Introdução
A imunidade dos mamíferos é um fator determinante para a manutenção da saúde e da homeostase do organismo. Entre as diversas estratégias estudadas para fortalecer o sistema imunológico, os imunomoduladores naturais têm ganhado destaque devido ao seu potencial para estimular mecanismos de defesa sem os efeitos adversos de fármacos convencionais. As betaglucanas, polissacarídeos estruturais encontrados na parede celular de fungos, leveduras, cereais e algumas bactérias, são amplamente reconhecidas por sua capacidade imunomoduladora e vêm sendo estudadas em diferentes espécies de mamíferos, ncluindo humanos e animais de produção (Vetvicka & Vetvickova, 2014).
A crescente preocupação com a resistência antimicrobiana tem impulsionado a busca por alternativas que reduzam a necessidade de antibióticos na medicina veterinária e humana. Nesse contexto, as betaglucanas se apresentam como uma estratégia promissora, promovendo a estimulação do sistema imunológico inato e adaptativo. Além disso, esses polissacarídeos também demonstram efeitos benéficos na modulação inflamatória, na cicatrização de feridas e na prevenção de infecções oportunistas (Brown & Gordon, 2005).
Estudos indicam que o consumo regular de betaglucanas pode também contribuir para a regulação do metabolismo e a prevenção de doenças crônicas, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Isso ocorre devido à capacidade desses compostos de modular a resposta inflamatória e melhorar a sensibilidade à insulina (Murphy et al., 2017). Dessa forma, o uso de betaglucanas tem sido cada vez mais explorado não apenas para a saúde imunológica, mas também para o bem-estar geral dos mamíferos.
Além dos benefícios imunológicos, estudos sugerem que as betaglucanas podem desempenhar um papel fundamental na microbiota intestinal dos mamíferos. A interação entre essas fibras solúveis e o ecossistema microbiano no intestino pode resultar na melhora da absorção de nutrientes, na produção de metabólitos benéficos e na redução de inflamação crônica associada a diversas doenças. Dessa forma, a ingestão regular de betaglucanas pode auxiliar na manutenção do equilíbrio intestinal e na prevenção de doenças inflamatórias intestinais (Zhang et al., 2020).
As betaglucanas também apresentam potencial na recuperação de estados imunocomprometidos, como os causados por doenças infecciosas, terapias imunossupressoras ou estresse crônico. Pacientes em tratamento contra o câncer, por exemplo, frequentemente apresentam imunidade debilitada devido às sessões de quimioterapia. Estudos indicam que a suplementação com betaglucanas pode melhorar a resposta imune e reduzir a taxa de infecções oportunistas nesses indivíduos, conferindo maior qualidade de vida durante o tratamento (Chan et al., 2009).
Outro aspecto relevante é a influência das betaglucanas na regulação do eixo intestino-cérebro, que tem sido um tema crescente na pesquisa biomédica. A comunicação entre o sistema digestivo e o sistema nervoso central pode impactar o humor, o estresse e a cognição. Algumas evidências sugerem que as betaglucanas podem contribuir para a redução do estresse oxidativo e a melhora da função cognitiva, tornando-as potenciais aliadas na prevenção de transtornos neurológicos e psiquiátricos (Reiter et al., 2018).
Mecanismo de ação das betaglucanas
As betaglucanas exercem seu efeito imunomodulador por meio da ativação de receptores de reconhecimento padrão, como os receptores tipo Toll (TLRs) e os receptores de lectina do tipo C (Dectin-1), que estão presentes em células do sistema imunológico, como macrófagos, neutrófilos e células dendríticas (Goodridge et al., 2011). Essa interação desencadeia diversas respostas imunológicas, tais como: aumento da atividade fagocítica e produção de citocinas; estimulação da proliferação e ativação de linfócitos T e B; modulação da resposta inflamatória, reduzindo processos inflamatórios exacerbados; fortalecimento da resposta imune contra patógenos bacterianos, virais e fúngicos.
Além dos efeitos no sistema imunológico, pesquisas sugerem que as betaglucanas também exercem influência sobre o microbioma intestinal, promovendo um ambiente favorável para o crescimento de bactérias benéficas. Isso contribui não apenas para a imunidade sistêmica, mas também para a saúde digestiva, um fator crucial para o bem- estar geral dos mamíferos (Zhang et al., 2020).
Aplicações na Medicina Veterinária e Humana
O uso de betaglucanas tem sido investigado tanto na medicina veterinária quanto na medicina humana devido aos seus amplos benefícios imunomoduladores. Algumas aplicações incluem:
● Saúde animal: Em bovinos, suínos e caninos, a suplementação com betaglucanas têm demonstrado redução da incidência de doenças infecciosas, melhor cicatrização de feridas e aumento da resposta imune pós-vacinal (Reiter et al., 2018).
● Saúde humana: Estudos indicam que as betaglucanas auxiliam no fortalecimento do sistema imunológico de indivíduos imunocomprometidos, como pacientes oncológicos, além de contribuírem para a redução de processos inflamatórios crônicos, como aqueles observados em doenças autoimunes (Chan et al., 2009).
A administração das betaglucanas pode ocorrer por diversas vias, incluindo suplementos alimentares, injeção ou formulações tópicas, dependendo do objetivo terapêutico e da espécie-alvo (Pelizon et al., 2005).
Desafios e Considerações Finais
Apesar dos benefícios comprovados, alguns desafios ainda precisam ser superados para ampliar a utilização das betaglucanas em mamíferos. A variabilidade estrutural desses polissacarídeos, dependendo da fonte de extração, pode influenciar sua bioatividade. Além disso, a dosagem ideal e os regimes de administração precisam ser ajustados para cada espécie, a fim de garantir eficácia sem efeitos adversos (Chan et al., 2009).
Referências
● Carbone, D., & Faggio, C. (2016). Betaglucans in fish feed: Effects on immune response and growth performance. Fish & Shellfish Immunology, 57, 70-74.
● Cheng, A. C., et al. (2019). Immunostimulatory effects of dietary beta-glucans in aquaculture: A review. Aquaculture Reports, 15, 100221.
● Dalmo, R. A., & Bøgwald, J. (2008). Beta-glucans as conductors of immune symphonies. Fish & Shellfish Immunology, 25(4), 384-396.
● Meena, D. K., et al. (2013). Beta-glucan: An ideal immunostimulant in aquaculture (a review). Fish Physiology and Biochemistry, 39, 431-457.
● Murphy, E. A., et al. (2017). Beta-glucans and metabolic health: A comprehensive review. Nutrients, 9(4), 370.
● Ringø, E., et al. (2012). Immune modulation by probiotics and prebiotics in fish.Aquaculture, 302(1-2), 1-17.
● Sealey, W. M., et al. (2007). Dietary supplementation with yeast beta-glucan improves disease resistance in juvenile rainbow trout. Journal of Fish Diseases, 30(7), 425-432.
● Zhang, X., et al. (2020). The gut microbiota and beta-glucan interactions in host immunity. Frontiers in Immunology, 11, 591356.