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Consumo de carnes exóticas

As carnes exóticas são aquelas originárias de animais que não são tradicionalmente consumidos, incluindo carnes de espécies selvagens ou de caça. No entanto, devido à crescente busca por proteínas mais saudáveis e à diversificação de sabores e cardápios, essas carnes estão ganhando popularidade no Brasil.

A carne de caça selvagem (CCS) tem um perfil nutricional completo e o seu impacto ambiental é inferior ao da carne de criação. No entanto, a CCS deriva da caça, que muitas vezes está relacionada com preocupações éticas dos consumidores. Esta revisão visa esclarecer quais variáveis estão ligadas às percepções e atitudes dos consumidores em relação a este tipo de carne. Por outro lado, as preocupações dos consumidores com a segurança alimentar representam uma das principais barreiras. Por fim, a sazonalidade do produto e a relativa falta de oferta no mercado de CCS representam barreiras ao seu consumo. (CARRADINI et al., 2022)

O hábito de consumo de carnes acompanha o ser humano desde seus primórdios. As ações de caça foram fundamentais para a sobrevivência das sociedades antigas, até o desenvolvimento de técnicas de criação de animais para consumo. Com as mudanças ocorridas ao longo dos milênios, o final do século XX se destacou pela expansão das cadeias de alimentos e desenvolvimento tecnológico que favoreceu o preparo doméstico de vários novos produtos oriundos de carnes já conhecidas (FERNANDES; MAIA; HORTA, 2019)

A criação comercial de animais selvagens pode ser considerada uma alternativa de negócio lucrativo pela oportunidade de se trabalhar carnes consideradas exóticas e também com subprodutos com características únicas que podem aquecer o mercado interno e externo. O principal objetivo da criação comercial é a produção de carne, visto que, em comparação com os subprodutos que esses animais podem oferecer, esta é a que mais apresenta potencial de mercado entre os consumidores e produtores (OLIVEIRA, 2020).

No Brasil, as carnes exóticas são conhecidas como “carne de caça”, e desde 1965 há uma lei que proíbe a caça ilegal desses animais. Para utilizar essas carnes em pratos exóticos, é necessário obter autorização para criação e estar sujeito à fiscalização pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O IBAMA estabelece condições de criação para evitar a extinção das espécies e reduzir a caça ilegal. Para o processo de abate, os animais devem passar por inspeção antes e após o abate, garantindo que suas carnes sejam seguras para o consumo. No entanto, os produtores de carnes exóticas têm poucas opções para escolher com relação ao processo de abate, uma vez que as regulamentações são rigorosas e visam garantir a qualidade e a segurança dos produtos.

O primeiro passo é contratar os serviços de um abatedouro de pequenos animais, que tenha inspeção sanitária. Com adaptações mínimas, a estrutura pode ser usada para o abate de pacas e javalis, por exemplo. Quanto à legislação, essa modalidade de abatedouro está amparada, legalmente, para fazer o abate de pequenos animais de qualquer espécie, inclusive os silvestres. Já a legislação que aborda tanto o abate quanto a comercialização das carnes chamadas de “exóticas” é o Decreto 9.013/2017, que dispõe sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. (CARNEIRO, 2022).

Existem várias espécies de animais exóticos destinados à alimentação humana, tais como tartarugas de peito amarelo, capivaras e os jacarés-açú que, dentre outros, têm grande aceitação em algumas regiões do país (PETRESCU; PETRESCU-MAG, 2018). Entretanto, por não se tratarem de alimentos tradicionalmente comercializados, acabam servindo esporadicamente como experiências gastronômicas. (FERNANDES; MAIA; HORTA, 2019. Entre as carnes exóticas, a de coelho se sobressai devido sua facilidade de produção, retorno rápido, custo operacional baixo e alto valor nutricional (BUITRAGO-VERA et al., 2016).

As formas de produção utilizadas, no Brasil, visam a obtenção de carne, subprodutos e couro. A carne de jacaré, especialmente de Caiman yacare possui alta digestibilidade, baixos valores de colesterol e alto valor biológico, sendo uma ótima fonte de proteína de origem animal na alimentação humana. Já a carne Caiman latirostris apresenta elevada concentração de ácido graxo linoleico, conferindo-lhe alto valor nutritivo. Além disso, algumas características, como sabor suave, maciez e boa aparência visual (cor variando entre branco e rosa), tornam a carne atraente aos consumidores (FERNANDES, 2011). Inicialmente, os tipos de cortes efetuados em jacarés eram filé de dorso, lombo, cauda e membros. Porém, para ter uma maior variedade, foram implementados na indústria os cortes de filé mignon, ponta de cauda, iscas, coxa e sobrecoxa (FILHO et al., 2020).

Neste aspecto, o coelho se destaca por alguns pontos, como o porte pequeno, a velocidade de reprodução, por ser um animal mundialmente conhecido e não de uma determinada região além de ser saudável e oferecer uma carne rica em nutrientes. Por esses motivos, é bastante popular em alguns países, mas ainda pouco consumida no Brasil (FERNANDES; MAIA; HORTA, 2019)

A carne de rã-touro tem sido muito procurada nas últimas décadas para o consumo, por ser uma carne considerada exótica, além de apresentar qualidade nutritiva, apresenta um sabor suave e intermediário, entre alguma das outras carnes brancas, como: frango e o peixe. A carne de rã possui baixo teor de colesterol e baixa quantidade de gorduras saturadas, e alto teor de cálcio e proteínas (LOPES et al., 2020; NASCIMENTO et al., 2019).

A capivara (Hydrochoerus Hydrochaeris L.) é a espécie de animal silvestre nativa que apresenta o maior potencial zootécnico para a produção de carne e couro (NOGUEIRA et al., 2013), pois possui crescimento rápido, alta eficiência reprodutiva, dieta de baixo custo e vive em grupos (FELIX et al., 2014). Além disso, em muitas regiões tem ocorrido o aumento de sua densidade populacional, sendo tratada como praga em lavouras e como animal sinantrópico em áreas urbanas (LOPES et al., 2021). Graças à importante massa muscular e à alta qualidade nutricional de sua carne, a capivara (Hydrochoerus Hydrochaeris L.) pode certamente ser considerada um interessante animal produtor de carne (ZOTTE e CULLERE, 2019)

As carcaças de pato, em comparação com as de frango, contêm menos carne, principalmente menos peito, e uma maior proporção de pele com gordura subcutânea (KOKOSZYŃSKI et al. 2020). O alto teor lipídico, os preços mais altos, e a dificuldade na preparação e confecção culinária, são motivos suficientes para desencorajar a maior parte dos consumidores a adquirir carne de pato (KOKOSZYŃSKI et al. 2020). No entanto, a carne de pato, especialmente a carne do peito, tem um alto valor nutricional. A carne do peito de pato é caracterizada por um perfil de aminoácidos favorável, com teores superiores de leucina, lisina, triptofano, fenilalanina e tirosina, e por um teor superior de ácidos gordos poli-insaturados, particularmente em ácidos gordos linoleico e α-linolênico, quando comparada com a carne do peito de frango (ALI et al. 2007)

A carne de paca é uma das mais caras, podendo chegar a custar aproximadamente R$ 200,00 o kg. É um produto com baixo teor de gordura e rico em proteína, cálcio e fósforo. A paca é uma espécie de roedor pertencente à Família Cuniculidae, podendo chegar a medir 70 cm e pesar até 10kg. Sua alimentação é constituída por frutas e raízes (CORSINO, 2020)

No Brasil existe um comportamento sociocultural quanto a caça recreativa ou desportiva do Javali com legitimidade e amparo legal contemporâneo devido à autorização da captura e abate de javalis para fins de controle populacional. visando apenas a redução de danos em lavouras próprias ou locais, sendo comum o consumo da carne (SORDI e MORENO, 2021).

As carnes exóticas são uma excelente opção para o consumidor, uma vez que elas apresentam valores de proteínas e gorduras de melhor qualidade para uma alimentação saudável de humanos. Outro fator favorável das carnes exóticas é a baixa contaminação microbiológica, pois, devido ao fato de serem produtos financeiramente de valor elevado, os cuidados ministrados aos animais e ao seu abate desencadeiam um controle de qualidade mais rigoroso (SFACIOTTE et al., 2015).

Embora haja um aumento no interesse pelo mercado de carnes exóticas no Brasil, encontrar fornecedores legalmente registrados ainda é um desafio. A obtenção de carnes exóticas requer fornecedores que sejam criadores devidamente registrados e fiscalizados pelos órgãos competentes. Este requisito é essencial para garantir a segurança alimentar e a conformidade com as regulamentações governamentais.

 

REFERÊNCIAS 

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PILEGI SFACIOTTE, R. A., CAPOIA VIGNOTO, V. K., MACHADO CARDOZO, R., MARQUES MUNHOZ, P., PINTO, A. A., REZLER WOSIACKI, S., FERRARO, G. C., & BAPTISTA BARBOSA, M. J.  (2015). Avaliação da qualidade microbiológica e nutritiva de carnes exóticas. Semina: Ciências Agrárias, 36(2), 839-847.

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