Portal colaborativo para profissionais, empresas, estudantes e professores da área de Segurança de Alimentos.

Pigmentação natural da gema de ovos de consumo

Introdução

Altos níveis de renda “per capita” fornecem o necessário meio econômico para os consumidores melhorarem a qualidade de suas dietas; assim, espera-se que países mais desenvolvidos tenham um consumo “per capita” de ovos mais elevado do que países em desenvolvimento (MARTIN, 2019). Visando ampliar a oferta desse produto, a avicultura tem sido uma das atividades zootécnicas que mais tem recebido investimentos em termos de ciências, tecnologia, e infraestrutura para os sistemas de criação (SILVA et al., 2019). 

A produção brasileira de ovos de galinha alcançou no ano de 2021, 4.849.697 milhões de dúzias de ovos provindas de um total de 255.603.607 cabeças de aves, tendo a região Sudeste com concentração de quase metade da produção brasileira com 1.959.173 milhões de dúzias, seguida das regiões Sul (1.112.065 milhões de dúzias), Nordeste (923.499 milhões de dúzias), Centro-Oeste (648.118 milhões de dúzias) e Norte (206.841 milhões de dúzias) (IBGE, 2022).

Os ovos são alimentos ricos em proteínas e com baixo teor de gordura, tendo na sua porção lipídica maiores concentrações de ácidos graxos insaturados importantes para a saúde humana (MENDES et al., 2017). Além de ser uma fonte barata de proteína, o ovo contém em sua composição vitaminas e minerais, sendo considerado uma reserva de nutrientes favoráveis, sua qualidade em relação ao preço das demais proteínas de origem animal fazem do ovo um alimento nutritivo e de baixa aquisição (NETTO et al., 2018).

Figura 1. O ovário e o oviduto da galinha formam a “linha de montagem” do ovo (GOUVEIA et al., 2023).

A coloração da gema dos ovos é avaliada por meio da deposição de xantofilas, pigmentos carotenoides derivados da alimentação das aves. O milho é a principal fonte de pigmento amarelo em rações comerciais, portanto, ao substituí-lo por alimentos alternativos, como por exemplo, o sorgo e o milheto, a pigmentação da gema é alterada (BITTENCOURT et al. 2019).

Contudo, há que se destacar que as normas da ABNT NBR 16437 de 2016, que regulamenta a produção, a classificação e a identificação de ovos produzidos, proíbe o uso de pigmentantes sintéticos na alimentação das aves, sendo obrigatório informar no rótulo dos ovos, caso haja a utilização de corante/pigmentante na forma natural, que são os permitidos pela legislação em ovos produzidos (ABNT, 2016).

Os carotenóides podem não apenas contribuir melhorando a qualidade de cor dos produtos, mas também podem contribuir para a obtenção de uma imagem melhor na mente dos consumidores, tendo em vista o aumento da informação disponível sobre os efeitos positivos dos carotenoides na saúde humana (GARCÍA-CHAVARRÍA et al., 2013). São divididos quimicamente em dois grupos: carotenos (hidrocarbonetos), que são os de coloração alaranjada, e as xantofilas derivadas oxigenadas dos carotenos, de colorações amarela e vermelha (SANDESKI, 2016). 

Este artigo técnico aborda de forma científica a composição e aplicabilidade de alguns compostos naturais com intuito da pigmentação de ovos para consumo. 

Carotenoides

Os pigmentos naturais podem ser produzidos por microrganismos, como fungos e bactérias, ou plantas. Porém os microrganismos se destacam, devido a seu baixo custo de produção e potencial aprimoramento de seus processos produtivos (PAOLINI, 2022).

Os carotenoides desempenham um papel importante na proteção das membranas celulares e das lipoproteínas contra os radicais livres devido à sua atividade de eliminação do radical peroxil, gerados no processo de peroxidação lipídica que podem danificar os lipídeos na parede celular (NIMSE & PAL, 2015).

A maioria dos lipídios é encontrada na gema do ovo, onde está localizada uma variedade de antioxidantes solúveis. Os compostos solúveis em água, como vitamina C não são acumulados na gema de ovo, portanto, os únicos antioxidantes presentes em quantidades suficientemente altas para ter qualquer uso protetor na gema são vitamina E e os carotenoides (SURAI & FEED-FOOD, 2014).

Os carotenoides vegetais mais utilizados nas dietas de aves são o β-caroteno, a zeaxantina do milho e as xantofilas da alfafa, com o objetivo de aumentar o amarelecimento da pele e a coloração amarela ou alaranjada da gema do ovo (RILEY et al., 2021) . Já foram identificados mais de 1100 carotenoides naturais (YABUZAKI, 2017), alguns dos quais são a principal fonte alimentar de provitamina A, embora muitos deles não a possuam ou a percam quando oxidados, como carotenos, ß-criptoxantina, astaxantina, cantaxantina, zeaxantina e luteína. Por outro lado, os carotenóides com alta atividade de provitamina A têm baixas propriedades de pigmentação (MAROUNEK & PEBRIANSYAH, 2018).

Produtos naturais fontes de pigmentação 

Urucum 

Dentre as fontes naturais de pigmentos encontra-se o urucum (Bixa orellana L.), planta nativa, não carcinogênica e atóxica que pode ser encontrada em toda América Central e do Sul, cujo fruto é composto por proteínas, betacaroteno e outros carotenoides, sendo os mais abundantes a bixina e a norbixina, apresentando grande capacidade pigmentante (BRAZ et al., 2007).

Devido aos compostos carotenoides presentes em sua composição, o urucum pode apresentar ação antioxidante, protegendo as células de danos oxidativos provocados por radicais livres, podendo assim preservar o alimento, retardando sua deterioração (LOPES et al., 2011). As sementes do urucum contêm lipídeos como ácido linoléico, linolênico e oleico, além de aminoácidos como aspartato, glutamato e leucina (RODRIGUES et al., 2007). 

MARTÍNEZ et al. (2021), avaliaram níveis (0,50; 1,0 e 1,50%) do pó da semente de urucum (Bixa orellana L.) como agente pigmentantes sobre a coloração de gema dos ovos de galinhas poedeiras da linhagem Dekalb White, avaliaram que a concentração de 1,5% melhorou substancialmente a cor da gema, tornando o produto mais atrativo para os consumidores.

Figura 2. Diferença de pigmentação em ovos de codornas suplementadas com urucum em pó (Arquivo pessoal).

Cúrcuma

O açafrão (Curcuma longa L.) é utilizado como aditivo alimentar (especiaria), conservante e corante em países asiáticos, incluindo China e sul e leste da Ásia, além de ser considerado por algumas comunidades como auspicioso e fazer parte de rituais religiosos. A curcumina presente no açafrão é um produto natural não toxico e altamente promissor como antioxidante com um amplo espectro de compostos com funções lógicas (CHATTOPADHYAY et al., 2004). 

O pó de origem industrial obtido à partir do rizoma da cúrcuma (Curcuma longa) destaca-se como fonte natural de pigmentos amarelo-alaranjados, principalmente a curcumina e seus derivados (desmetoxicurcumina e bisdesmetoxicurcumina) (MOREIRA et al., 2013). Além de seu potencial como pigmentante, a presença de óleos essenciais como a tumerona e a dehidrotumerona (MATA et al., 2004) indica seu potencial como promotor de crescimento e da saúde. 

SILVA et al. (2018) usando diferentes níveis de açafrão em rações à base de sorgo em codornas de postura, pode observar que não houve interferência no desempenho dos animais, qualidade dos ovos e níveis de enzimas hepáticas; e a pigmentação de gema não diferiu em comparação com rações a base milho. Além disso, todos os níveis de cúrcuma adicionados causaram uma diminuição no colesterol e triglicerídeos no sangue.  

Extrato de marigold

O marigold (Tagetes erecta L.) é uma planta comumente usada na pigmentação da gema e contém 4200 mg / kg de carotenoides (GÖCER et al., 2006). A marigold é uma das fontes mais concentradas de luteína (80 a 90% de luteína) (ALTUNTA & AYDIN, 2014).

Segundo trabalho realizado por MOURA et al. (2011) o uso do extrato marigold não interfere no desempenho de codornas nem na qualidade dos ovos. Além disso, o extrato de marigold proporciona cor da gema equivalente à obtida com o fornecimento de rações à base de milho e tem menor custo para suplementação, no entanto reduz a qualidade da casca dos ovos (OLIVEIRA et al., 2017). 

Avaliando o uso de extrato de marigold nas doses de 150, 250 e 350 mg/kg na dieta de poedeiras SHRIVAN et al. (2015) notaram que, comparado com a dieta controle a base de milho, a inclusão de 150 mg/kg melhorou a produção de ovos e a massa de ovos, mas reduziu o peso do ovo, somente melhorou a cor com a inclusão de 250 mg/kg.

Trabalho realizado por MAIA et al. (2021) objetivaram em caracterizar os consumidores e avaliar a aceitação da coloração da gema de ovos crus de galinhas poedeiras leves alimentadas com diferentes níveis de extrato da flor de marigold (Tagetes erecta) e cantaxantina. Sobre o consumo dos ovos, 94% dos entrevistados consideram que o ovo é saudável, 66,69% admitiram consumir ovos de casca de cor branca, 57,46% alegaram que a cor da gema não interfere na compra dos ovos, 26,37% alegaram que a coloração da gema mais intensa indica que os ovos são oriundos de “galinhas caipiras”. Porém, 66,67% disseram preferir ovos com gema mais intensa. Quanto a coloração da gema, 35,7% dos consumidores escolheram os ovos em que as aves receberam a inclusão de 2,1 ppm do extrato da flor de Marigold e 1,0 ppm de cantaxantina, respectivamente, na dieta. Esses ovos atingiram a escala oito do método de avaliação subjetivo (Leque Colorimétrico da Roche), sendo este a coloração mais aceita para os consumidores.

Conclusão

O uso de pigmentos naturais contribui para o melhor aspecto do produto final, atraindo assim o gosto do consumidor, no entanto não em relação com fatores nutricionais do mesmo. Os corantes naturais implicam níveis mais altos na inclusão da dieta para se obter resultados semelhantes aos corantes artificiais, porém podem ser fontes economicamente viáveis para a substituição. 

 

Referências Bibliográficas

  • ALTUNTAS, A.; AYDIN, R. Fatty acid composition of egg yolk from chickens fed a diet including marigold (Tagetes erecta L.). Journal of Lipids, vol. 2014, Article ID 564851, 4 pages, 2014. doi:10.1155/2014/564851.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Avicultura – Produção, classificação e identificação do ovo caipira, colonial ou capoeira. (NBR 16437). Rio de Janeiro: ABNT, 2016.
  • BITTENCOURT TM et al. 2019. Distillers dried grains with solubles from corn in diet of japanese quails. Acta Scientiarum. Animal Sciences 41: 1-7.
  • BRAZ, N. M. et al. Semente residual do urucum na alimentação de poedeiras comerciais: desempenho e características dos ovos. Acta Scientiarum Animal Science, v. 29, p. 129-133, 2007.
  • CHATTOPADHYAY, Ishita et al. Turmeric and curcumin: Biological actions and medicinal applications. CURRENT SCIENCE-BANGALORE-, v. 87, p. 44-53, 2004.
  • GARCÍA-CHAVARRÍA, Minerva et al. The use of carotenoid in aquaculture. Research Journal of Fisheries and Hydrobiology, v. 8, n. 2, p. 38-49, 2013.
  • GÖCER, M.; YANAR, M.; KUMLU, M.; YANAR, Y. The effects of red pepper, marigold flower, and synthetic astaxanthin on pigmentation, growth, and proximate composition of Penaeus semisulcatus. Turkish Journal of Veterinary and Animal Science, v.30, n.4, p.359–365, 2006.
  • GOUVEIA, Larissa Ferragute et al. Será que tem um pintinho? Uma aula prática para desvendar os segredos do ovo de galinha. Genética na Escola, v. 18, n. 1, p. 46-58, 2023.
  • IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa da Pecuária Municipal. IBGE, 2022. Disponível: < https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/ppm/quadros/brasil/2022>. Acesso em: 13 mai. 2023.
  • LOPES, I. R. V. et al. Desempenho e qualidade dos ovos de poedeiras comerciais alimentadas com rações contendo farelo de coco tratado ou não com antioxidante. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 40, p. 2431-2438, 2011.
  • MAIA, Karina Milene et al. Caracterização dos consumidores de ovos na cidade de Maringá–Paraná. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 1, 2021.
  • MAROUNEK M, PEBRIANSYAH A. 2018. Uso de carotenóides em misturas de ração para aves: uma revisão. Agric Trop Subtrop 51: 107-111. doi: 10.1515/ats 2018 0011 
  • MARTIN, Marshall A. Uma análise econométrica do mercado de ovos em São Paulo. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 17, n. 4, p. 37-53, 2019.
  • MARTÍNEZ, Y. et al. Use of achiote (Bixa orellana L.) seed powder as pigment of the egg yolk of laying hens. Journal of Applied Poultry Research, v. 30, n. 2, p. 1–10, 2021.
  • MATA, A.R., Nelson D.L., Afonso R.J.C.F., Glória M.B.A. and Junqueira R.G. (2004) Identificação de compostos voláteis da cúrcuma empregando microextração por fase sólida e cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v.24, p.151–157.
  • MENDES, L. J.; MOURA, M. A.; MACIEL, M. P.; REIS, S. T.; SILVA, V. G.; SILVA, D. B.; … & SAID, J. S. Perfil do consumidor de ovos e carne de frango do município de Janaúba-MG. Ars Veterinaria, v. 32, p. 8187, 2017. http://dx.doi.org/10.15361/21750106.2016v32n1p%25p
  • MOREIRA, Diogo Magalhães da Veiga et al. Cúrcuma (Curcuma longa) como pigmentante, promotor de crescimento e da saúde de acará bandeira (Pterophyllum scalare). 2013.
  • MOURA, Adolpho Marlon Antoniol de et al. Pigmentantes naturais em rações à base de sorgo para codornas japonesas em postura. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 40, n. 11, p. 2443-2449, 2011.
  • NETTO, L. B. C., SILVA, L. M., XAVIER, M. M. B. B. S. (2018). Qualidade e rotulagem de ovos comercializados no município de Valença-RJ. PUBVET, 12(9), 1-9.
  • NIMSE, S. B.; PAL, D. Free radicals, natural antioxidants, and their reaction mechanisms. Royal Society of Chemistry, v. 5, p. 27986-28006. 2015.
  • OLIVEIRA, Maria Cristina de et al. Paprika and/or marigold extracts in diets for laying hens. Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, v. 18, n. 2, p. 293-302, 2017.
  • PAOLINI, N (2022). Produção de Colorantes Naturais. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Estadual Paulista. “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia.
  • RILEY WW, NICKERSON JG, BURTON GW. 2021. Efeito do β-caroteno oxidado no crescimento e eficiência alimentar de frangos de corte. Poultry Sci 100: 101088. doi: 10.1016/ j.psj.2021.101088
  • RODRIGUES, S.M.; SOARES, V. L. F.; DE OLIVEIRA, T.M.; GESTEIRA, A.S.; OTONI, W. C.; COSTA, M. G. C. Isolation and purification of RNA from tissues rich in polyphenols, polysaccharides, and pigments of annatto (Bixa orellana L.). Molecular Biotechnology, Totowa, v. 37, n. 3, p. 220-224, 2007.
  • SANDESKI, Lígia Mara. Otimização das quantidades de carotenoides em rações de poedeiras visando o aumento da coloração das gemas. 2016.
  • SILVA, Leonam; SANTOS, Marcos; REBELLO, Fabrício; BEZERRA, Andréia; MARTINS, Cyntia. Comportamento da produção e dos preços de ovos de galinha no estado do Pará, brasil. Agrarian Academy, [s.l.], v. 6, n. 11, p. 113-122, 22 jul. 2019. Centro Científico Conhecer.  
  • SILVA, Weslane Justina da et al. Turmeric and sorghum for egg-laying quails. Italian Journal of Animal Science, v. 17, n. 2, p. 368-376, 2018.
  • SKRIVAN, M.; ENGLMAIEROVÁ, M.; SKRIVANOVÁ, E.; BUBANCOVÁ, I. Increase in luetin and zeaxanthin contente in the eggs of hens fed marigold flower extract. Czech Journal of Animal Science, v. 60, n. 3, p. 89-96, 2015.  
  • SURAI, Peter; FEED-FOOD, Scottish. Canthaxanthin improves breeding performance. World Poultry, v. 30, n. 4, p. 13-14, 2014.
  • YABUZAKI J. 2017. Banco de dados de carotenóides: estruturas, impressões digitais químicas e distribuição entre organismos. Banco de dados 2017: bax004. doi: 10.1093/database/bax004

 

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia mais