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Engajar as pessoas significa deixar claro para elas o que é e do que se trata a Segurança de Alimentos

As empresas de alimentos devem envolver todas as etapas da cadeia de abastecimento, estabelecendo e monitorando indicadores adequados.

Nossa parceira Márcia Panucci, que ocupa atualmente a posição de Gerente de Qualidade e Segurança de Alimentos na Coca-Cola Brasil, conversa hoje sobre a segurança na cadeia de alimentos. Veja abaixo o que pensa uma das maiores especialistas em Food Safety do Brasil.

e-food: Por que as empresas de alimentos devem se importar com a qualidade em toda a cadeia, mas principalmente nas etapas que vão além da produção?

A base está em garantir que a Segurança dos Alimentos esteja em cada etapa, desde a matéria-prima – com todos os perigos mapeados, e os riscos medidos e controlados – até o produto acabado, porque é assim que você consegue manter a segurança do produto final. Não tem como fazer isso sem olhar para a cadeia toda. Essa é a premissa básica: garantir o produto final, um alimento seguro, trabalhando toda a cadeia, desde a etapa de fornecimento de insumos, matérias-primas e embalagens; passando pela transformação e a distribuição. A gente vai até o momento do consumo, envolvendo os clientes, serviços de alimentação e consumidores – trabalhamos a cadeia toda pensando em garantir a integridade dos produtos e não impactar a saúde do consumidor. É um trabalho integral e todos devem ser conscientes e responsáveis pelos seus respectivos papeis.  Operar no setor de alimentos é uma responsabilidade dentro da perspectiva de saúde pública.

Quando se trabalha nesse formato, em cada etapa do elo de suprimentos, você também trabalha produtividade. Então, quando falamos sobre segurança e qualidade dos alimentos, estamos também falando sobre produtividade. Quando eu idealizo e projeto um alimento, eu penso na qualidade, nas especificações daquele produto, passando por toda a cadeia até a etapa de consumo. Ao pensar dessa forma, eu também estou pensando em fazer certo pela primeira vez. É quando todos na cadeia estão conscientes do seu papel, da necessidade de mapear e controlar os perigos e o porquê de tudo isso. Dessa forma eu consigo a efetividade total da operação.

 

e-food: Pela sua experiência, quais indicadores podem ser utilizados para medir ou monitorar a segurança dos alimentos ao longo da cadeia de abastecimento?

Não entrando muito numa fundamentação técnica-conceitual, porque aí há de variar de produto para produto, quando eu penso em indicadores, eu penso nos que vão me levar ao entendimento se aquele processo é capaz de entregar ou não aquilo que se espera, aquilo que se necessita,  sempre pensando que a Segurança dos Alimentos impacta diretamente a saúde dos consumidores. Ou seja, indicadores que antecipam qualquer problema. Indicadores mais preventivos/preditivos, que dão essa visão, do desempenho dos processos relacionados à cadeia de abastecimento de alimentos.

Vou dar um exemplo: vamos pensar no leite pasteurizado. Se eu olhar para a cadeia toda por trás do produto, desde o fornecedor, eu tenho uma forma de avaliar o desempenho. Eu tenho indicadores que avaliam a fazenda que produz o leite cru que eu vou usar até ter o produto finalizado nas prateleiras. Se eu pensar em indicadores que podem me informar se o produto é seguro, eu vou olhar desde o desempenho daquela fazenda – e existem vários indicadores para isso: o processo de ordenha, por exemplo, tem que estar dentro do que é permitido e aceito pelo MAPA.

Saindo dali, quando vou distribuir esse leite para as fábricas de laticínios, eu tenho que fazer uma medição do tempo de transporte e da temperatura daquele leite da fazenda até a fábrica – esse é um indicador de desempenho do processo de distribuição da principal matéria-prima dos laticínios. Precisamos saber se as condições estavam seguras para essa matéria-prima. Dentro do processo industrial, na hora que eu pasteurizo o leite, eu também preciso ter indicadores de desempenho para saber se aquela pasteurização foi efetiva e gerou o leite dentro da qualidade e segurança esperadas.

Então, se eu fosse falar quais são os indicadores, depende muito de onde, de que indústria, de que etapa do processo estou.

Tem indicadores de desempenho de processo que vão estar relacionados à segurança e qualidade do produto. Para cada tipo de processo há indicadores diferentes. E dependendo da natureza destes, acabam sendo grandes aliados da segurança de alimentos. Os indicadores que chamamos de indicadores de resultado ou efeito, os Lagging Indicators, medem tudo o que já passou, olho no retrovisor, e as ações são mais reativas. Me parece que é a ponta do iceberg. Indicadores de reclamações de mercado ou resultados de fiscalizações, são indicadores de resultado.  Os indicadores direcionadores ou indicadores de tendências que chamamos de Leading Indicators, conseguem gerar análises preditivas que auxiliam a empresa a alcançar os objetivos através de ações mais proativas, ou seja, a probabilidade do problema acontecer é muito baixa e assim é garantem a segurança e qualidade dos alimentos e em conjunto o êxito na produtividade da empresa. Certamente esses dois tipos de indicadores são muito importantes, porém, para operacionalizar e ter segurança de alimentos como um valor e o que deve ser feito todos os dias, os Leading Indicators auxiliam mais a operação.

 

e-food: Na sua opinião, qual é a melhor forma de engajar as áreas operacionais envolvidas na distribuição de alimentos?

Quando falamos de engajar as pessoas, é deixar claro para todos o que é e o porquê de Segurança de Alimentos. Esse é o primeiro passo. Parece fácil mas não é.  Está muito relacionado a fatores culturais das organizações além do compliance às normas e leis. Para isso, é preciso mapear e implementar ações de avaliação cultural, educação, reconhecimento e comunicação que alavancam as mudanças de mentalidade e comportamento organizacional. Então, engajamento de líderes e liderados, estratégias, diretrizes, ações de educação e comunicação são essenciais para gerarmos essa conscientização da importância e do valor de Segurança de Alimentos no que é feito todos os dias na empresa.

Estamos passando hoje por uma situação, o COVID-19, que um dos legados que vai deixar é a questão de higiene de forma ampla. Quantas pessoas não tinham ideia de que não praticavam corretamente a lavagem das suas mãos? Na nossa jornada de Cultura de Segurança de Alimentos, Higiene Pessoal é a base, e a lavagem correta das mãos é uma prática fundamental para o indivíduo e para o alimento. Mas a forma de educar e comunicar Higiene Pessoal deve levar em consideração diferenças culturais e ambientais. Por exemplo, em uma região com escassez de água e problemas de acesso à água potável, essa realidade concorre diretamente com essa prática. A maturidade acerca de Segurança de Alimentos nesse momento, propicia e reforça o valor de higiene pessoal e esse contexto é uma espécie de acelerador que está gerando o aprendizado pessoal e intransferível que cada indivíduo está vivenciando. Não é fácil viver essa pandemia do COVID-19 mas esses grandes desafios para a humanidade têm um lado positivo que é a evolução naquilo que persistimos e resistimos para mudar.

 

e-food: Quais são os programas de Qualidade que você considera de maior relevância na prevenção dos problemas com os alimentos nas etapas de estocagem e distribuição?

Acho que hoje a gente está amadurecendo e em contínua evolução. É uma jornada. Se pensarmos na NASA que nos anos 60, antes do projeto da Lua, eles contrataram especialistas em temas de química dos alimentos e microbiologia e criaram o programa HACCP, em português APPCC – Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, cujo o objetivo é idêntico ao que norteia o setor de alimentos até os dias de hoje, que é garantir que o alimento seja seguro e não impacte a saúde dos consumidores. Então, eu acho que se eu consigo gerar nas organizações do setor de alimentos, a percepção de valor na implementação e manutenção de um sistema de gestão da segurança dos alimentos, ou através do processo de certificação de normas internacionais ou simplesmente atendendo aos programas da legislação sanitária, que vão além de obter um certificado ou mesmo ser bem sucedido em uma fiscalização das agências sanitárias, significa prevenir problemas e impactos à saúde pública, e consequentemente  ser uma empresa sustentável gerando valor para o negócio e para a sociedade.

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