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Impacto da contaminação microbiológica na qualidade e segurança de frutas, polpas e sucos

INTRODUÇÃO

O Brasil ocupa o terceiro lugar na produção mundial de frutas frescas e processadas, após China e Índia (FAO, 2019), e as frutas e seus sucos desempenham um papel crucial na manutenção da saúde, repondo nutrientes perdidos pelo organismo (Ohwesiri et al., 2016). No entanto, perdas significativas de 30 a 40% ocorrem nas fases pós-colheita, processamento e distribuição (Spagnol et al., 2018), representando um desafio para a preservação de frutas altamente perecíveis. 

O processamento de sucos e polpas é uma alternativa promissora para evitar perdas e desperdícios dessa cadeia produtiva. Nesse contexto, o consumo global de sucos de frutas está em ascensão, especialmente o segmento de refrigerados e não concentrados (Jordão, 2018), e o mercado de sucos prontos para beber vem melhorando no país à medida      em que o consumidor busca produtos mais naturais e com apelo saudável.

Assim, as indústrias alimentícias concentram esforços em métodos de processamento que visam preservar a estrutura e qualidade nutricional das frutas. A crescente preferência dos consumidores por alimentos frescos e naturais também impulsiona a indústria a desenvolver produtos premium, como sucos refrigerados diretamente da fruta, destacando-se pela menor adição de açúcar e maior qualidade sensorial (Zhu et al., 2018; Timmermans et al., 2011; Lavilla; Gayán, 2018), além do valor nutricional e segurança do consumidor (Yang et al., 2019). 

Pesquisas realizadas pela Horti Brasil (2023), mostram que os consumidores estão cada vez mais conscientes de que frutas e hortaliças são importantes aliados para uma melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo em que cresce a parcela de consumidores que tornam esses alimentos protagonistas de uma refeição saudável. Dados da “KPMG Consumer Survey”, de pesquisa realizada em 2022, mostram que 56% das pessoas mudaram sua visão sobre ter uma alimentação mais saudável e 88% concordam que uma dieta com melhores nutrientes pode aumentar a expectativa de vida. A sustentabilidade na produção e o comércio dos alimentos são valores cada vez mais importantes para os consumidores do futuro.

Entretanto, esses valores devem estar acompanhados da segurança dos produtos adquiridos. Para Gizaw (2019), a garantia da segurança de alimentos é um desafio reconhecido para consumidores, processadores de alimentos e agências regulatórias, levando à utilização de aditivos e conservantes, como antioxidantes sintéticos, corantes e aromatizantes. De acordo com Rollin, Kennedy e Wills (2011) e Vidigal et al. (2015), a indústria de alimentos tem buscado inovação no desenvolvimento de novos produtos por meio da incorporação de tecnologias alimentares avançadas. Essas abordagens oferecem uma gama de vantagens, incluindo melhorias na segurança de alimentos, extensão do período de validade e aprimoramento tanto da qualidade nutricional quanto sensorial.

Um dos maiores desafios para qualquer produto alimentício é a presença de microrganismos patogênicos e deteriorantes, que requerem a adição de agentes alimentares antimicrobianos artificiais nos alimentos. Dessa forma, faz-se necessário compreender o contexto no qual ocorrem as contaminações de frutas e polpas, principais ingredientes dos sucos, para que se possa vislumbrar como a microbiologia contribui para compreensão e melhoria dos processos de sua produção. Para tanto, entender conceitos e ações dos microrganismos nas frutas e nas polpas ajudam a elucidar como as contaminações acontecem, assim como os agentes contaminantes agem nesses produtos.

MICRORGANISMOS CONTAMINANTES DE FRUTAS, POLPAS E SUCOS 

Microrganismos, como bactérias saprófitas, deterioradoras e patogênicas, podem contaminar frutas, impactando na sua qualidade e na dos produtos derivados, como polpas e sucos. A presença de microrganismos nas frutas, assim como o manejo inadequado, prejudica o processamento e a obtenção de polpas, resultando em perdas econômicas e contaminações prejudiciais que se traduzem em riscos à saúde pública (Medeiros et al., 2015).

Segundo Damian (2017) e Mantha et al. (2017),  a contaminação pode ocorrer por meio da água, solo, ar, manipulação inadequada durante o transporte, equipamentos mal higienizados, dentre outros. Assim, o conhecimento da microbiota das frutas, aliado à higienização adequada, é essencial para o processamento seguro. A presença de agentes contaminantes, como Erwinia, Pseudomonas, fungos e leveduras, afeta a qualidade das frutas, polpas e derivados. Além disso, as frutas climatéricas, que continuam amadurecendo após a colheita, como manga, goiaba, banana, mamão, pêssego, entre outras, requerem atenção especial devido ao risco de amadurecimento excessivo, que permite o acesso desses microrganismos ao interior das frutas, levando-as a deterioração.

As polpas e sucos são suscetíveis aos mesmos contaminantes, como bactérias do grupo coliformes, Escherichia coli, Salmonella, os quais representam desafios para a indústria na garantia da segurança e qualidade dos produtos. Assim, a atenção desde o plantio até a entrega ao consumidor é crucial, envolvendo práticas rigorosas de higienização e supervisão por órgãos reguladores. Atenção especial deve ser dada aos bolores produtores de esporos resistentes ao calor e as bactérias láticas, que podem resistir em tratamentos térmicos típicos aplicados pela indústria (Rico-Munoz, 2017Souza et al., 2017Tranquillini et al., 2017; Hou et al., 2018), levando a estufamento de bags e bombonas armazenadas a temperatura ambiente. 

De acordo com Ravasa (2021), surtos alimentares e Doenças Transmitidas por Alimentos ocorrem, anualmente, no Brasil e no mundo, por microrganismos patogênicos relacionados ao consumo de frutas e sucos contaminados. Isso se deve ao fato de que muitos microrganismos possuem a capacidade de sobrevivência e/ou multiplicação nesses produtos, embora sejam afetados de formas diversas quando expostos a diferentes fatores intrínsecos e extrínsecos.

Em suma, a indústria de sucos enfrenta o constante desafio de assegurar padrões sanitários desejáveis, desde a produção até o consumidor final, demandando cuidado rigoroso com o manuseio das frutas e a manipulação das polpas, além da atenção regulatória para garantir a qualidade dos produtos disponíveis aos consumidores. Vivemos em um país de clima tropical em que as temperaturas médias anuais são elevadas, e se as polpas e sucos não são processados e conservados adequadamente, haverá a multiplicação de microrganismos. Sucos de baixa acidez, como os de melão e melancia, armazenados à temperatura ambiente, podem apresentar elevadas     contaminações se não são acidificados e conservados corretamente.

Alguns antimicrobianos naturais aprovados para uso em alimentos desempenham um papel crucial na preservação da segurança e qualidade de sucos e, dentre os mais pesquisados, destacam-se a quitosana, as bacteriocinas (especialmente a nisina) e os óleos essenciais, uma vez que esses compostos demonstram eficácia comprovada contra microrganismos patogênicos e deteriorantes presentes em diversos tipos de alimentos, incluindo sucos. No entanto, é importante observar que esses antimicrobianos apresentam algumas desvantagens, como hidrofobicidade, alta volatilidade e a possibilidade de causar alterações sensoriais indesejáveis. Estratégias como a encapsulação e a utilização de diferentes tecnologias de barreira têm se mostrado adequadas para mitigar esses desafios, tornando possível a aplicação desses antimicrobianos em alimentos (Ravasa, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da conservação de frutas, a análise da contaminação microbiológica e a implementação de estratégias eficazes de prevenção representam pilares fundamentais para garantir a segurança dos alimentos     , a qualidade nutricional e a durabilidade dos produtos. A preservação adequada das frutas não apenas assegura a integridade de seus derivados, mas também contribui para a saúde pública, evitando riscos associados à presença de microrganismos prejudiciais. A compreensão dos processos de contaminação, os agentes contaminantes potenciais e os métodos de conservação são essenciais para a indústria alimentícia e os consumidores. A aplicação de antimicrobianos naturais e a adoção de tecnologias inovadoras desempenham um papel crucial na prevenção de deterioração e na extensão da vida útil das frutas, promovendo a elaboração de produtos seguros e saudáveis.  

 

REFERÊNCIAS 

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