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O coração da certificação orgânica está no processo de rastreabilidade e balanço de massa

Diretora da Qualidade e Assuntos Regulatórios na consultoria HD Quality, conversou com o e-food sobre certificações orgânicas e seus desafios.

e-food: Quais os maiores desafios que os produtores encontram para obter a certificação orgânica?

Os desafios para a certificação orgânica são inúmeros, mas posso destacar, a partir do que tenho vivenciado, que para os produtores obterem a certificação precisam entender as regulamentações e documentações necessárias, assegurar registros robustos das atividades e a manutenção da integridade orgânica em suas operações, além de conseguirem se estabelecer no mercado que pague o valor agregado.

O primeiro desafio da certificação orgânica está conectado ao conhecimento contínuo da legislação, pois, além de ser extensa, por muitas vezes chega a ser incompreensível ao produtor. Outro ponto nessa mesma vertente, é que de uma forma geral, cada país tem suas próprias leis ou normas a serem cumpridas, que impactam diretamente para o produtor que exporta ou que vende a matéria-prima para indústrias que exportam. Eles precisam compreender todas essas legislações, encontrando entre elas um elo de requisitos comuns para atingir a conformidade e, consequentemente, a integridade orgânica, pois há insumos/processos produtivos que são permitidos para alguns regulamentos e em outros não.

O coração da certificação orgânica está no processo de rastreabilidade e balanço de massa, pois é onde há a comprovação que o produto é realmente orgânico. Para isso, necessita de registros, que muitas vezes o produtor não atende de forma integral, ou por não conseguir realizar o registro de forma adequada. Com isso, não consegue apresentar a comprovação completa na cadeia produtiva, desde a origem da matéria-prima até o produto acabado. Como também, pode não comprovar que os requisitos de manejo não estão sendo cumpridos, pois é necessário documentar tudo que entra na propriedade, as formas de manejo e a produção. O fato é que o produtor tem mais empatia pelas operações em campo, do que registrar ou guardar/arquivar registros. A formalização do que fazem é um grande desafio.

O processo de certificação orgânica é validado através de um ciclo anual de auditorias. Manter a conformidade orgânica a cada ciclo é outro dos desafios. É fato que a maioria dos produtores possuem dificuldades em aspectos técnicos voltados ao processo da produção orgânica. Vem uma série de dilemas como o que pode ser utilizado ou não, que tipo de operação é permitida ou não. E todas essas questões devem ser avaliadas em prol da manutenção da conformidade orgânica, porque basta um insumo não permitido, para que o produtor possa “perder” essa certificação.

Apesar de muitas vezes essa avaliação depender do conhecimento legal, é crucial também o conhecimento técnico para manutenção da viabilidade do sistema produtivo.

 

e-food: Quais os passos para a certificação?

De acordo com a legislação orgânica brasileira, temos dois tipos de certificação: o sistema de certificação por auditoria e o sistema participativo. Esses sistemas possuem processos próprios e distintos, mas de uma forma geral podemos explicar da seguinte forma:

certificação por auditoria é um processo vinculado a uma certificadora e inicia com a proposta comercial, que deve ser acordada entre o projeto e a certificadora, envio de documentos da unidade de produção e o Plano de Manejo Orgânico. Seguido pela auditoria onde serão verificadas as informações e evidências da conformidade com a regulamentação, é gerado um relatório e encaminhado para avaliação da certificadora. No caso de ocorrerem não conformidades, essas serão respondidas e encaminhadas à certificadora. Diante da resposta e evidências da conformidade, é emitido o parecer favorável e consequentemente o certificado da unidade.

Já o sistema participativo é vinculado diretamente ao MAPA – Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária e possui dois processos: a OPAC – Organismo Participativo da Avaliação da Conformidade e a OCS Organismo de Controle Social. É importante ressaltar que o sistema participativo tem como essência a responsabilidade coletiva gerenciada por grupo de produtores.

A OPAC é uma certificadora formada por produtores e credenciada no MAPA. Neste caso, os produtores devem ser membros de uma associação e estão submetidos em grupos a uma OPAC. Vale ressaltar que toda a condução das auditorias possui um manual e regulamento interno aprovado previamente pelo MAPA. Esse processo é validado por dois tipos de auditoria, denominadas de auditoria de pares, realizada pelo próprio grupo de produtores, e auditoria cruzada realizada por uma comissão de avaliação (são produtores de outro grupo e vinculados a OPAC para fazerem o papel de auditores). Os documentos envolvidos no processo são similares ao processo de auditoria, onde, por meio do Plano de Manejo Orgânico, é avaliado a unidade de produção, são gerados relatórios, pareceres, não conformidade e o certificado. Todo esse processo é realizado de forma participativa, inclusive o parecer favorável para a certificação geralmente é realizado em fórum entre a OPAC e seus membros (produtores).

Já a OCS, é um processo desburocratizado vinculado direto ao MAPA, para que o produtor tenha acesso a uma declaração que atende os requisitos orgânicos. Esse processo é formado por uma associação/cooperativa que organiza produtores da agricultura familiar, estabelecem um mecanismo de controle social e realizam o credenciamento no MAPA que valida o controle social. O processo de verificação da conformidade desse tipo de processo geralmente é realizado pelos constituintes do controle social, consumidores e o próprio MAPA.

As principais diferenças para escolher em qual processo o produtor deve seguir está principalmente ligado ao mercado, pois apenas a certificação por auditoria permite o acesso ao mercado externo, onde é possível usar o selo e possui certificado. Na OPAC pode ocorrer a venda a nível nacional, pode usar o selo e possui certificado. Já a OCS é permitida apenas para venda direta, não pode ser utilizado o selo e não tem certificado, onde pode ser utilizado uma declaração do próprio MAPA. Um ponto de restrição para a escolha é que na OCS apenas é permitido o vínculo de produtores da agricultura familiar. Não há um sistema de auditorias sistemático como a OPAC, mas há a presença do núcleo de gestão dessa OCS fazendo esse papel e o próprio MAPA sempre está presente por meio de fiscais ou pelo CPOrg – Comissão de Produção Orgânica.

 

e-food: Quais os benefícios de uma certificação?

Na minha opinião, o principal benefício do processo de certificação é o processo de autonomia, valorização dos agricultores e a oportunidade desse próprio agricultor e família ter uma alimentação saudável e acessível.

Os benefícios vão ainda mais além, pois engloba a questão da validação da conformidade do processo orgânico, fortalecimento da confiança com o cliente, acesso a novos mercados, valor agregado ao produto, além das questões de saudabilidade, ambientais, ecológicas e muito mais.

 

e-food: Muitas empresas fazem “marketing” de que seus produtos são orgânicos, mas muitas vezes não possuem todas as garantias para isso. Como nós consumidores podemos nos certificar se um produto é verdadeiramente orgânico?

Há duas formas que podem garantir que é o produto é orgânico: pelo selo e/ou documento comprobatório (certificados, declaração MAPA e o cadastro nacional de produtores).

Nos produtos certificados por auditoria ou sistema participativo, os produtos embalados devem ter o Selo SisOrg, e no caso do produto a granel o estabelecimento e/ou produtor deve apresentar o certificado orgânico válido.

Já a OCS não tem o selo como garantia e a comercialização só pode ser por venda direta – o consumidor tem a garantia por meio da declaração do MAPA que o produtor atende aos requisitos orgânicos, e é importante que o consumidor exija essa declaração. É obrigatório o produtor ter em mãos a declaração no momento da venda do produto.

Outra forma de verificação é pelo cadastro do produtor no MAPA. O cadastro está disponível em forma de planilha. Atualizado frequentemente e dispõe de todos os produtores e informações importantes deles como: tipo de certificação, produção, a quem o mesmo está vinculado, endereço, contato, atividades e produção.

É comum também, as certificadoras terem uma base de dados em seus sites como o cadastro dos clientes, indicando a identificação do projeto/produtor, endereço, e contato, produtos e regulamentos que o mesmo está submetido.

Um ponto importante é conhecer o selo, pois muitas empresas tendem a criar logos e imagens atribuindo a qualidade do produto orgânico, que podem confundir o consumidor e o mesmo adquirir produtos que não estão de acordo com os processos de certificação orgânicas.

O SisOrg – Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica é padronizado pela Instrução Normativa Nº 18 de 20 de Junho de 2014, que estabelece o padrão desse selo que pode variar em cor e a descrição do tipo de certificação. O selo pode ser utilizado nas versões: colorida, preto/cinza e preto/branco. É obrigatório o uso do selo e a indicação no próprio selo do tipo de certificação, se é participativa ou por auditoria.

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