Desde a publicação do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, pelo Ministério da Saúde, em 2019 (disponível para download gratuito nesse link), pediatras e nutricionistas materno-infantis vêm mudando a conduta quanto ao oferecimento de alimentos potencialmente alergênicos, entre eles, o peixe. Até este marco, a maioria dos profissionais recomendava o oferecimento do peixe após os 12 meses de idade. Mas com o desenvolvimento de estudos na área, começou-se a trabalhar com a janela de oportunidades. Ou seja, quanto antes a criança for exposta a um alimento potencialmente alergênico, menor será o risco de que ela desenvolva alergia. A prática também visa permitir a detecção precoce de reações a ingredientes individuais. No entanto, essa introdução deve ser cautelosa e seguindo as recomendações do pediatra, que levará em conta fatores como alergias alimentares dos familiares do lactente. Este profissional também deve orientar os pais sobre as atitudes a serem tomadas, caso a criança apresente algum sinal de alergia (SARINHO et al., 2018; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012).
Deste modo, recomenda-se a oferta do peixe para o bebê tão logo se inicie a introdução alimentar, por volta dos seis meses de idade, de acordo com os sinais de prontidão alimentar, que são: sentar sem apoio (ou com o mínimo de apoio); sustentar a cabeça e o tronco; desaparecimento do reflexo de protusão da língua e aparecimento de movimentos voluntários e independentes da língua; além da curiosidade pelos alimentos sólidos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2017; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019).
Até os seis meses de idade, a criança deve alimentar-se somente de leite materno ou fórmula infantil (nos casos onde a amamentação não é possível). A partir daí, inicia-se a chamada alimentação complementar. Ou seja, o leite materno ainda é a principal fonte de nutrientes para o bebê e ele vai ser apresentado aos alimentos sólidos, que só passarão a ser fonte principal de nutrientes por volta de um ano de idade. Por isso, os pais não devem se desesperar caso o bebê apresente certa recusa aos alimentos, incluindo o peixe. Pode-se tentar variar a forma de preparo e oferecer algumas vezes, até que ele se acostume aos diferentes sabores e texturas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019).
O peixe é fonte de muitos nutrientes necessários para o crescimento e o desenvolvimento dos bebês, como proteína, gordura (ex.: ômega 3), ferro, zinco e vitamina B12. A carne deve estar sempre bem cozida, nunca crua ou malpassada. Em um primeiro momento, ele deve ser amassado com o garfo ou desfiado (nunca triturado, para que a criança consiga perceber as diferenças de texturas e sabores). Aos oito meses, pode ser oferecido em pequenos pedaços e a consistência vai aumentando, gradualmente, até atingir a mesma da comida do restante da família (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019).
A principal preocupação dos familiares do lactente é quanto aos engasgos. Dito isso, é importante ter bastante cuidado com espinhas. Para isso, orienta-se a procura por espécies cujas espinhas sejam fáceis de retirar, salientando que quanto maior o peixe, maiores as espinhas, logo maior a facilidade de retirada. Outra recomendação é que se compre o alimento já na forma de filé, de um local de confiança, que já o oferecerá limpo e sem espinhas. Mesmo assim, é essencial que os pais estejam atentos à presença de espinhas após o preparo, no momento da oferta do alimento ao bebê (FIPERJ, 2020).
Outras preocupações são contaminação microbiológica e química. Por isso, o ideal é procurar saber a origem do peixe e comprar de locais confiáveis, que respeitem a higiene e a temperatura ideal de armazenamento do produto. Temperatura, aliás, que deve ser respeitada desde a produção primária (pesca ou aquicultura) até o preparo, passando pelo beneficiamento e a comercialização. É importante que o peixe esteja inteiramente coberto por gelo (eventualmente, só as cabeças para fora do gelo para identificação) ou em refrigerador (FIPERJ, 2020).
Tratando especificamente da contaminação química, além dos cuidados supracitados, vale ressaltar que se evite a oferta de peixes de topo de cadeia ou peixes demersais (“peixes de fundo”) (FIPERJ, 2020). Os peixes de topo de cadeia por tenderem a bioacumular e até a biomagnificar estas substâncias nocivas (GILBERT et al., 2015). E os demersais, por viverem em contato íntimo com o substrato, também facilitando a contaminação por substâncias químicas, que podem atrapalhar o desenvolvimento de crianças (ALI et al., 2020).
Exemplos de peixes de topo de cadeia a serem evitados são os tubarões, popularmente chamados de cações quando capturados e vendidos ao público. O cação sempre foi indicado para bebês por se tratar de peixe cartilaginoso e, assim, não apresentar espinhas. No entanto, ocupa justamente o topo da cadeia alimentar e, desta forma, apresenta maior propensão a bioacumular contaminantes químicos (ex.: metais, como o mercúrio) que podem afetar o desenvolvimento neurológico, cognitivo e endócrino dos bebês (JARÜP, 2003; GILBERT et al., 2015). Além disso, existe a questão da sustentabilidade, uma vez que tubarões são animais de ciclo de vida longo, com poucos descendentes na prole, que demoram anos até iniciar o período reprodutivo e essas características intrínsecas a sua biologia afetam, consequentemente, a renovação dos estoques (STEVENS et al., 2000). A sobrepesca pode levar a um desequilíbrio ambiental e, por isso, muitas espécies são protegidas por legislações específicas, como a Portaria nº 445, de 17 de dezembro de 2014 (BRASIL, 2014).
Para a garantia de um alimento seguro para os bebês e seus sistemas imunes ainda em desenvolvimento, é importante que os pais observem a presença de selos de inspeção nos produtos e as características de frescor do peixe descritas pelo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) (BRASIL, 2020; BRASIL, 2017). Lembrando que o ideal é que o consumidor não toque no produto, a fim e evitar contaminação, pedindo para que o comerciante as aponte. São elas:
a) Superfície do corpo limpa, com relativo brilho metálico e reflexos multicores próprios da espécie, sem qualquer pigmentação estranha;
b) Olhos claros, vivos, brilhantes, luzentes, convexos, transparentes, ocupando toda a cavidade orbitária;
c) Brânquias róseas ou vermelhas, úmidas e brilhantes com odor natural, próprio e suave;
d) Abdômen com forma normal, firme, não deixando impressão duradoura à pressão dos dedos;
e) Escamas brilhantes, bem aderentes à pele, e nadadeiras apresentando certa resistência aos movimentos provocados;
f) Carne firme, consistência elástica, da cor própria da espécie;
g) Vísceras íntegras, perfeitamente diferenciadas, peritônio aderente à parede da cavidade celomática;
h) Ânus fechado;
i) Odor próprio, característico da espécie.
O consumidor, muitas vezes, fica confuso na hora de comprar pescado, por conta da imensa variedade de espécies ofertadas. Determinadas questões, como influências culturais e gastronômicas, sazonalidade, entre outros, costumam influenciar na disponibilidade de se encontrar determinado recurso. Essas questões regionais são de extrema importância para sabermos que espécie possui as características ideais para ser ofertadas. Algumas boas opções de peixes a serem oferecidos aos bebês, segundo a publicação “Tem peixe no papá do neném: Um guia sobre o peixe na introdução alimentar”, da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ) (disponível para download gratuito em: http://www.fiperj.rj.gov.br/index.php/publicacao/index/4), estão listadas a seguir:
- Peixes de água doce: tilápia, truta, pirarucu, tambaqui (lombo e costelas), tambacu (lombo), matrinxã (lombo). O pirarucu deve ser oriundo de cativeiro ou manejo sustentável, uma vez que sua pesca é proibida (BRASIL, 2004; BRASIL, 2005). Muitas dessas espécies são criadas pela aquicultura e são facilmente encontradas em supermercados, feiras, entre outros locais de comercialização.
- Peixes de água salgada: badejos, pescadas, namorado, batata e robalo. Algumas dessas categorias são nomenclaturas genéricas, que representam na verdade, mais de uma espécie biológica. Por isso é necessário ter atenção às medidas protetivas para essas espécies como o respeito ao tamanhos mínimos de captura permitidos por legislação, que podem ser conferidos na publicação da FIPERJ supracitada. E, também, aos períodos de defeso, quando a captura de determinada espécie é proibida para a garantia de renovação dos estoques. São eles: badejo-amarelo e badejo-quadrado: 1º de agosto a 30 de setembro (BRASIL, 2018b); batata: 1º de setembro a 31 de outubro (BRASIL, 2018a). Essas medidas protetivas podem sofrer alterações a medida que novos dados biológicos são levantados e/ou estimativas sobre seus estoques são obtidas.
O peixe, tão benéfico para a saúde humana, ainda é pouco aceito por muitos brasileiros. A inserção deste alimento no cardápio dos bebês pode acabar com muitos mitos e preconceitos, finalmente incentivando o consumo por todos os membros da família.
Referências
ALI, M. M.; ALI, M. L.; PROSHAD, R.; ISLAM, S.; RAHMAN, Z.; KORMOKER, T. Assessment of Trace Elements in the Demersal Fishes of a Coastal River in Bangladesh: a Public Health Concern. Thalassas: An International Journal of Marine Sciences. https://doi.org/10.1007/s41208-020-00227-7, 2020.
BRASIL. Instrução Normativa IBAMA nº 34, de 18 de junho de 2004. Estabelece normas gerais para o exercício da pesca do pirarucu (Arapaima gigas) na Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 74, 22 jun. 2004. Seção 1.
BRASIL. Instrução Normativa IBAMA-AM nº 01, de 01 de junho de 2005. Proibe anualmente a pesca, o transporte, a armazenagem e a comercialização do pirarucu (Arapaima gigas) no estado do Amazonas, durante o período de 1º de junho a 30 de novembro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 47, 07 jun. 2005. Seção 1.
BRASIL. Portaria MMA nº 445, de 17 de dezembro de 2014. Reconhece como espécies de peixes e invertebrados aquáticos da fauna brasileira ameaçadas de extinção aquelas constantes da “Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 245, p. 126, 18 dez. 2014. Seção 1.
BRASIL. Decreto nº 9.013, de 29 de Março de 2017. Regulamenta a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 104, p. 2, 1 jun. 2017. Seção 1
BRASIL. Portaria Interministerial nº 40, de 27 de julho de 2018. Define regras para o uso sustentável e recuperação dos estoques das espécies Hyporthodus niveatus, conhecido popularmente por Cherne-Verdadeiro, e Lopholatilus villarii, conhecido popularmente por Peixe-Batata. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 145, p. 4, 30 jul. 2018. Seção 1.
BRASIL. Portaria Interministerial nº 59-C, de 9 de novembro de 2018. Define regras para o uso sustentável e recuperação dos estoques das espécies Mycteroperca interstitialis, conhecido como Badejo-Amarelo; Mycteroperca bonaci, conhecido como Sirigado; Epinephelus morio, conhecido como Garoupa-de-São-Tomé e Lutjanus cyanopterus, conhecido como Caranha. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 220-A, p. 2, 16 nov. 2018. Seção 1 – Extra.
BRASIL. Decreto nº 10.468, de 18 de agosto de 2020. Altera o Decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017, que regulamenta a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre o regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 159, p. 5, 19 ago. 2020. Seção 1.
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESCA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (FIPERJ). Tem peixe no papá do neném: Um guia sobre o peixe na introdução alimentar. Secretaria De Estado De Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento, 2020. 37 p.
GILBERT, J. M.; REICHELT-BRUSHETT, A. J.; BUTCHER, P. A.; MCGRATH, S. P.; PEDDEMORS, V. M.; BOWLING, A. C.; CHRISTIDIS, L. Metal and metalloid concentrations in the tissues of dusky Carcharhinus obscurus, sandbar C. plumbeus and white Carcharodon carcharias sharks from south-eastern Australian waters, and the implications for human consumption. Marine Pollution Bulletin, v. 92, p. 186-194, 2015.
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MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 265 p.
SARINHO, E. C. S.; CHONG NETO, H. J.; ANTUNES, A. A.; PASTORINO, A. C.; PORTO NETO, A. C.; KUSCHNIR, F. C.; SILVA, M. G. N.; RIBEIRO, M. L.; MOURA, A. C. A.; SOLÉ, D.; SILVA, L. R. Guia prático de atualização – prevenção de doenças alérgicas. Residência Pediátrica, v. 8, n. 1, p. 11-19, 2018.
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Ótimo texto…lendo o artigo eu acredito que carne de pescada branca,pescada inglesa,olhuda e Cambucu seriam uma excelente opção principalmente se for oferecidos em filets. ….peixes grandes como Robalo, Brejereba, Garoupa se forem assadas os pedaços branquinhos retirados do dorsal do peixe fica muito fácil da retirada das espinhas…além de ser uma carne branca e de sabor suave ….os gurisinhos e as gurisinhas iriam adorar …