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Inovação na Produção de Carne e Análogos para Consumo Sustentável

A crescente demanda por soluções alimentares sustentáveis está impulsionando inovações na indústria de alimentos. De um lado, a busca pela redução das emissões de gases de efeito estufa é uma questão importante a ser atingida pelo setor de produção de carne animal para alcance da sustentabilidade. Do outro, os substitutos da carne como os alimentos baseados em plantas (plant-based), insetos comestíveis ou carne cultivada estão ganhando destaque como opções viáveis para reduzir o consumo de carne tradicional no mundo e amenizar o impacto ambiental.

De acordo com Oliveira et al. (2018), os sistemas de produção agropecuários podem ser bons ou ruins para o ambiente em relação ao aquecimento global. A Figura 1 apresenta as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) de diferentes tipos de produção pecuária em todo o mundo. 

Os níveis de eficiência produtiva mostram a variação nas emissões; as emissões médias são apresentadas pelo indicador laranja. Essas informações reforçam a importância de considerar várias fontes de produção ao avaliar o impacto da pecuária no meio ambiente. Além disso, a adoção de sistemas alimentares diversificados pode ser crucial para diminuir esses efeitos, pois permite uma distribuição mais equilibrada dos recursos naturais e uma redução das emissões, ao mesmo tempo em que promove a produção sustentável de vários tipos de alimentos. Isso demonstra a complexidade das variáveis que afetam o aquecimento global, o que requer uma abordagem holística para a sustentabilidade da agricultura.

Figura 1: Emissões globais de GEE por fonte pecuária.  / Da esquerda para a direita, a imagem destaca as emissões de GEE por kg de proteína: carne bovina (295 kg CO-eq), leite bovino (87 kg CO-eq), carne suína (55 kg CO-eq) e ovos de galinha (35 kg CO-eq). / Fonte: FAO (2017).

Sistemas de produção podem ajudar a reduzir as emissões de GEE e até mesmo zerar a pegada de carbono da carne. A mitigação dos GEE e neutralização da pegada de carbono na produção de carne constitui num desafio para o setor agropecuário em busca da sustentabilidade. A adoção de sistemas de produção integrados, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que podem permitir o sequestro de carbono pelas árvores, é uma estratégia promissora para garantir a sustentabilidade. Estudos mostram que a adoção desses sistemas pode aumentar a captura de carbono no solo e nas plantas, contribuindo para a redução das emissões de GEE relacionadas à produção pecuária (Cardoso et al., 2020; Cerri et al., 2016).

No entanto, a sustentabilidade da produção de carne não se limita à redução das emissões de GEE. O uso extenso da água, a poluição hídrica causada pelo manejo inadequado de resíduos pecuários e a perda de biodiversidade como resultado da expansão das áreas de pastagem são outros problemas significativos que devem ser solucionados (Steinfeld et al., 2006; Herrero et al., 2013).

Além disso, a transformação de ecossistemas naturais em pastagens é um efeito prejudicial, pois gera perda da biodiversidade e pode resultar na degradação de habitats e na extinção de espécies, especialmente nas áreas tropicais (Machovina et al., 2015). Para lidar com essas questões, é fundamental adotar métodos que melhorem o bem-estar animal e ajudem os agricultores locais, fomentando uma produção que seja socialmente e ambientalmente sustentável (Fraser, 2008; FAO, 2018).

A produção de carne requer uma abordagem multifacetada devido à complexidade dos problemas. Embora não haja uma solução definitiva, práticas integradas e baseadas em evidências científicas parecem ter o potencial de serem sustentáveis. Uma ação planejada e coordenada pode ser eficaz e necessária para considerar os fatores ambientais, sociais e econômicos interconectados (Tilman et al., 2011; Garnett et al., 2013).

Análogos à proteína animal são produtos alimentares desenvolvidos para imitar o sabor, a textura e o valor nutricional das proteínas de origem animal, podendo ser      feitos a partir de fontes vegetais, fungos ou cultivos celulares. Esses produtos são utilizados como substitutos em dietas vegetarianas, veganas ou por aqueles que buscam reduzir o consumo de carne e produtos de origem animal por motivos de saúde, ambientais ou éticos.

Nos últimos anos, os análogos à carne vêm ganhando as prateleiras dos supermercados. Empresas sólidas no ramo de carne animal e startups lideram essa inovação, utilizando técnicas avançadas de processamento e biotecnologia para criar produtos que agradam tanto a vegetarianos quanto a consumidores de carne.

     Um estudo realizado no Brasil por Gomez-Luciano et al. (2019) tende apontar maior probabilidade de consumidores brasileiros optarem pelo consumo alternativas plant-based que as demais alternativas proteicas. Apesar de enxergarem as controvérsias existentes na produção de carne, como sofrimento animal e degradação da biodiversidade, os brasileiros veem alimentos à base de plantas como mais caros, menos seguros, menos nutritivos e menos saborosos em relação a outros países. Os produtos plant-based são produtos feitos a partir de ingredientes vegetais como soja, ervilha, grão-de-bico e leguminosas, apresentam semelhança ao sabor, a textura e o valor nutricional da carne animal. 

Além de impactos ambientais, o excesso no consumo de carne vermelha e processada pode aumentar a incidência de doenças crônicas não transmissíveis, no entanto, muitos consumidores não desejam deixar de consumir carne apresentando fortemente apego à carne (Graça et al., 2015).  

Uma pesquisa realizada pela World Resources Institute (2020) revelou que se um terço da carne em cada hambúrguer fosse substituído por cogumelos, ajudaria a diminuir o uso global de terras agrícolas, pois seria possível economizar uma quantidade significativa de água e reduzir a poluição atmosférica. 

Como forma de facilitar o processo de transição de uma dieta baseada em vegetais para uma dieta com maior consumo de vegetais, diversas opções foram desenvolvidas, dentre elas, observa-se promissor os produtos      híbridos que combinam blend à base de carne e vegetais. 

Os produtos híbridos de carne têm sido sugeridos como uma forma eficaz de mitigar o impacto ambiental. Alimentos híbridos, por      sua vez, combinam proteínas vegetais com quantidades reduzidas de carne animal, visando oferecer uma transição gradual para consumidores que desejam reduzir, mas não eliminar, o consumo de carne. Estudos pelo mundo (Neville et al., 2017; Baune et al., 2021) vêm apontando resultados satisfatórios na aceitação do consumidor por produtos oriundo de fontes proteicas híbridas, indicando que uma substituição parcial da carne por proteína vegetal é mais aceitável para a maioria dos consumidores      que a substituição completa da carne.

De acordo com Grasso et al (2022), esses produtos oferecem um perfil nutricional equilibrado e são uma ponte viável para uma dieta mais sustentável, mantendo o sabor e a textura familiar aos produtos à base de carne, mas com benefícios extras como a redução de sal, de gordura e o aumento de fibras, vitaminas e minerais.

A indústria de análogos à carne está em rápida evolução, oferecendo soluções inovadoras para enfrentar os desafios ambientais e de saúde, associados ao consumo de carne tradicional. Produtos alternativos podem representar      o futuro da alimentação sustentável. No entanto, facilitar a transição para uma dieta com menor consumo de carne requer uma abordagem integrada, envolvendo educação, políticas públicas, parcerias industriais e inovação contínua. Com esforços coordenados, é possível promover uma alimentação mais sustentável e saudável, beneficiando tanto o meio ambiente quanto a população global.

O objetivo de assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis foi firmado através da Agenda 2030 em 2015 pelos 193 países integrantes da Organização das Nações Unidas, entre eles o Brasil. Porém, o tema já era abordado de forma implícita na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225, que prevê que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida […]” (BRASIL, 1988). O Estado possui através da tributação uma forma abrangente de intervenção nos comportamentos de consumo dos cidadãos, a depender de seus próprios objetivos. Nesse contexto, medidas na direção da elevação dos tributos de produtos alimentícios não sustentáveis e da desoneração dos alimentos sustentáveis atuariam como estímulo a padrões de consumo alimentar mais saudáveis e sustentáveis.

A garantia da sustentabilidade vai além da oferta de produtos alternativos à carne no mercado.  Implementar sistemas de rotulagem que informem sobre a sustentabilidade e os benefícios nutricionais dos produtos e ao meio ambiente pode ajudar os consumidores a tomarem decisões conscientes. Certificações de sustentabilidade e transparência nos ingredientes são valorizadas cada vez mais pelos consumidores.

Referências:

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