Design Thinking no Desenvolvimento de Alimentos

Introdução

O mercado de alimentos está em constante transformação, impulsionado por consumidores cada vez mais conscientes e exigentes. Questões relacionadas à saúde, sustentabilidade e, claro, à praticidade, têm causado impactos significativos no setor. Como resposta, a indústria de alimentos trabalha intensamente na ampliação de seus portfólios, ofertando produtos diversos ao público.

Uma reflexão: estamos realmente desenvolvendo alimentos com foco no consumidor?

É evidente que o desenvolvimento de um produto envolve várias considerações e motivações, como a necessidade de reduzir custos, atender a novas regulamentações ou mesmo se adaptar a mudanças na cadeia de suprimentos. Mas a questão é: estamos verdadeiramente colocando o consumidor no centro do processo de criação de um produto, ouvindo suas necessidades e entendendo o que ele realmente deseja ou precisa? Ou estamos apenas criando com base em nossas suposições e objetivos internos?

Se queremos impactar positivamente o mercado e conquistar novos consumidores, talvez seja hora de repensar o processo de desenvolvimento de alimentos. Afinal, o sucesso de um produto começa quando ouvimos e entendemos as necessidades do consumidor, oferecendo a ele produtos que resolvam verdadeiramente seus problemas. Cabe destacar que há problemas complexos e sistêmicos, logo, é bem possível que as soluções também sejam. E é neste ponto que o Design Thinking pode ser útil.

Mas afinal, o que é Design Thinking?

O Design Thinking é uma abordagem para alinhar as demandas do mercado às reais necessidades do consumidor. Trata-se de uma ferramenta que vai além da criação de produtos: é sobre empatia, resolução de problemas e inovação.

O foco é resolver problemas de forma criativa, colaborativa e fazendo uso de uma equipe multidisciplinar, composta por representantes de diferentes áreas, como qualidade, marketing, produção, e pesquisa e desenvolvimento (P&D), dentre outros.

Ou seja, cocriar para gerar olhares múltiplos. Na indústria alimentícia, essa ferramenta pode ser usada para criar ou reformular produtos, melhorar processos e estratégias de mercado. O objetivo principal é entender quais são as dores do consumidor e buscar resolvê-las, indo além de ler as sugestões ou reclamações recebidas no SAC da empresa.

A abordagem do Design Thinking tem algumas etapas (Figura 1):

 Figura 1. Etapas do Design Thinking.


Fonte: MOREIRA (2018).

1. Imersão (preliminar e profunda): Entendendo o consumidor e compreendendo o problema.

A primeira etapa do Design Thinking é focada na empatia, em compreender as necessidades, desejos, comportamentos e experiências dos consumidores. O objetivo principal é entender o que consomem, como e por que consomem, além disso, em que circunstâncias. Compartilhar percepções com a equipe, reconhecer o mercado, preparar as pesquisas com os consumidores. Nesta fase, algumas ferramentas podem ser utilizadas, tais como, sessões generativas, observação direta, diários, entrevistas qualitativas, dentre outras. Vamos usar as entrevistas de profundidade como exemplo e, neste caso, prepare-se para repensar a forma de trabalhar com entrevistas. Não se trata apenas de coleta de dados demográficos, mas sim em entender as experiências e perspectivas dos consumidores de maneira mais imersiva e personalizada. Além disso, talvez você se surpreenda em relação ao número de entrevistados: não se utiliza muitos, mas quantias pequenas (dez ou até menos entrevistados com perfis diferentes).

Para a entrevista de profundidade, um roteiro deve ser elaborado, onde entram questões como “o quês”, “por quês”, “como”. Trata-se de uma entrevista flexível, um “bate-papo” sem interferências e que precisa de sensibilidade do entrevistador. Um dos diferenciais da entrevista de profundidade (além do baixo número de entrevistados) é a capacidade de estabelecer uma conexão genuína. As respostas são sempre seguidas de “por quês”, ou seja, geram novas perguntas, o que promove imersão do entrevistador nas experiências do consumidor.

Outra abordagem que pode ser aplicada é o mapeamento da jornada do consumidor, que muitas vezes, durante a entrevista, não conseguimos captar. Na avaliação da jornada, fazemos uma análise detalhada do caminho percorrido pelo consumidor, desde o primeiro contato (por exemplo, observando o produto na gôndola do supermercado) até a conclusão de uma ação (por exemplo, armazenando o produto em casa). Buscamos entender os comportamentos, necessidades, emoções e pontos de contato (on-line e off-line) que influenciam em suas decisões e ações. Assim, identificamos dores e oportunidades em cada etapa da jornada, transformamos as emoções e experiências do consumidor em oportunidades que serão exploradas e desenvolvidas. Esse estudo é interessante, pois cria uma experiência mais personalizada e eficiente, contribuindo para fidelização do consumidor.

Imagine aqui, a seguinte situação: uma equipe precisa desenvolver produtos de panificação sem glúten. Utilizando entrevistas qualitativas e a jornada do consumidor, a equipe vai entender as reais dificuldades dos consumidores em relação a este produto. Haverá uma imersão nas experiências, na rotina, nas dores que eles têm durante o dia, em casa, no supermercado, no trabalho, escola/faculdade, em festas etc. Não haverá suposição, mas sim, certezas em relação ao que os consumidores estão buscando.

A empatia gerada durante essa fase ajuda as equipes a enxergarem os consumidores como indivíduos reais, com histórias e necessidades únicas, e não apenas como números ou perfis genéricos. Permitindo o desenvolvimento de produtos mais personalizados.

2. Síntese, Análise de Dados e Definição do Problema

Após imersão, uma análise de dados deverá ser realizada, sendo comum o uso de agrupamento de evidências, por grupos temáticos ou por semelhanças, o que favorece os insights de toda a equipe, levando a definição do problema. Essa etapa é crucial para garantir que os esforços estejam focados nas questões que realmente importam para os consumidores. A definição do problema requer a identificação de padrões nas respostas dos consumidores, destacando as principais dores e desejos. Em um projeto de desenvolvimento de pão sem glúten, a análise pode revelar que os consumidores querem ter disponíveis, de forma prática, produtos sem glúten e sazonais, como por exemplo, para as festividades de Natal. Eles já encontram pães, biscoitos, pré misturas para bolos para a rotina diária, mas nas festividades de final de ano, não encontram produtos sazonais prontos ou práticos.

Nesta etapa, o uso de ferramentas visuais, como mapas mentais e diagramas, pode ajudar a organizar as informações coletadas e facilitar a colaboração entre as equipes.

3. Ideação: Gerando Soluções Criativas

Com o problema definido, a equipe entra na fase de ideação, onde são geradas soluções para atender às necessidades identificadas. O objetivo é pensar “fora da caixa”, explorando ideias que podem parecer inusitadas ou ousadas. Nesta etapa, dinâmicas como brainstorming e mapas de afinidade são amplamente utilizadas. A diversidade da equipe é essencial, pois pontos de vista variados enriquecem o processo criativo.

Ao trabalhar no exemplo anterior, projeto de produtos panificados sazonais sem glúten, uma equipe pode propor ideias como:

● Rabanadas sem glúten prontas e congeladas.
● Mistura para pão de rabanada sem glúten.
● Mistura para bolos e pães de Natal.
● Bolos ou pães de Natal (pronto para consumo).

Após a geração de ideias (aqui, por enquanto, não há limites para as ideias), é feita uma seleção com base em critérios como viabilidade técnica, impacto no consumidor e alinhamento com os objetivos da empresa.

4. Prototipagem

Na fase de prototipagem, as ideias selecionadas são transformadas em versões iniciais do produto ou serviço. No setor alimentício, isso pode incluir:

• Criação de formulações experimentais.
• Desenvolvimento de embalagens inovadoras.
• Elaboração de campanhas de marketing.

O objetivo é tornar as soluções palpáveis e permitir que sejam avaliadas de forma prática. Por exemplo, ao desenvolver uma nova linha de rabanadas sem glúten, uma empresa pode criar diferentes versões de sabor, textura, formulação, tamanhos variados e embalagens para testar com grupos de consumidores.

5. Testes

O protótipo é então testado com consumidores para obter feedback real. Essa etapa é essencial para identificar ajustes necessários antes do lançamento do produto.

Os testes podem incluir:

• Degustações controladas para avaliar sabor e textura.
• Pesquisas qualitativas para entender as percepções sobre o produto, a embalagem e
o posicionamento do produto no mercado.

• Análises sensoriais.

Com base nos resultados, ajustes são feitos e novos testes podem ser realizados, se necessário. Essa abordagem iterativa garante que o produto final esteja alinhado com as expectativas do consumidor, considerando o que foi encontrado na fase de imersão.

O Design Thinking está revolucionando a forma como produtos são criados, colocando o consumidor no centro das decisões e promovendo inovações que realmente fazem a diferença. Em um mercado tão competitivo, adotar essa ferramenta pode ser a chave para transformar ideias em soluções bem-sucedidas, alinhando criatividade, ciência e negócios.

É importante destacar que foram apresentadas as etapas do processo de Design Thinking de forma sintetizada. Para desenvolver todo o processo durante a criação de um produto, é necessário sensibilidade para utilizar as ferramentas e técnicas adequadas a cada situação.

Para as empresas alimentícias, o futuro pertence àquelas que conseguem ouvir, entender e responder às necessidades dos consumidores. E o Design Thinking é, sem dúvida, uma poderosa ferramenta para tornar isso possível.

Referências:

● BROWN, T. Design thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas idéias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
● MACEDO, M. A.; MIGUEL, P. A. C.; CASAROTTO FILHO, N. A Caracterização do Design Thinking como um Modelo de Inovação, Revista de Administração e Inovação, v.12, p. 157-182, 2015.
● MOREIRA, B. R. Guia Prático do Design Thinking: Aprenda 50 ferramentas para criar produtos e serviçõs inovadores. 151p. 2018.

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