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Queijo artesanal é do bem ou do mal?

O consumo de queijos artesanais vem crescendo e a legislação brasileira relacionada a esses produtos passa por transformações. Entenda melhor como o Brasil está se adequando a esta nova demanda.

Nos dias de hoje, o queijo é um dos principais produtos de origem animal consumido pela população, e o queijo artesanal devido às suas características peculiares, vem ganhando cada vez mais destaque na mesa dos consumidores.

O aumento da renda da população brasileira proporcionou mudanças em seus hábitos alimentares e, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Queijos (abiq.com.br), é possível acompanhar o crescimento dos queijos brasileiros entre 2010 a 2015, onde o consumo aumentou 56% durante esse período.

O queijo artesanal é confeccionado com leite cru, o que o torna propício a acarretar danos à saúde pública. Nesse sentido, é importante serem seguidas todas as boas práticas sanitárias e agropecuárias para garantir um produto de qualidade. Quando não são adotados procedimentos básicos de higiene pode ocorrer contaminação por bactérias deteriorantes, levando o produto a ter uma vida de prateleira mais curta. Existem vários estudos comprovando a relação entre o leite cru e patógenos como a Listeria monocytogenesSalmonella Spp.Escherichia coli, Enterobacter spp e inclusive a Brucellla que é uma bactéria encontrada no leite de bovinos contaminados e permanece viável no leite cru, apresentando um risco de saúde pública.

Estudos apontam a Brucella como o quarto patógeno mais envolvido em episódios de doenças transmitidas pelo consumo de leite cru, a maioria associado ao queijo fabricado com esse produto. Anualmente, 500 mil novos casos de brucelose humana são registrados em todo mundo, inclusive no Brasil.

Os queijos artesanais produzidos com leite cru não realizam o processo de pasteurização e com isso é importante o rigoroso controle sanitário do rebanho, assim como a higiene em todo processo de fabricação para garantir a inocuidade do produto.

Em 1952, através do RIISPOA (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal) foi proibida pela primeira vez a venda de leite cru e decretado que todo o leite distribuído à população deveria ser obrigatoriamente pasteurizado.

No Brasil, ainda é possível encontrar o hábito de consumir leite e seus derivados não inspecionados. Esse hábito tem origem na falta de informação correta para a população, que acredita que os alimentos sem inspeção são mais puros, saborosos e nutritivos que os produtos submetidos aos processos de industrialização. Os consumidores infelizmente desconhecem os riscos de consumir produtos sem inspeção – os famosos produtos clandestinos -, pois faltam dados epidemiológicos para confirmar as doenças transmitidas por alimentos – DTA’s e estas são subnotificadas.

Recentemente, foi aprovada a Lei 13.680, de 14 de junho de 2018 que dispõe sobre o processo de fiscalização de produtos de origem animal produzidos de forma artesanal, alterando a Lei 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e cria um novo selo de inspeção chamado selo ARTE. O selo ARTE permite a comercialização interestadual de produtos produzidos de forma artesanal, seguindo características e métodos tradicionais ou regionais próprios, alinhado com um bom programa de boas práticas agropecuárias e de fabricação. Esse selo será concedido pelos órgãos de saúde pública de cada estado (Brasil,2018).

As exigências mundiais estão fazendo que as legislações brasileiras se adequem na busca de uma maior segurança dos alimentos e o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento publicou a Instrução Normativa nº 67, de 10 de dezembro de 2019, estabelecendo os requisitos para que os estados brasileiros realizem a concessão do selo ARTE aos produtos de origem animal produzidos de forma artesanal. E definiu novas regras para a concessão do selo ARTE, publicando a Instrução Normativa nº 73, de 23 de Dezembro de 2019 onde estabelece medidas de boas práticas agropecuárias destinados aos produtores rurais fornecedores de leite para a fabricação de produtos lácteos artesanais – as propriedades fornecedoras de leite devem ser certificadas como livre de Brucelose e tuberculose, de acordo com as normas do Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT) ou controladas para brucelose e tuberculose por órgão estadual de defesa sanitária animal por um período de até três anos, a partir da data de publicação da Lei nº 13.860, de 18 de julho de 2019 (Brasil,2019).

Enfim, o queijo para ser do bem é preciso seguir todas as medidas de boas práticas agropecuárias e respeitar a legislação, se não será queijo artesanal do mal, considerando seu potencial de causar DTA’s.

As DTA’s causam grande morbidade em diversos países. Estima-se que os Estados Unidos gastam anualmente em média US$ 10 bilhões de doláres e no Brasil não se sabe ao certo o valor investido, pois as DTA’s são subnotificadas, ou seja, não são informadas e com isso os consumidores desconhecem os potenciais riscos em consumir um produto inspecionado por algum órgão competente.

 

Referências:

BRASIL. Resolução RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Dispõe Sobre Padrões Microbiológicos Sanitários para Alimentos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 10 jan. 2001. Seção 1, no 7-E, p.1415-53.

Brazil. (2018). National Congress. Inspection process of animal food products artisanally produced. Law n. 13680, June 14th, 2018. Union Official Diary, Brasília, DF, 15 Jun. 2018, Section 2, p.2, 2018.

Brasil. (2019). Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa Nº 73, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2019. HTTP://WWW.IN.GOV.BR/WEB/DOU/-/INSTRUCAO-NORMATIVA-N-73-DE-23-DE-DEZEMBRO-DE-2019-235851288

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – MAPA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 76, de 26 de novembro de 2018..Brasília, DF. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=30/11/2018&jornal=515&pagina=9&totalArquivos=318

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – MAPA. Departamento de Defesa Animal. Programa nacional de controle e erradicação da brucelose e da tuberculose (PNCEBT). 2001. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/>.

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – MAPA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 77, de 26 de novembro de 2018..Brasília, DF. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=30/11/2018&jornal=515&pagina=10&totalArquivos=318

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