhando com liderança e desenvolvimento organizacional. Eu aprendi todo o lado de como aplicar isso em empresas, mas não fiz a conexão com Food Safety, porque não estava trabalhando com isso na época, estava trabalhando com pessoas, o desenvolvimento delas e como fazer isso. Quando meu emprego mudou e eu fiz meu mestrado em Segurança dos Alimentos e Garantia de Qualidade, seguido pelo meu pós-doutorado, foi aí que conectei meu conhecimento da parte científica do alimento com meu conhecimento técnico em liderança e desenvolvimento organizacional – era isso que a indústria precisava. Um entendimento de que eles não precisavam olhar para a parte técnica de Food Safety, e sim para as pessoas e a parte organizacional. Quero dizer, as organizações devem ter uma missão, visão e valores claros o bastante para suportar as práticas de Segurança dos Alimentos e Garantia de Qualidade. Precisa estar construído junto, alinhado perfeitamente.
Não havia, há 15 anos, um reconhecimento dessa conexão. Havia a ideia que a liderança deve se comprometer, mas as pessoas não sabiam o que isso significava.
Então, foi sobre isso que eu fiz minha pesquisa. E desde então, várias pessoas fizeram suas próprias pesquisas e confirmaram que uma empresa que sabe para onde está caminhando e conhece bem seus valores é bem-sucedida quando a Segurança dos Alimentos entra no jogo. Quero dizer, se você quiser focar em confiabilidade, você precisa focar em Food Safety. Porque, se você não produz um alimento seguro, você pode acabar com o seu negócio, ir à falência. Existem vários casos disso. Nos Estados Unidos, há exemplos de donos de empresas que foram para a cadeia por ter negligenciado a segurança dos alimentos ao só focar no lucro.
Por isso, eu digo que é importante que o alinhamento ocorra em toda a empresa, sempre tendo os valores conectados ao FS. É assim que os funcionários vão entender que o que eles fazem é uma parte do propósito da empresa, e assim eles terão uma visão diferente sobre o seu próprio trabalho. Acho que essas são as principais diferenças entre 15 anos atrás e agora.
e-food: No Brasil, muitas regiões e grande parte da população sofre com má qualidade de educação básica e problemas como a falta de saneamento básico, por exemplo, assim como em outros lugares do mundo. Você acredita que isso seja um fator de influência no nível de maturidade da Cultura de Segurança de Alimentos nas empresas?
Isso pode dificultar o entendimento da importância de fazer as coisas. Para abordar esses tópicos, creio que deva ser parte do plano de treinamento. Não cai tanto sob a questão da liderança, é mais sobre como podemos espalhar a mensagem da maneira correta, para que as pessoas possam entender a importância de práticas seguras, como lavar as mãos ou qualquer outro procedimento que seja necessário. Eles talvez pensem, “eu não faço isso em casa, por que eu faria aqui?” e o treinamento precisa abordar questões como essas.
e-food: Qual é a sua opinião sobre a inclusão de Cultura de Segurança de Alimentos em auditorias de certificação? A Dra. acredita que é possível e correto avaliar Cultura através de auditoria?
Eu acho que pode ser possível. Não estou convencida que seja possível neste momento. E a razão pela qual eu digo isso é que tentar medir cultura organizacional pode ser complexo e há algumas coisas que precisam acontecer no lado da pesquisa para tornar isso possível, assegurando medidas válidas e confiáveis.
Muitas vezes pessoas falam sobre Cultura de Segurança dos Alimentos, mas elas não sabem do que precisam. Elas têm uma vaga ideia do que pode estar contribuindo na sua empresa para a Cultura e querem medir, incluindo em auditorias. Mas o que algumas auditorias estão olhando no momento como evidências relacionadas a Cultura de Segurança dos Alimentos, não é realmente Cultura de Segurança dos Alimentos. Elas talvez estejam vendo precursores que podem ajudar no amadurecimento da Cultura, mas não é necessariamente medir a Cultura em si.
e-food: Muitas empresas de alimentos locais não conhecem o que é Cultura de Segurança de Alimentos. Algumas buscam serviços sobre o tema, com a preocupação de perderem alguma certificação, não de realmente entender o que é. Como a Dra. abordaria a importância do tema para essas empresas?
Bem, se eles só estão querendo receber um auditor que venha e diga “ok, você tem o que é necessário”, não vai ser de muita ajuda ao longo prazo. Porque, na prática, alguém fez o certificado, alguém assinou, mas aquilo não está sendo aplicado. Então, se um auditor entra e pensa que está tudo ok e dá um certificado para eles, isso não significa – para mim – que tem de fato uma Cultura de SA positiva ali, só significa que alguém ganhou um certificado e alguém deu um certificado. Não dá para usar uma auditoria para medir se há uma Cultura de Segurança dos Alimentos acontecendo.
e-food: Qual é, neste momento, na sua opinião, o maior obstáculo para o amadurecimento da Cultura de Segurança de Alimentos na indústria?
Na minha opinião, é a habilidade dos gerentes sêniors em uma empresa de entender e fazer a conexão entre uma cultura organizacional que apoia Food Safety e resultados positivos no negócio. E reconhecer que é um foco de extrema importância para a gerência, e que recursos devem ser direcionados para a melhoria disso.
Também, recursos para desenvolvimento pessoal e profissional dos funcionários de Segurança dos Alimentos em todos os níveis, para que eles possam comunicar eficientemente sobre Segurança dos Alimentos e a importância do segmento para a empresa. Se o profissional de Food Safety disser que algo é importante porque é preciso seguir a lei, ele não está pensando sobre como a Segurança dos Alimentos pode contribuir. Então, ele não consegue comunicar corretamente para os gestores e colegas, porque Food Safety é responsabilidade de todos e como contribui para a empresa no final das contas.
e-food: Quais são os efeitos positivos e negativos que você enxerga pós crise do coronavírus para Cultura Segurança de Alimentos?
Acho que serão positivos. No momento, muita gente está falando “lave as mãos! Não toque no rosto!” e isso passa uma mensagem muito mais rápida do que qualquer treinamento de Food Safety poderia passar. A ideia de tomar cuidado com a saliva, não espirrar ou tossir em espaços públicos, cobrir seu rosto se o fizer, lavar suas mãos em seguida – todas essas precauções serão positivas quanto aos esforços da Segurança dos Alimentos em qualquer empresa. Claro, ainda tem muita coisa a ser feita. Mas a ideia de lavar as mãos, não tocar o rosto, tossir no cotovelo, etc., serão um impacto positivo enorme saindo dessa crise do COVID-19.
Acesse o site da consultoria da Dra. Ball, Brita Ball and Associates aqui e seu LinkedIn aqui.
*Entrevista por Mariana Salles para Portal e-food