Introdução
Indústrias farmacêuticas, de cosméticos e alimentícias utilizam enzimas extraídas de três fontes, sendo de microrganismos, tecidos animais ou plantas (Ray et al., 2016; Ahmad et al., 2018). As plantas possuem muitas enzimas que estão associadas a diversas alterações desejáveis e indesejáveis. Entre essas enzimas que promovem alterações benéficas e de importância industrial, destaca-se a enzima papaína, extraída do látex do mamão. O mamão (Carica papaya) é uma fruta climatérica, que continua amadurecendo após a colheita e é fonte de antioxidantes e minerais, contêm fitoquímicos e vitaminas do complexo B (Santana et al., 2019). Seu látex está presente em quantidades abundantes nos caules, frutos e folhas da planta (Babalola et al., 2023) .
A papaína é uma enzima proteolítica retirada do látex leitoso de frutos de mamão verde (Figura 1) e é muito aplicada na indústria de alimentos e farmacêutica, podendo também ser utilizada na produção de gomas de mascar, de amaciantes de carne, na elaboração de fármacos para tratamento de várias doenças digestivas e no tratamento de feridas (De Lima Júnior, 2024).
A papaína tem um papel muito importante na indústria farmacêutica ao ser adicionada em medicamentos usados para o tratamento de distúrbios digestivos e produtos tópicos, que atuam como anti-inflamatórios e cicatrizantes. As terapias tópicas têm sido incorporadas no tratamento de feridas e, entre elas, os biocurativos sido desenvolvidos com destaque para aqueles que contêm papaína, por seu custo e benefício.
No entanto, na área de cosméticos, a enzima é usada na preparação de produtos esfoliantes e de tratamento de pele (Apaza; Sol, 2024), e esse estudo tem avançado, gerando produtos inovadores e colaborando para o bem-estar da população, além de promover desenvolvimento econômico. Seu uso não apresenta contraindicações específicas, sendo um recurso terapêutico, seguro e efetivo, que não oferece riscos ao paciente.
Figura 1- Planta de Mamão papaia, suas folhas, frutos verdes e látex.
Fonte: Adaptado de Babalola et al. (2024).
Aplicabilidade da papaína no tratamento de lesões e feridas.
Lesões cutâneas são rupturas da integridade da pele que comprometem sua função. Elas podem ser superficiais ou profundas e provenientes de diversas causas, desde doenças, acidentes ou de um simples corte, podendo acometer qualquer indivíduo, trazendo frustrações, dores e alterações psicológicas (Almeida et al., 2024).
Por outro lado, as feridas são consideradas um problema de saúde pública, principalmente em pessoas com doenças crônicas como diabetes, sífilis e pacientes acamados acometidos por lesões por pressão. Esses últimos apresentam uma dificuldade na cicatrização, aumentando o tempo de tratamento, o que gera custos elevados e sobrecarga dos serviços de saúde (De Lima et al., 2022).
A cicatrização de feridas envolve uma sucessão de fenômenos celulares e moleculares, o que requer uma orientação adequada para cada tipo de ferida, considerando suas características (Shi et al., 2020).
As coberturas farmacológicas utilizadas para tratamento de lesões cutâneas devem ser escolhidas com muito critério pelo profissional de saúde, uma vez que existe uma infinidade de tecnologias disponíveis no mercado (Souza et al., 2021; Oliveira et al., 2024). Esses profissionais prescrevem e orientam o protocolo para tratamento de feridas fundamentando-se em evidências científicas, conforme as características apresentadas no momento da avaliação, e o tratamento acontece de forma individualizada, proporcionando segurança, contentamento e qualidade de vida para os pacientes (Gonçalez et al., 2024).
Os tecidos desvitalizados e a infecção podem postergar o processo de cicatrização, pois esses fatores excedem a fase inflamatória, atrasando as fases de proliferação e remodelamento dos tecidos (Deng; Gould; Ali, 2022). O desbridamento enzimático é um mecanismo muito utilizado para promover a cicatrização, empregando enzimas proteolíticas exógenas para remover o tecido necrótico e acelerar o processo. Esse método pode ser a opção preferencial quando outras abordagens, como o desbridamento cirúrgico, são inviáveis devido a distúrbios hemorrágicos ou outras complicações relacionadas ao paciente (Decker et al., 2022).
Nesse contexto, a papaína é muito conhecida pelo seu valor medicinal significativo e industrial, destacando-se sua ação na melhoria da cicatrização de feridas.
Silva et al. (2023) realizaram um estudo e observaram o processo de cicatrização por segunda intenção de lesões cutâneas contaminadas e tratadas com papaína a 10%. Para realizar o estudo, utilizaram 15 ratos separando-se em três grupos, onde foram biopsiados em diferentes dias. Foram realizadas duas fissuras: na primeira fissura, controle, utilizou-se solução fisiológica 0,09% e, na segunda fissura, foi utilizado papaína 10%. Foi inoculado Staphylococcus aureus nas duas lesões e a avaliação foi baseada em aspectos macro e microscópicos. Após verificação da biópsia, os cortes histológicos foram corados por Hematoxilina Eosina e Tricrômico de Masson e os autores concluíram que a aplicação da papaína 10% em lesões contaminadas promoveu efeito positivo na cicatrização.
Lima-Júnior et al. (2024) avaliaram a atividade antimicrobiana da papaína e de sua associação com a ureia. Foram usados Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853, Escherichia coli 042, S. aureus ATCC 6538, Klebsiella pneumoniae ATCC 700603 e Acinetobacter baumannii ATCC 19606 e avaliados a inibição de crescimento e atividade antibiofilme da papaína (2.5-10%), na presença e ausência de ureia (100 mg/ml). Os autores verificaram que a papaína inibiu a maioria dos microrganismos avaliados, havendo variação das concentrações usadas. No entanto, a papaína não inibiu o crescimento de A. baumannii. Por outro lado, foi demonstrado que a combinação com a ureia aumentou a capacidade da papaína em inibir o crescimento de todos os isolados. Dessa forma, os autores sugerem que a associação de papaína e ureia pode representar uma terapia alternativa para prevenção e tratamento de infecção em feridas cutâneas.
Creme à base de papaína, óleo de rosa mosqueta, extrato glicólico de babosa e extrato glicólico de ora-pro-nóbis foi desenvolvido por Souza et al. (2024) para ser utilizado em queimaduras mais leves com pouco exsudato, irritações e alergias da pele. O creme foi testado com supervisão médica e teve sua eficácia comprovada nos processos de cicatrização, regeneração e hidratação da pele com queimadura.
Outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Galvão, 2023), desenvolveu um hidrogel para ser utilizado no tratamento de lesões cutâneas de humanos e animais, com ações anti-inflamatórias e desbridantes. O produto associa compostos com ações benéficas como a quitosana, gomas e derivados de celulose e papaína, e os autores observaram que a associação desses compostos promove ações benéficas, sendo de fácil manejo. Porém uma limitação é a estabilidade da papaína ao longo do tempo.
É importante ressaltar que a associação da papaína com outras substâncias exige atenção dos profissionais de saúde, uma vez que ela é inativada ao reagir com agentes oxidantes como o ferro, o oxigênio, derivados de iodo, água oxigenada e nitrato de prata, luz e calor, segundo Silva (2003).
Nesse sentido, a pesquisa de Babalola et al. (2024) ressalta o potencial promissor do mamão e da papaína para diversas aplicações biológicas, motivando a realização de mais estudos sobre os seus benefícios terapêuticos, a nível de saúde pública, promovendo contribuições substanciais para a melhoria de lesões.
Considerações finais
A papaína é uma enzima proteolítica extraída do látex do mamão imaturo, muito utilizada pela indústria farmacêutica e comercializada em forma de pó, pasta, creme e gel. Promove benefícios significativos no tratamento de lesões cutâneas em humanos e animais. A enzima se destaca pela sua atividade anti-inflamatória, no controle de infecções e desbridamento enzimático de tecidos desvitalizados. Sua atividade proporciona o alinhamento das fibras de colágeno, promovendo crescimento tecidual uniforme.
REFERÊNCIAS
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