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Ação de enzimas de frutas como amaciante de proteínas responsáveis pela dureza da carne

De forma geral, as proteínas do músculo ou da carne podem ser divididas em três frações diferentes, com base na solubilidade: sarcoplasmáticas, solúveis em água; miofibrilares, solúveis em solução salina, formam a organela miofibrila e são responsáveis por 50% da maciez da carne; e as estromais, constituídas largamente de colágeno, reticulina e elastina, que formam o tecido conjuntivo propriamente dito ou conectivo. Acredita-se que o colágeno seja responsável por cerca de 10 a 15% da dureza da carne (Gomide, Ramos e Fontes, 2013).

As enzimas possuem papel fundamental nas reações químicas, sendo as enzimas proteolíticas ou proteases responsáveis pela degradação de proteínas. 

 Essas enzimas representam uma classe de enzimas hidrolíticas com capacidade de clivar ligações peptídicas de cadeias proteicas, dando origem a aminoácidos livres, sendo fundamental em processos fisiológicos. 

Além disso, segundo Bon, Ferrara e Corvo (2008), as proteases apresentam importância econômica e são muito relevantes do ponto de vista industrial, pois estão envolvidas em diversas aplicações tecnológicas na indústria de alimentos como, por exemplo, no amaciamento de carne, melhorando sua textura.

As enzimas vegetais atuam em diversos processos metabólicos e aquelas com ação amaciante são termoestáveis e possuem sua funcionalidade na degradação proteolítica, sendo a papaína oriunda do mamão, bromelina do abacaxi, actidina do kiwi (Oliveira, 2000) e ficina do figo. Estas proteases têm graus de ação diferentes e suas aplicações são geralmente feitas por imersão em solução da carne, passando a solução pela superfície e pela injeção intramuscular por agulhas. Após a aplicação, o tempo de ação das enzimas deve ser controlado, por poder haver intenso amaciamento. 

O amaciamento enzimático da carne é importante, uma vez que os consumidores têm se tornado mais exigentes quanto à qualidade e suculência desses produtos. A maciez é um resultado da degradação parcial dos componentes da carne e essas enzimas atuam na hidrólise das miofibrilas e das ligações cruzadas do colágeno, elastina e reticulina. 

A utilização de frutas in natura e/ou extratos das mesmas, visando o processo de amaciamento da carne, em uso domiciliar, ocorre pela ação direta de enzimas vegetais, sem que tenham passado por processos químico-industriais (Aquino, 2017). Dessa forma, é importante conhecer as características dessas enzimas vegetais.

Papaína

A papaína é uma enzima proteolítica encontrada no látex do mamão e possui muitos benefícios e aplicações. É encontrada em maior concentração na fruta verde, dependendo da espécie, e apresenta atividade em pH 5,0 a 8,0 (Martindale, 1982).  

Entre as proteases vegetais, é a enzima mais comercializada e na indústria alimentícia é amplamente usada na clarificação de cervejas e no amaciamento de carnes. A papaína, bem como as outras proteases vegetais, de acordo com Parkin (2010), é aplicada ao músculo ou às carnes que não se tornam suficientemente macias durante a maturação pós-morte, de forma que ocorre o afrouxamento da estrutura proteica, agindo nas fibras de colágeno e elastina (Pedreira, 2001). 

Park e Draetta (1971) mencionaram que a papaína é mais ativa na elastina em relação a ficina, apesar de agir também no colágeno e nas proteínas miofibrilares.

Evers, Donato e Santos (2020) verificaram na análise sensorial de amostras de carne de segunda tratadas com a extração da papaína, que muitos dos avaliadores disseram que eram carnes nobres, indicando a efetividade da enzima que tornou a carne macia. Em contrapartida, as peças tratadas com bromelina não foram bem aceitas, devido ao odor e sabor característicos do abacaxi, que alterou o sabor natural da carne, a qual ficou mais doce. 

O estudo de Brasil et al. (2022) avaliou o desenvolvimento de extratos do processamento das cascas do abacaxi e do mamão, para utilização caseira, em carne bovina e suína in natura, a fim de analisar os efeitos quanto ao tempo de aplicação do extrato, a concentração e a temperatura. Os resultados indicaram que a aplicação do extrato em temperatura ambiente é mais eficaz em relação à aplicação refrigerada, que resultou em carnes com aspecto rígido, de difícil corte e com textura elástica. O extrato concentrado se apresentou mais eficaz quanto à maciez e o intervalo ótimo em relação ao tempo de aplicação foi de 12 horas, sugerindo ambos os extratos de abacaxi e de mamão como viáveis para consumo.

Bromelina 

A bromelina pode ser encontrada em diversos tecidos de plantas da família Bromeliaceae mas, o abacaxizeiro (Ananas comosus) é a sua principal fonte. 

Pode ser encontrada no caule, folhas, raízes, na fruta. Santos et al. (2009) realizaram testes que comprovaram que a melhor atividade proteolítica e a maior especificidade são das enzimas na fruta, e sua temperatura ótima de atuação é de 40°C e seu pH ótimo de 5,0. A concentração da enzima na fruta irá variar com o grau de maturação, estação do ano e tipos do solo. 

Para Rodrigues (2021), além de sua utilização industrial na clarificação de cervejas e amaciamento de carnes, a bromelina pode ser utilizada em indústrias têxteis e farmacêuticas.

No amaciamento de carnes, inicialmente a bromelina atua degradando cerca de 40% do colágeno, seguido pela degradação das miofibrilares (Grzonka et al., 2007).

Maciel et al. (2015) evidenciaram que o tecido conectivo é degradado com maior ação da bromelina, enquanto as proteínas miofibrilares sofrem ação tanto da bromelina quanto da papaína. Park e Draetta (1971) ressalvam que a bromelina possui ação mais eficiente no rompimento do colágeno.

O consumo de uma carne de baixo custo e macia é possível utilizando técnicas de amaciamento, que podem ser realizadas com amaciantes cárneos sintéticos ou naturais, como os derivados do abacaxi e do mamão, que contém as enzimas bromelina e papaína (Evers, Donato e Santos, 2020).

Ficina

Obtida do látex de figos imaturos (Ficus carica), a ficina também é uma enzima proteolítica e assim como a papaína, atua sobre as proteínas estruturais da carne, promovendo seu amaciamento.

A ficina não é muito utilizada devido ao seu custo elevado, sendo inviável economicamente. 

A ficina e a bromelina degradam o colágeno, enquanto a elastina é somente degradada pela papaína e ficina (Maciel et al., 2015). 

Actinidina

Enzima proteolítica presente no kiwi (Actinidia deliciosa), é uma cisteína protease semelhante a papaína, bromelina e ficina. Pode ser encontrada em todo o fruto, porém sua maior proporção é no pericarpo, no estágio de maturação já encerrado, com o fruto maduro. Possuindo um pH amplo de atuação, indo do pH 4 a 10, sendo seu pH ótimo 6,0, e a temperatura ótima entre 40°C a 42°C (Henriques, 2014).

A actinidina hidrolisa proteínas miofibrilares e do tecido conjuntivo, mas parece ter maior atividade proteolítica em relação ao colágeno. Gonçalves (2021) constatou melhor ação nas fibras do colágeno, tornando-as aquosas. 

Kakashi et al. (2019) investigaram o efeito de actinidina nas propriedades físico-químicas de coxas de frango marinadas em cubos por 2, 4, 6, 8, 24, 48, 72 e 96 horas, mantidas a 4 °C. A enzima foi inativada a 60 °C por 10 min e as amostras foram avaliadas, indicando efeito significativo na elasticidade e na mastigabilidade das amostras de carne de frango e redução da dureza devido à atividade nas proteínas miofibrilares e à ruptura dos tecidos conjuntivos.

Considerações 

As enzimas vegetais, principalmente papaína e bromelina, são de grande aplicabilidade como amaciantes naturais e podem ser usadas de forma caseira de modo eficiente, com baixo custo. Além de partes das frutas, seus resíduos também podem ser explorados, contribuindo para redução do seu descarte ambiental. A forma de aplicação e o controle do tempo de exposição da enzima também é muito importante.

 

Referências

  • AQUINO, C.M. Efeito das enzimas naturais e artificiais no amaciamento da carne ovina. 2017. 111 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto Federal do Ceará, Mestrado em Tecnologia de Alimentos, Campus Limoeiro do Norte, 2017.
  • BON, E. P. S.; FERRARA, M. A.; CORVO, M. L. Enzimas em biotecnologia. Produção Aplicações e Mercado. Rio de Janeiro: Interciência, 2008.
  • BRASIL, H.A.; CAMPOS, L.B.; TRINDADE, L.W.; QUEMEL, G.K.C. Estudo da ação das enzimas bromelina e papaína na maciez de carnes bovina e suína. In: Castro, L.H. A. (Org.). Alimentação, nutrição e cultura 2. Ponta Grossa, PR: Atena, 2022.
  • EVERS, G.P.; DONATO, A.; SANTOS, L. dos. Análise comparativa entre amaciantes cárneos naturais (papaína e bromelina) e sintético. Revista Nutrir, v. 1, n. 14, 2020.
  • GOMIDE, L.; RAMOS, E.; FONTES, P. Ciência e Qualidade da Carne: Fundamentos. 1.ed. Viçosa: Editora UFV, 2013.
  • GONÇALVES, T. Uma proposta de aula prática para facilitar o ensino de Bioquímica: Identificando a ação proteolítica de frutas tropicais e do amaciante de carne. Research, Society and Development, v. 10, n. 6, p. 1-11, 2 jun. 2021.
  • GRZONKA Z.; KASPRZYKOWSKI F.; WICZK, W. Cysteine proteases. In POLAINA, J.; MACCABE, P. Industrial Enzymes, 2007. 
  • HENRIQUES, T. Valorização do kiwi (A. deliciosa) de baixo calibre – extração de actinidina e sua aplicação na produção de hidrolisados de glúten. 2013/2014. 82f. Dissertação (Mestrado em Bioquímica). Universidade de Aveiro. 2013/2014.
  • KAKASH, S.B.; HOJJATOLESLAMY, M.; BABAEI, G.; MOLAVI, H. Kinetic study of the effect of kiwi fruit actinidin on various proteins of chicken meat. Food Science and Technology, Campinas, v. 39, p. 980-992, 2019. 
  • MACIEL, A.; SILVA, I.; NETA, I.; ROCHA, N.; SILVA, R.; SEIXAS, V. Amaciantes Cárneos: Tipos e aplicações em carne bovina. Revista Interdisciplinar da
  • Universidade Federal do Tocantins, v. 2, p. 160-174, 2015, p.160.
  • MARTINDALE, W.H. The Extra Pharmacopea. 28. ed. London, Pharmaceutical Press, 1982.
  • OLIVEIRA, A. L. Maciez da carne bovina. Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, p. 7-18, 2000.
  • PARK, Y. K.; DRAETTA, I. S. Aplicação de enzimas proteolíticas no amaciamento de carne de boi. Revista brasileira de Tecnologia, v.2, p.125-129,1971.
  • PARKIN, K.L. Enzimas. In FENNEMA, O R; PARKIN, K L; DAMODARAN, S. Química de Alimentos de Fennema. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Cap. 6, p. 263-342.PEDREIRA, A. C. M. S. Enzimas proteolíticas de plantas usadas no amaciamento da carne: bromelina, ficina e papaína. BeefPoint 2001.
  • SANTOS, A. F.; ALVES, R. S.; LEITE, N.S.; FERNANDES, R. P. M. Estudos bioquímicos da enzima bromelina do Ananas comosus (abacaxi). Scientia Plena. v. 5, n. 11, 2009.
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