Introdução
A aproximação do ser humano com animais domésticos, potencializada principalmente em grandes centros urbanos, possibilitou a transferência de tendências humanas para o mercado pet, um processo reconhecido como “humanização”, que promove os pets de “animais de companhia” para membros da família e até mesmo substitutos de filhos. Um dos principais impactos dessa humanização que pode ser observado é a ascensão do mercado de alimentos naturais, até então uma tendência humana, para os pets (SILVA et al., 2021).
Atualmente, existe uma ligação cada vez mais humanizada entre os animais de companhia, e isso se reflete na alimentação fornecida aos mesmos. Há uma tendência por parte dos tutores em querer oferecer uma dieta mais próxima da sua alimentação (alimentos cozidos) ou fornecer uma dieta mais próxima da ancestralidade canina (alimentos crus) (SILVA MAZZARINO & LOPES, 2022).
Segundo dados no Brasil há uma quantidade de 149,6 milhões de pets, sendo eles 58,1 milhões de cães, 27,1 milhões de gatos, 41 milhões de aves, 20,8 milhões de peixes ornamentais e 2,53 milhões de pequenos répteis e mamíferos. O mercado pet faturou cerca de R$ 41,96 bilhões em 2022, sendo 80% oriundo do ramo pet food, com crescimento de 18,3% para o mesmo setor, colocando o Brasil em 6° lugar no ranking mundial de faturamentos dentro do setor (4,5%) (ABINPET, 2023).
O interesse atual sobre novas alternativas alimentares para cães e gatos, a parte a rações comerciais convencionais, teve inicio devido a um grande recall ocorrido nos Estados Unidos entre março e abril de 2007. Nesta data, a empresa canadense Menu Foods, a maior fabricante de rações da América do Norte, anunciou que retiraria do mercado 60 milhões de enlatados para animais. O motivo do recall foi a morte de 16 animais (oficialmente confirmadas) com falência renal e hepática. Neste período, a FDA (Food and Drug Administration), agência responsável pela regulamentação de alimentos e medicamentos nos EUA, recebeu mais de 14.000 reclamações sobre animais domésticos com sintomas de perda de apetite, vômitos e apatia, os principais sintomas da intoxicação (SAAD & FRANÇA, 2010).
Além das exigências nutricionais inerentes a cada estado fisiológico, a pesquisa nutricional abrange áreas como longevidade, gerontologia, imunidade, beleza de pele e pelos, função digestiva, saúde oral e prevenção de doenças degenerativas, incluindo-se o manejo nutricional de diversas condições patofisiológicas como urolitíases, nefropatias, artropatias, endocrinopatias, obesidade, distúrbios gastrointestinais, alérgicos, entre outros (CARCIOFI & JEREMIAS, 2010).
Uma dieta natural, quando bem manejada, também apresenta níveis adequados de cálcio, fósforo, potássio, sódio, probióticos, enzimas e são livres de conservantes, corantes ou produtos químicos ou qualquer processamento que alterem de alguma forma o equilíbrio natural do alimento. Isso transmite uma imagem saudável sendo agradável aos tutores que buscam uma boa qualidade de vida para seus animais (SAAD & FRANÇA, 2013).
Este artigo técnico aborda de forma cientifica a tendência do uso de alimentos naturais (alimentação natural) na dieta de animais de companhia.
Alimentação natural
A variabilidade de produtos disponíveis com alegação natural levou à confusão e ao desacordo quanto à verdadeira definição de alimentos naturais e nutrição natural para pets. Além disso, o uso de tendências alimentares humanas é frequentemente usado para apoiar os benefícios funcionais para a saúde de produtos alimentares naturais, embora haja evidências científicas limitadas que apoiem os benefícios em animais de companhia (BUFF et al., 2014).
Trabalho desenvolvido por FLORES (2016) afirma que a inserção de ingredientes exóticos, como frutas locais, torna-se muito atrativa para muitos consumidores, e quanto mais ingredientes adicionados melhor, principalmente se esses ingredientes agregarem mais funcionalidade ao produto.
Uma nova tendência em alimentos para cães e gatos, são aqueles que contêm fontes exóticas de proteínas. Alimentos para animais de estimação que contêm jacaré, pato, coelho, veado, bisão, avestruz e cangurus. Estas dietas são frequentemente comercializadas como sendo mais “naturais”, menos propensas a causar alergias ou apenas geralmente mais saudáveis do que dietas contendo ingredientes menos caros e exóticos, como frango, porco ou carne bovina. Outros ingredientes considerados inusitados: salmão, cordeiro, lentilha, ervilha, fava, tapioca, cevada, grão de bico; aparentam ter perfis nutricionais e digestibilidade diferentes dos ingredientes mais comuns e, como consequência, podem afetar o metabolismo de outros nutrientes (FREEMAN et al., 2018).
Estudo realizado por ARAÚJO et al. (2018) objetivaram o efeito da alimentação caseira, da ração comercial a granel e da ração comercial fechada para cães adultos sobre análises clínicas e aspectos comportamentais de ingestão das dietas. Os cães submetidos à dieta caseira apresentaram menor resultado de glicemia sanguínea (g/dL 83,90). A urina apresentou pH mais alcalino para cães que receberam a ração a granel (8,06). Cães da dieta caseira apresentaram o mais alto escore para a qualidade do pelo. Houve um maior volume das fezes de cães que receberam a dieta de ração a granel. Cães que receberam a dieta de alimentação caseira ou a ração comercial fechada apresentaram um consumo total do alimento em menos de 10 minutos. A maioria dos resultados foi semelhante entre a dieta caseira e a ração fechada do tipo premium. A ração a granel apresentou os piores resultados.
Vantagens e desvantagens dessa modalidade de dieta
Pontos fundamentais devem ser considerados na escolha de dietas naturais para cães e gatos. Exemplo de um deles é que, ao processar esses alimentos de forma inadequada, os riscos à saúde do animal estão baseados na contaminação biológica. Adquirir matéria prima de boa procedência, preparar de acordo com as exigências nutricionais da espécie e do médico veterinário nutricionista ou zootecnista é de suma importância para diminuir esses riscos (LUDWIG, 2000).
Umas das vantagens da dieta natural é a ingestão de água que pode ser estimulada com o fornecimento de dietas com teor de umidade elevada. Dessa forma, aumenta-se o consumo de água total e consequentemente aumenta-se o volume de urina, reduzindo a concentração da mesma (DIJCKER et al., 2011). Fato que explica a não formação de novos cálculos pelo animal, embora a manutenção do pH urinário ao contrastar com o pH quando em consumo de ração comercial (LEITE et al., 2020).
Trabalho realizado por RODRIGUES (2021) com uso de dieta natural para perda de peso em cão, obteve resultados que após a implementação da dieta, foi possível observar uma redução de peso de 31,2 kg para 27,7 kg no período de três meses. Além da redução do peso, ocorreram mudanças na composição corporal do animal, onde o percentual de gordura e as medidas morfométricas obtiveram uma redução significativa, possibilitando a classificação do escore corporal canino de número sete (CORDÃO et al., 2021).
As dietas de espécies relacionadas com a vida selvagem têm sido usadas como justificativa para a alimentação crua, mas diferenças na biologia e no estilo de vida impõem limitações a tais comparações. Existem evidências formais de alegações por parte dos defensores da alimentação crua de um microbioma intestinal alterado e (subjetivamente) de uma melhor qualidade das fezes. No entanto, não existem atualmente provas sólidas nem mecanismos plausíveis identificados para muitos dos outros benefícios alegados. Existem riscos documentados associados à alimentação crua, principalmente desnutrição (formulação e testes inadequados de dietas) e infecções que afetam animais de estimação e/ou membros da família (DAVIES et al., 2019).
Outro grande problema enfrentado pela recomendação de dietas naturais é a manipulação das formulações pelos tutores, que acabam por alterar ingredientes ou dosagens prescritas. Trabalhos relatam que ao entrevistarem proprietários que forneciam dieta caseira para seus cães concluíram que 60% destes admitiram modificar as formulações prescritas, além disso 40% não controlaram adequadamente a quantidade de ingredientes fornecidos, 73,9% não usaram as quantidades recomendadas de óleo de soja e sal e 34,8% não usaram corretamente os suplementos vitamínicos e minerais (HALFEN et al., 2017; OLIVEIRA et al., 2014).
Conclusão
A crescente humanização dos animais de estimação reflete-se na alimentação que lhes é fornecida, com tendência para uma alimentação natural. O mercado pet, especialmente o mercado alimentar, cresce impulsionado por esta tendência.
A definição de alimentos naturais para animais de estimação é muitas vezes confusa e as alegações sobre os seus benefícios nem sempre são apoiadas por evidências científicas sólidas. Dietas naturais para cães e gatos podem oferecer benefícios, como aumento do consumo de água e potencial para melhorar a saúde urinária, além de ajudar na perda de peso. Também, existem riscos associados à contaminação biológica se a preparação for inadequada. Além disso, o manuseio inadequado da fórmula pelo proprietário pode levar ao desequilíbrio nutricional.
Portanto, a escolha da ração natural para animais de estimação deve ser feita com cautela, seguindo a orientação de um nutricionista veterinário ou zootecnista, e levando em consideração os riscos e benefícios envolvidos. A segurança e a saúde dos animais devem receber a máxima prioridade e as escolhas alimentares devem basear-se em informações científicas sólidas e na supervisão de profissionais.
Referências bibliográficas
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